Open Banking Brasil
Ilustração: Felipe Mayerle
Negócios

Open banking no Brasil: empoderamento do cliente, abertura do mercado de serviços bancários

Com uma camada de tecnologia padronizada e portabilidade de dados facilitada, grandes bancos, bancos digitais e fintechs dão início à corrida pelo melhor portfólio

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Em 2021, o Brasil deu seu passo mais importante rumo à revolução e inclusão financeira promovida pela transformação digital: a implementação do open banking

O aspecto fundamental do open banking brasileiro é a autonomia do cliente para escolher serviços e produtos bancários e financeiros. Essa autonomia só é possível quando o indivíduo tem controle sobre suas informações e histórico financeiro, e facilidade para migrar de uma instituição para outra, de um serviço para outro, ou mesmo para integrar serviços e produtos de várias instituições.

Em um sistema financeiro concentrado como o brasileiro, isso não é tão simples quanto pode parecer. Daí o caráter revolucionário do open banking. 

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Do lado do mercado, o open banking tem potencial para colocar em pé de igualdade os bancos tradicionais, fintechs e demais instituições financeiras que operam sob alguma licença do Banco Central do Brasil graças à adoção de uma camada de tecnologia padronizada que vai simplificar a comunicação e a portabilidade de dados entre as instituições.

Além do open banking: open finance

O open banking brasileiro é parte da “Agenda #BC”, uma pauta de trabalho do Banco Central centrada na evolução tecnológica para desenvolver e fortalecer eficiência do sistema financeiro, a modernização das leis que regem esse sistema, a competitividade e a transparência. Nesse sentido, o open banking brasileiro mira mais adiante, o open finance.

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Embora a agenda regulatória do open banking seja uma tendência global, o desenho do open banking e a estratégia de implementação mudam em cada país. No Brasil, a gestão centralizada do Banco Central e a criação de um padrão de comunicação via APIs (application programming interface) são os grandes diferenciais em comparação com o modelo adotado em outros países. 

Na União Europeia e no Reino Unido, por exemplo, a descentralização da implementação e a customização das APIs resultou em um grande problema de comunicação entre as interfaces de cada instituição. “É como se a comunicação entre um grupo de pessoas fosse possível, mas cada uma falasse uma língua,” ilustra o diretor sênior da da consultoria alemã Roland Berger, João Bragança

João Bragança, diretor sênior da Roland Berger. Foto: Roland Berger/Divulgação

A participação obrigatória dos grandes bancos também é fator determinante para o sucesso da proposta. Em um mercado muito concentrado, se os bancos tradicionais não participassem, o open banking dificilmente emplacaria uma vez que essas instituições detêm um volume gigantesco de dados financeiros e a maior fatia de usuários. 

Thiago Alvarez, fundador e CEO no Guiabolso, uma plataforma de gestão financeira e marketplace que também oferece soluções de open banking para instituições financeiras, afirma que o Banco Central foi muito habilidoso na construção do marco regulatório.

“Além da obrigatoriedade para as grandes instituições e a padronização de APIs,  o escopo do open banking brasileiro é mais amplo, incluí outros serviços financeiros e bancários. Vai além do open banking, é open finance,” diz Alvarez, que também é conselheiro da implementação do modelo no Brasil.

O escopo do open banking brasileiro é mais amplo, incluí um rol maior de serviços financeiros e bancários. Vai além do open banking, é open finance.

THIAGO ALVAREZ, CEO DO GUIABOLSO

Quem sai na frente? 

O open banking desafiará o monopólio dos grandes bancos: eles irão disputar 60 milhões de clientes com fintechs e outras instituições financeiras e podem ter uma perda de receitas de até R$110 bilhões, de acordo com estimativa da Roland Berger.  

Apesar das projeções, Leandro Vilain, diretor de inovação, produtos e serviços da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), é otimista.

“A competição é fundamental para o setor bancário, estimulamos ela em todos os níveis. O open banking será uma ferramenta importante no aumento da concorrência bancária, os clientes terão mais conveniência e facilidades e poderão optar por melhores ofertas e oportunidades de crédito. Entretanto, ressaltamos que é importante que as regras sejam iguais para todos, sejam bancos já estabelecidos ou novos competidores,” avalia. 

