Quando o Paypal, que tem mais de 400 milhões de contas ativas pelo mundo, anunciou que iria permitir que clientes do Reino Unido fizessem pagamentos com criptomoedas, a empresa deu um sinal verde para o mercado.
Não que o mercado para cripto já não estivesse a todo vapor: segundo o Crunchbase, os investidores de capital de risco aportaram US$ 12,1 bilhões em empresas de criptomoedas em 2021, o maior montante desde 2017, ano em que começaram a existir os derivativos de criptomoedas que trouxeram os primeiros investidores institucionais financeiros para o setor.
Criptomoeda mais popular, o bitcoin foi inventado como uma resposta para a primeira grande crise financeira do século XXI: a crise do subprime, ou “a bolha imobiliária americana”. Depois da explosão de derivativos e ICOs (Initial Coin Offerings) em 2017, com muitos projetos, em 2018 as criptomoedas enfrentaram uma queda de 80% de seus valores. Isso porque muitos desses projetos de PowerPoint não vingaram, o que levou a uma queda substancial do mercado.
Em 2019, o mercado de cripto iniciou uma retomada, o que também chamou a atenção dos investidores institucionais. Mas por que o apetite por criptomoedas e cripto ativos aumentou nos últimos anos?
O LABS conversou com Bruno Milanello, executivo de novos negócios do Mercado Bitcoin, a bolsa de criptomoedas brasileira que recentemente se tornou o primeiro unicórnio cripto da América Latina, sobre pagamentos com criptomoedas, a experiência de El Salvador, primeiro país do mundo a adotar o bitcoin como moeda oficial, e o que falta para o mercado de pagamentos com criptomoedas deslanchar:
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LABS – Estamos vendo cada vez mais unicórnios de criptomoedas, como o Mercado Bitcoin, pelo mundo. O setor está sendo visado por investidores, por que você acha que isso tem acontecido?
Bruno Milanello – Essa atenção que cripto começou a ter não vem de agora. Só está aumentando e veio para ficar. Em 2020, a pandemia foi uma prova de fogo e um ambiente para se testar um ativo que foi moldado exatamente para essa situação em que todo mundo está online.
Tivemos os bancos centrais “segurando a bronca” das economias por meio da impressão de dinheiro, com juros baixos, e uma mudança de paradigma em agosto de 2020 quando a gente começa ver os investidores institucionais não financeiros entrarem mais pesado no mercado de criptomoedas.
Esse movimento foi liderado pelo Michael Saylor (empreendedor americano) que colocou bastante Bitcoin na tesouraria. Isso levou a uma mudança grande de patamar. Ele não só investiu, como também deu vários cursos e palestras, disponibilizou todo o aprendizado dele em termos contábeis, em termos tributários, tudo que a empresa fez para dar o conforto para os acionistas para poder investir em criptomoedas.
Houve uma mudança muito grande de como as empresas e os investidores passaram a encarar as criptomoedas. Você está em um ambiente onde tem uma possível inflação futura crescente por conta da impressão de dinheiro e você tem um ativo que é supostamente deflacionário por conta de toda a economia dele, a estrutura matemática de como ele foi desenhado, por ser descentralizado, então pode acontecer o que for da economia o tokenomics do bitcoin não vai mudar. Ele se mantém. Ao passo que os governos podem influenciar em muita coisa, o bitcoin tem essa estrutura pré-desenhada. Quando a gente fala que o bitcoin e as criptomoedas são ativos descorrelacionados com os outros ativos do mercado, isso passa a não ser mais verdade.
Não que a correlação seja positiva ou negativa. Mas ele já passa a ficar integrado com todos os outros ativos, como mais uma classe de investimentos que os investidores têm como opção.
Passamos a ter as discussões dos bancos centrais para criação das moedas digitais. Isso chancela não só as criptomoedas, mas a tecnologia. Significa que tem alguma coisa boa aí.
LABS – Como você vê os pagamentos com criptomoedas, já que o PayPal liberou esse tipo de pagamento no Reino Unido?
Bruno Milanello – Hoje em dia, as empresas que utilizam cripto como meio de pagamento estão muito mais “de olho” no futuro, tentando se aproximar dessa geração que sabe muito bem navegar em criptomoeda, do que de fato querendo fazer negócio.
Os negócios hoje com criptomoedas são ainda irrisórios, não é uma experiência de usuário fácil. O usuário que queira pagar alguma coisa com cripto tem que ter sua carteira, tem que saber o que é uma carteira, saber transferir, tem que saber quanto tempo esperar e o porquê de esperar, ele tem que saber muito mais coisa, não é o mesmo de fazer um PIX
Bruno Milanello, executivo de novos negócios do Mercado Bitcoin.
Há muitos problemas para a utilização das criptos como meio de pagamento do ponto de vista da experiência do usuário. Há ainda a questão da oscilação de preço, a volatilidade do ativo.
