Fundadores do Zenklub: Rui Brandão e José Simões. Foto: Divulgação
Negócios

Pandemia aquece corrida de investimentos e consolidação de negócios privados no setor privado de saúde

IPOs, fusões e aquisições e rodadas de private equity e venture capital cada vez mais polpudas. Área vive boom inédito de negócios no país

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A pandemia do novo coronavirus está levando o sistema público de saúde brasileiro, o SUS, à beira de um colapso em muitas regiões. Ao mesmo tempo, o setor de saúde privada vive um inédito boom de negócios. É como se a COVID19 tivesse colocado um imenso holofote sobre um cenário que, há muito tempo, já vinha se desenhando, mesmo no ecossistema de startups. A atual corrida pela consolidação de redes de hospitais a operadoras de plano de saúde, assim como o crescente investimento em startups da área, refletem a expectativa do setor por uma demanda crescente, gerada pelo envelhecimento da população brasileira.

Nos últimos meses, o setor foi palco da maior fusão de sua história no país e também do maior IPO da área em sete anos. Os investidores interessados no segmento vão desde o fundo de private equity americano Carlyle Group e outros de venture capital ao magnata da construção civil Elie Horn, fundador da construtora e incorporadora Cyrela.

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“A população brasileira está envelhecendo rapidamente, o que significa um forte crescimento da demanda por serviços de saúde”, afirma o diretor executivo do Morgan Stanley, Cezar de Faria. “Considerando as restrições orçamentárias, é muito pouco provável que o governo consiga suprir essa demanda.”

25,5%

É a fatia que caberá à população brasileira com mais de 65 anos de idade em 2060 – 10% mais do que ela representa hoje.

Nesse cenário, investidores e executivos de bancos também dizem que há muito espaço para aumentar a eficiência de hospitais privados. A operadora de hospitais Rede D’Or São Luiz fez o maior IPO dos últimos sete anos em dezembro, e as empresas de plano de saúde Hapvida e Notre Dame Intermedica discutem a criação de uma companhia que pode ter valor de mercado acima de R$ 100 bilhões.

O fundo de private equity brasileiro IG4 criou uma companhia só para cuidar da área de infraestrutura dos hospitais, do estacionamento às instalações, enxergando potencial de grandes mudanças no país.

Depois de vários negócios, a OPY Health, uma empresa do IG4, agora está fazendo uma colocação privada de ações de no mínimo R$ 600 milhões, com o objetivo de financiar a compra de mais seis hospitais, segundo uma fonte com conhecimento do assunto.

Os dois grandes negócios e a onda de compras planejada pela OPY mostram como a efervescência de fusões e aquisições e transações de mercado de capitais estão transformando o fragmentado setor de saúde privado brasileiro, que movimenta anualmente R$ 197 bilhões.

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Segundo os especialistas, a pandemia não está entre as razões para a efervescência dos negócios entre empresas de saúde, mas indiretamente evidencia esse potencial e ajuda a aumentar os investimentos privados no sistema público. Mais de 9,8 milhões de brasileiros já foram infectados pelo Sars-Cov-2, e mais de 240 mil morreram.

Em Manaus, com o sistema em colapso devido à pandemia, um dos hospitais com menor mortalidade e menos problemas no suprimento de oxigênio foi o Delphina Aziz, cuja estrutura é de propriedade da OPY Health (o hospital atende exclusivamente ao SUS). Entre os seis novos hospitais que a OPY pretende adquirir, um é de atendimento público.

Interesse no setor privado de saúde é sentido no mercado de capitais e de investimentos de risco

As ações da Rede D’Or, cujo IPO em dezembro abriu a temporada de grandes negócios no setor de saúde, estão sendo negociadas hoje a 68 vezes seu EBITDA (lucro operacional), muito acima do múltiplo de nove vezes o Ebitda da rede de hospitais americana HCA Healthcare, que é muito maior que a Rede D’Or. Hapvida e Intermedica também estão sendo negociadas a quase 30 vezes EBITDA que registraram.

Os altos preços comparativos das empresas brasileiras, entretanto, não assustam os investidores. O Carlyle e o investidor estatal de Singapura GIC praticamente não venderam participações na Rede D´Or no IPO, esperando que a valorização continue.

O boom do setor de saúde está só começando

Hans Lin, co-chefe da área de banco de investimento do Bank of America no Brasil.

Ofertas de ações e rodadas de financiamento privado devem ajudar a impulsionar fusões e aquisições, afirma Lin. A verdade é que setor privado de saúde no Brasil ainda é fragmentado: os cinco maiores provedores de planos de saúde têm juntos apenas 33% do mercado, comparado com 68% nos Estados Unidos, segundo o Morgan Stanley.

Isso é relativamente bom para os consumidores, porque é sinal de maior competitividade, mas também mostra que o setor, mais regulado aqui do que nos EUA e com uma variedade de modalidades de planos de saúde e assistência também muito maior, ainda está sujeito a uma grande consolidação.

E não são só os grandes hospitais e complexo gerais os alvos desse grande movimento de fusões e aquisições. Analistas veem também movimentos de consolidação em negócios especializados como clínicas de oncologia e hospitais oftalmológicos.

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Na esteira da Rede D’Or, ao menos oito empresas brasileiras de saúde estão planejando IPOs este ano, como as redes de hospitais Care, Mater Dei e Kora Saúde.

Também haverá IPOs de empresas farmacêuticas, como o Teuto, que pretende levantar no mínimo R$ 1 bilhão, e a fabricante de suprimentos médicos Viveo, que espera levantar R$ 1,5 bilhão.

Startups brasileiras tentam atacar as maiores dores do setor de saúde

Algumas startups estão baseando seu modelo de negócio em reduzir a inflação médica, que chegou a 11,5% no ano passado, mais que o dobro da inflação geral, segundo a consultoria Mercer Marsh.

A startup de exames diagnósticos Labi, por exemplo, está levantando recursos numa rodada Série B e explora o nicho de exames de sangue e vacinas a 10% do custo das marcas mais premium, como o Fleury.

As startups do segmento também estão levantando mais recursos, tirando vantagem também da flexibilização regulatória acelerada pela COVID-19.

A Conexa, provedora de serviços de telemedicina, recebeu investimentos do fundo General Atlantic e está buscando uma nova rodada de investimentos de R$ 100 milhões para expansão orgânica e aquisições. Durante a pandemia, a demanda por consultas a distância disparou, e o número de atendimentos da Conexa pulou de 50 para 15 mil ao dia. “Os conselhos de medicina autorizaram serviços previamente proibidos [de funcionar à distância ou por teleconferência] por causa da COVID-19, e isso acabou fortalecendo muito nosso negócio”, diz Guilherme Weigert, CEO da Conexa.

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Na semana passada, a Alice, health tech oferece seguro saúde diretamente para pessoas físicas, anunciou um aporte de US$ 33 milhões. A nova rodada foi liderada pela ThornTree Capital Partners, empresa de capital de risco com sede em Boston, juntamente com atuais investidores da Alice, incluindo Kaszek VenturesCanary e Maya Capital. A Endeavor Catalyst passou a fazer parte dos acionistas da empresa.

Outro exemplo de segmento fortalecido pela pandemia é o de saúde mental. Aproveitando a alta demanda, várias startups levantaram rodadas significativas para escalar ainda mais os seus negócios. Uma das últimas foi a Zenklub, plataforma brasileira e portuguesa de saúde emocional e desenvolvimento pessoal que anunciou na semana passada a conclusão de uma rodada de R$ 45 milhões liderada pela SK Tarpon GK Ventures, contando também com a participação da atual investidora portuguesa Indico Capital Partners.