A competição é fundamental para o setor bancário. Entretanto, é importante que as regras sejam iguais para todos, sejam bancos já estabelecidos ou novos competidores.

leandro vilain, diretor de inovação, produtos e serviços da febraban

A competição fica tanto mais complexa quanto maior for a inovação e a digitalização dos serviços e produtos. Para Bragança, os bancos tradicionais terão dificuldade por não possuírem mindset digital para competir com players que já nasceram digitais. 

Vilain afirma que os bancos estão preparados para as inovações tecnológicas e regulatórias. “Desde 2018, a Febraban conta com equipes especializadas dedicadas exclusivamente ao projeto e equipes dos bancos qualificadas para apoio técnico, além de uma consultoria internacional que nos traz todo o conhecimento e suporte necessários.”

Para ele, os grandes bancos ganharão em agilidade e flexibilidade no lançamento de produtos e na gestão da informação.

Leandro Vilain, diretor diretor de inovação, produtos e serviços da Febraban. Foto: Febraban/Divulgação

Relatório elaborado pela Roland Berger aponta duas estratégias para os grandes bancos se manterem competitivos: o fortalecimento do relacionamento com os clientes, aprimorando a experiência do consumidor; ou a ampliação da oferta de produtos e a eficiência de gestão, em que a disputa é pelo preço e pelo equilíbrio entre risco e retorno.  

Há, ainda, o recorte de classe da clientela. Enquanto os clientes de alta renda já são contemplados por players de investimentos, os clientes de baixa renda ganharam atenção com as carteiras digitais. Assim, para Bragança, os grandes bancos têm maior vantagem na disputa pela classe média, para a qual há menos ofertas específicas.

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“Os bancos tradicionais têm vantagem com a classe média, que é menos disputada por players emergentes. Então, vale mais investir na experiência do cliente e em bons produtos para esse segmento do que entrar na concorrência por mercados nichados que já estão bem atendidos,” analisa.

Na disputa entre bancos tradicionais, bancos tradicionais, fintechs, há uma categoria específica de players com boas chances de sair na frente na briga pela clientela do segmento A: as corretoras. 

Segundo Bragança, elas não terão dificuldade em conseguir a autorização dos clientes para acessar histórico financeiro devido à relação consolidada de confiança. “Vai ser disruptivo. E é uma característica do mercado brasileiro; não tem outro país com um player de mercado com o mesmo poder que as corretoras têm no Brasil,” avalia.

Essa é uma característica do mercado brasileiro. Não tem outro país com um player de mercado com o mesmo poder que as corretoras têm no Brasil. Vai ser disruptivo.

João bragança, diretor sênior na roland berger

Impacto maior para pessoa jurídica

Contudo, na análise da Roland Berger, o maior impacto do open banking será sentido pelo segmento de Pessoa Jurídica. 

“O processo de onboarding de Pessoa Jurídica em um banco é ruim, com exigência de uma vasta documentação e muita burocracia. Com o open banking, a Pessoa Jurídica autoriza o compartilhamento de suas informações e a instituição financeira vai ter acesso ao histórico bancário daquela empresa, vai saber se o fluxo de recebimento está em dia, se o caixa é bem gerido. Aí, o banco vai conseguir oferecer mais rápido um portfólio de produtos de crédito e de financiamento mais eficiente,” explica Bragança. 

Todo esse processo não passa por inovação a nível de produto. É mais sobre acesso a informação e experiência do cliente. 

Experiência do usuário versus inovação do portfólio 

O futuro do open banking reserva um rol de novos produtos e serviços que deve evoluir em variedade e sofisticação conforme as fases de implementação avancem e o nível de acesso e integração aumente. 

A oferta pode vir em forma de uma melhor interface com o cliente ou em forma de produtos. Possivelmente, virá da combinação das duas frentes. “A experiência impacta o produto, o produto impacta a experiência”, diz Alvarez.

Ele cita o exemplo de aplicações voltadas para a gestão financeira, que ajudam o cliente a gerir seu dinheiro. “As instituições poderão oferecer gestão financeira, isso é experiência do cliente. Agora, com base nos dados gerados por essa aplicação, a instituição é capaz de reduzir a inadimplência em 17% e com isso a oferta de crédito e empréstimos melhora. Isso é produto. O open banking engloba a jornada inteira do cliente.”