É uma questão emblemática. Todo mundo que tem cripto fala assim, “seria ótimo, vou na padaria, vou pagar em criptomoeda”. Mas você não quer correr o risco de voltar para sua casa e ver que você pagou em um pão na chapa e um café R$ 100 mil. Ninguém quer correr esse risco.
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As empresas precisam trabalhar essa questão da experiência do usuário. A nossa cabeça não funciona em oito casas decimais. Por exemplo, eu tenho que pagar 0,00045 bitcoins por um café. Eu não sei se isso é caro ou não. Precisa ter ainda uma conversão para tornar isso fácil e pode ser que essa conversão não venha nunca.
Olhando para a história, o padrão ouro existiu, mas foi muito mais uma questão financeira do que uma prática cotidiana. Ninguém ia comprar com barra de ouro no mercado ou coisa do tipo. As pessoas não fazem os cálculos em onça-troy. É uma reserva de valor, mas como meio de pagamento o ouro também não vingou. A gente pode viver isso com a criptomoeda também
Bruno Milanello, executivo de novos negócios do Mercado Bitcoin
Ainda é difícil de saber, mas eu acho que antes que a gente passe por esse momento, vamos ver muito mais adesão das empresas.
Quando nos procuram para entender um pouco mais o mercado, as empresas fazem esse tipo de pergunta, “vale a pena eu colocar criptomoeda como meio de pagamento?”. Tecnicamente, não. Financeiramente, também não vale. Mas estrategicamente, mercadologicamente, faz todo o sentido aceitar criptomoedas como pagamento. Porque automaticamente você vira um player global porque qualquer um pode pagar com cripto. E por mais que o seu setor seja tradicional, você é uma empresa que está antenada com o que está acontecendo.
LABS – Como você vê a experiência de El Salvador?
Bruno Milanello – A comunidade inteira está de olho no aprendizado que a experiência de El Salvador vai trazer para o mundo.
El Salvador é uma economia bastante pequena, não é de muita relevância do ponto de vista econômico, mas tem diversos problemas que vários outros países compartilham, o problema inflacionário, da moeda local desvalorizada.
Alguém precisava começar. É bacana que tenha começado por El Salvador, acho que é mais fácil porque como é uma economia menor, é muito mais fácil você ver o impacto e estudar, reagir e mudar o curso se for preciso.
Acho que termos um outro país realmente adotando criptomoeda como moeda oficial como El Salvador fez é mais difícil. Mas a experiência de El Salvador pode estimular a adoção da criptomoeda em outros locais, que podem passar a aceitar a moeda oficial e a criptomoeda também.
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É mais fácil vermos os bancos centrais tendo parte de suas reservas internacionais como criptomoedas. Eu acho que a gente vai ver isso no curto e médio prazo. Hoje temos mais de 10 mil criptomoedas. Eu particularmente não acho que haja espaço para 10 mil criptomoedas, é muito difícil endereçar ou ver todas as diferenças entre elas. Vai acontecer uma seleção natural, como com toda indústria.
LABS – O Mercado Bitcoin lançou uma moeda que representa crédito de carbono. Como funciona?
Bruno Milanello – A gente listou aqui no Mercado Bitcoin uma moeda MCO2 que é da empresa Moss. Essa moeda representa um crédito de carbono. Temos uma parceria com a Moss e anulamos toda a nossa emissão de carbono desde a nossa fundação por meio da compra dessas moedas.
Essa moeda permite, com a calculadora da Moss, que cada um consiga saber quanto produziu de carbono e anular com a compra desses créditos de carbono.
A Moss tem projetos na Amazônia com empresas que são credoras de crédito de carbono. Eles compram esses créditos, empacotam em forma de digitalização, colocam em blockchain, vira uma moeda, e essa moeda está listada aqui no Mercado Bitcoin.
Temos dois tipos de mercado de carbono, o regulado, que é quando um governo determina o valor do crédito de carbono, e o voluntário, que é quando a oferta e demanda e as empresas determinam quanto vale. A Moss atua nessa parte do mercado não regulado.
A gente listou essa moeda antes mesmo de ter toda essa questão de discussão energética em torno das criptomoedas. É uma moeda que vai muito bem aqui, tem muita exposição.
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LABS – Essa compra de crédito de carbono realmente funciona?
Bruno Milanello – Hoje, quando você vai anular um crédito de carbono, não existe isso de você retirar da atmosfera e destruir. Isso foi um modo de comunicar, mas na verdade quando você ajuda a neutralizar a sua pegada de carbono, você está ajudando projetos que são limpos. Projetos que não emitem CO2 na atmosfera. Por ajudar esses projetos, você automaticamente não emite mais, por essa questão você acaba diminuindo a emissão. Mas você não retira o que já tem de carbono na atmosfera, o que já tem, já foi.
Mas o fato de você não contribuir para aumentar a emissão faz com que você consiga anular. Essas empresas são credoras desses créditos, porque são limpas e vendem o excedente para quem já produziu carbono a mais.