O Projeto de Lei do Marco Legal das Startups, enviado pelo governo federal nesta semana ao Congresso, pretende dinamizar o ecossistema de startups no país, tornando o setor mais competitivo.
De acordo com a Secretaria Geral da Presidência da República, o texto busca simplificar a criação de empresas inovadoras, estimular o investimento em inovação, fomentar a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação e facilitar a contratação de soluções inovadoras pelo Estado.
Aguardado há anos pelo ecossistema de startups brasileiro, o projeto representa um importante passo para o setor, sobretudo em um momento em que pautas voltadas à retomada econômica ganham especial atenção, o que pode possibilitar ao texto tramitar em regime de urgência, já que conta com apoio quase unânime de diferentes partidos políticos.
“O Marco Legal reconhece juridicamente a startup e sua importância, dando a ela uma definição. Isso abre a possibilidade de diversas outras ações de diferentes esferas da administração pública voltadas para startups,” explica o vice-presidente do Grupo Dínamo, Felipe Matos. Na definição do texto, se enquadram como startups empresas com modelos de negócio inovadores, que tenham até 6 anos de constituição e R$ 16 milhões de faturamento anual.

O Marco Legal reconhece juridicamente a startup e sua importância, dando a ela uma definição. Isso abre a possibilidade de diversas outras ações de diferentes esferas da administração pública voltadas para startups
Felipe Matos, vice-presidente do Grupo Dínamo.
O reconhecimento das startups como modelo de negócio inovador e de outros atores fundamentais para o ecossistema, como o investidor anjo, é a base de um texto que visa desburocratizar alguns aspectos da legisação que impactam essas empresas. Entre eles, o reconhecimento da validade do contrato de mútuo conversível, o mais utilizado entre os instrumentos jurídicos de investimento.
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Mútuo conversível, por sua vez, é um contrato similar ao de empréstimo, através do qual o investidor tem direito a converter em ações o capital aportado à startup. Na modalidade, o prazo é estipulado pelo investidor.
“Há diversas propostas, que simplificam as sociedades anônimas, melhoram a segurança jurídica de investidores, abrem possibilidades do uso do poder de compra do Estado para a aquisição de soluções inovadoras de startups pelo poder público, permite o direcionamento de investimentos em P&D para fundos de investimento em startup,” lista Matos.
Ainda quanto à figura do investidor anjo, o texto assegura que esse ator não se tornará sócio da empresa e nem terá direitos de gestão sobre ela, além de reforçar que não poderá responder com seu patrimônio por eventuais dívidas trabalhistas, tributárias ou fruto de processos de fechamento ou recuperação judicial das startups.
“O Marco Legal amplia a segurança jurídica, incluindo vários instrumentos de investimento e garantindo a não caracterização do investidor como sócio, mas não trata de políticas de equiparação tributária e estímulo fiscal,” pondera a Anjos do Brasil, em posicionamento enviado ao LABS.
Segundo a organização, enquanto outros investimentos como em empresas listadas na bolsa com valor de até R$500 milhões, LCIs/LCAs, fundos imobiliários e debentures incentivadas, são isentos de IR, o investimento em startups é tributado como renda fixa, podendo chegar até 22,5%. Isso faz com que o investidor dê preferência a esses tipos de investimento, uma vez que eles têm risco menor e maior liquidez em relação a startups.
“Boa parte dos países desenvolvidos aplicam incentivos fiscais ao investimento, enquanto por aqui estamos brigando por questões anteriores, como a possibilidade de investidores anjos compensarem eventuais perdas na hora de apurar o imposto sobre ganho de capital ou mesmo por uma equiparação ao tratamento fiscal dado a outros investimentos, como em ações em bolsa de valores,” complementa Matos.
Para Cassio Spina, presidente da Anjos do Brasil, apesar dos recentes avanços no ecossistema de startups, o país ainda se encontra muito atrás no comparativo com economias mais desenvolvidas. “Se não tomarmos medidas rápidas e efetivas, perderemos uma grande oportunidade agora que a SELIC está em seu menor patamar histórico,” alerta.
O projeto de lei encaminhado ao Congresso abre também um novo precedente de captação para os fundos de investimento, uma vez que permite que recursos de incentivo a P&D geridos por agências governamentais sejam aplicados a fundos de venture capital.
Os programas estatais de incentivo a investimentos em pesquisa e desenvolvimento no país, que obrigam empresas concessionárias de serviços públicos, como as fornecedoras de energia, a investirem parte do seu faturamento em projetos na área, giram, anualmente, cerca de R$ 3 bilhões em investimentos – que agora poderão ser em parte direcionados a fundos de investimento em startups. Para Matos, esse é o principal avanço do projeto para as empresas de capital de risco.
“Além desse ponto, de forma mais indireta, a simplificação das sociedades anônimas facilitam alguns aspectos do investimento dos fundos, que muitas vezes só investem nesse tipo de sociedade,” complementa.