Thiago Alvarez, CEO do Guiabolso. Foto: Guiabolso/Divulgação

Na fase um, entre as possíveis soluções que podem surgir estão os comparadores de tarifas bancárias, de tipos de contas e de cartões de crédito. Esses produtos têm potencial para mudar a forma como se consome serviço bancário, uma vez que os usuários terão acesso facilitado às opções disponíveis no mercado. 

“Poderão surgir aplicativos para simulação de crédito, de investimentos, de empréstimos, tudo com base na movimentação financeira do cliente e em informações que poderão ser agregadas após o consentimento do consumidor,” diz Vilain.

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Já a grande aposta de Bragança é no agregador de contas. “Essa é a primeira briga, o agregador de contas. Os chalengers vão oferecer esse produto no dia um. O sucesso do open banking depende de o cliente entender que as ofertas são compatíveis e transversais, que ele pode movimentar a sua conta do banco tal na interface da sua corretora, por exemplo,” explica.

Com a possibilidade de iniciar um pagamento fora do ambiente bancário (fase três), Vilain também aposta no surgimento de novos modelos de negócios, principalmente no comércio eletrônico, que se beneficiaria ao possibilitar que o cliente realizasse o pagamento ou transferência na própria plataforma, sem precisar de acesso a aplicativo ou site do banco.

Fintechrização do varejo

O open banking trará vantagens competitivas não apenas para bancos, bancos digitais e fintechs, mas também para as gigantes do varejo, cuja penetração em um país de proporções continentais como o Brasil é um capital valioso. 

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Com o open banking, os grandes varejistas poderão conhecer seus consumidores no ambiente financeiro e usar essas informações para criar novos produtos – inclusive financeiros – em seus ecossistemas. Gigantes como Magazine Luiza e Mercado Livre, inclusive, já oferecem produtos financeiros em suas plataformas, como cartões de crédito e carteiras digitais. 

Com o open banking, o varejista poderá conhecer o seu cliente no ambiente financeiro. “Hoje o varejista conhece o cliente no ambiente do varejo, mas não sabe nada sobre seu histórico financeiro e bancário. O varejo tem uma restrição à capacidade de oferecer crédito, por exemplo, porque tem dificuldade para oferecer os clientes. O open banking vai mudar isso,” diz Alvarez.

Fases do open banking no Brasil

  1. Fevereiro, 2021 – Abertura
    Nesse momento, as instituições financeiras cuja adesão é compulsória e aquelas que optaram por participar compartilham informações padronizadas de produtos e serviços bancários. Nessa fase nenhum dado de cliente é compartilhado. 
  2. Agosto, 2021 – Customização
    A partir daqui, o cliente terá participação mais ativa e poderá solicitar o compartilhamento de seus dados e informações financeiras entre instituições. O maior ganho para o consumidor será a customização de ofertas e produtos. O ecossistema financeiro será sacudido por inovação e competitividade. 
    A segunda fase estava prevista para iniciar em 15 de julho, mas foi adiada para 13 de agosto e escalonada em etapas que terminam em outubro.
  3. Agosto, 2021 – Autonomia
    Nessa fase, os consumidores terão acesso a serviços como pagamentos e propostas de crédito além dos canais das instituições financeiras. O consumidor ganha mais autonomia para acessar serviços financeiros por outros canais. Mas nem todos os serviços estarão disponíveis, a oferta será escalonada devido a uma resolução publicada pelo Banco Central que alterou as fases 3 e 4.
    Com a alteração do BC, neste ano, apenas as transferências via PIX estarão disponíveis nesse esquema de integração do open banking. A iniciação de pagamentos via outros métodos (boletos, débitos em conta, por exemplo) será possível somente a partir de 2022.
  4. Dezembro, 2021 – Evolução 
    O escopo do open banking é ampliado: informações de operações de câmbio, de investimentos, de seguros, de previdência e de contas-salário poderão ser compartilhadas, mediante autorização. A última fase do open banking inicia em 15 de dezembro e termina em 31 de maio de 2022.

    (Cronograma atualizado conforme mudanças anunciadas pelo Banco Central)
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