A simplificação das sociedades anônimas, como menciona Matos, é outro ponto abordado pelo projeto para permitir que, não apenas as startups, mas todas as S.A.s. que faturem menos de R$ 78 mihões anuais, possam realizar a publicação de documentos como convocações e balanços anuais de forma eletrônica – e não mais em jornais e periódicos de grande circulação – além de poder manter seus livros de escrituração de ações em formato eletrônico. A ideia é que, com essas atualizações, o processo de abertura e manutenção de empresas do gênero se torne mais simples e barato.
As compras públicas também foram contempladas pelo texto, que cria a possibilidade das “contrações experimentais de soluções inovadoras”, inclusive com flexibilização de regulamentações específicas, o chamado sandbox regulatório. No esquema atual, a lei de licitações do país impõem uma série de restrições, dificultando a aquisição de serviços inovadores das startups por parte do governo. Se aprovado, o projeto de lei possibilita contratações experimentais, testes de soluções com risco tecnológico, assim como permite que após testes bem-sucedidos de determinada solução, o poder público possa adquirir posteriormente a solução da startup, sem necessidade de licitação.
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O projeto prevê ainda adaptações à realidade financeira das startups, permitindo que o governo pague uma parcela antecipada pela entrega da solução à startup para viabilizar o teste, resolvendo uma situação de possível quebra de caixa das empresas.
“É um grande avanço para o ecossistema empreendedor, já que define melhor alguns pontos importantes para o setor e traz reconhecimento para o relacionamento entre startups e o governo,” pontua o diretor executivo da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), José Muritiba.

É um grande avanço para o ecossistema empreendedor, já que define melhor alguns pontos importantes para o setor e traz reconhecimento para o relacionamento entre startups e o governo
José Muritiba, diretor executivo da Associação Brasileira de Startups.
Segundo as fontes ouvidas pelo LABS, embora o projeto de lei apresente avanços significativos à regulamentação do setor, questões tributárias e trabalhistas, entre outros tópicos, não foram contempladas. Um exemplo é a possibilidade das empresas de sociedade anônima utilizarem o regime tributário do Simples.
“Também ficaram de fora questões relacionadas à formação e atração de talentos qualificados, um dos maiores gargalos do setor. Entendo que ainda precisaremos avançar em diversos pontos para alcançar um ambiente regulatório mais competitivo para o país,” argumenta o vice-presidente do Grupo Dínamo.
Além da equiparação tributária do investimento anjo ao tratamento fiscal dado a outros investimentos, questões trabalhistas como a validação dos contratos de opções de participação de ações – os chamados stock options – foi outro ponto que, embora com alta expectativa do ecossistema, ficou de fora. “Esse tipo de benefício comum nas startups pode acabar sendo reconhecido à luz da legislação atual como parte do salário do funcionário, sendo tributado como tal e trazendo outros riscos de interpretação do contrato de trabalho,” declarou o Grupo Dínamo em nota assinada em parceria com ABStartups e Anjos do Brasil.
Os chamados startup visas, vistos específicos para atração de talento estrangeiro em áreas tecnológicas, para atuar em startups no país, também era tópico aguardado pelo setor.
“Infelizmente nem todas as demandas dos empreendedores previstas no texto base foram contemplados, mas já vemos um avanço que traz reconhecimento e personalidade jurídica para o setor,” pontua Muritiba.
Apesar de ainda não ter sido disponibilizado, o PL do Marco Legal das Startups deve complementar o texto que já estava em tramitação, com autoria do deputado João Henrique Holanda Caldas (PSB-AL), conhecido como JHC. Além disso, ainda precisará ser votado e aprovado pelo Câmara e pelo Senado, antes de partir para sanção presidencial e entrar em vigor.
O número de startups cadastradas no país, segundo dados da ABStartups, cresceu mais de três vezes nos últimos 5 anos, passando de 4151 empresas em 2015, para 13310 neste ano.
Já em relação a volume de investimento, só em setembro foram investidos US$ 843 milhões em startups brasileiras, distribuídos em 37 rodadas — um aumento de 65% em relação ao ano passado, e 803% quando comparado a 2018. Os dados são da plataforma de inovação Distrito. No consolidado do ano, os investimentos nas empresas do setor chegaram a US$ 2.2 bilhões distribuídos em 322 aportes.
“Embora tenhamos tido um grande desenvolvimento do ecossistema de investimento e startups nos últimos anos, ainda estamos muito atrás quando comparamos o Brasil com outros países e com o potencial que temos,” defende a Anjos do Brasil.
Para o vice-presidente do Grupo Dínamo, ainda que o texto traga importantes avanços, denota que o Brasil segue atrás de outros países em relação ao ambiente regulatório e de negócios. “A complexidade tributária brasileira ainda é a maior do mundo – atingindo todo o tecido empresarial e não apenas as startups.”
No comparativo com outros países latino-americanos, Matos classifica o Chile como mais avançado quanto à questões regulatórias, fiscais e de abertura para investidores e exportações. “Argentina teve alguns avanços recentes na gestão Macri com a Ley de las Pymes, embora não tenha conseguido avançar em muitos pontos no congresso, em particular, pontos específicos para startups tecnológicas. Colômbia e México também tem algumas propostas na mesma linha,” elenca.