De alinhado aos Estados Unidos da América (EUA) a líder de um bloco emergente, o Brasil implementou políticas externas de diversas naturezas desde que voltou a ser uma democracia na década de 1980. Em grande medida, as diretrizes assumidas refletem o posicionamento de cada presidente brasileiro. Quais foram seus impactos dessa trajetória para o país? Em que medida essas transformações são reflexos das dinâmicas globais na economia e na política?
Confira a política externa dos últimos chefes de Estado brasileiros:

Collor foi o primeiro presidente brasileiro eleito pelo voto direto depois da redemocratização do país. Ele assumiu um Brasil em profunda estagnação econômica e refém da hiperinflação.
Com o enfraquecimento do bloco soviético, os EUA despontaram como única superpotência econômica. A globalização e o neoliberalismo vinham transformando o papel dos Estados em grande parte do mundo. No Brasil, o modelo de industrialização – baseado na produção industrial e na infraestrutura custeada pelo Estado – vivia seus últimos dias.
Collor acelera a implementação de um Estado neoliberal, focado na limitação de gastos públicos e na menor intervenção estatal no mercado. Essa diretriz está no Consenso de Washington, formulado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial para nortear as políticas econômicas de países subdesenvolvidos em crise, entre eles o Brasil.
A prioridade declarada do então presidente brasileiro Collor era realinhar o Brasil aos EUA, movimento que se deu basicamente pela adoção das medidas desses órgãos. Por conta disso, relações comerciais do Brasil com a África, a Ásia, o Oriente Médio e com os integrantes do antigo bloco soviético foram reduzidas.
Os resultados negativos dessa aproximação ilimitada foram a ausência de um plano de desenvolvimento nacional e a inclusão precária do Brasil em um cenário de globalização competitiva.
Aos poucos, essa postura ganhou novos contornos. O fortalecimento das relações comerciais com a Argentina e a criação do Mercado do Sul Comum (Mercosul) em 1991 são exemplos disso. O bloco foi criado com o objetivo de ajudar os países sul-americanos a serem mais competitivos no cenário global.
Essa diretriz se destacou mais no governo de Itamar Franco, que assumiu como presidente brasileiro depois de Collor renunciar ao cargo no final de 1992. Os planos de fortalecer a região para conquistar espaço no mercado mundial se mantiveram com o líder seguinte.

Presidente brasileiro de 1995 a 2002, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso (FHC) intensificou a liberalização da economia brasileira, mas com características particulares. O lema do governo FHC era transformar o Brasil em um global trader, ou seja, disponível para a negociação com mercados mainstream, mas fortalecido pelas conexões regionais.
A diretriz que marcou a política externa do então presidente brasileiro foi a de “autonomia pela integração”. O objetivo era construir a soberania do mercado brasileiro não pelo isolamento, mas pela incorporação do Brasil à dinâmica global. Tudo isso sem menosprezar o crescimento interno e regional. Como ele tentou fazer isso? Fortalecendo a América Latina e, ao mesmo tempo, ampliando o leque de vínculos comerciais e diplomáticos com outros países.
O Mercosul foi importante na política externa aplicada pelo então presidente brasileiro. A soma de forças entre os países latino-americanos impulsionou, por exemplo, a possibilidade de um tratado de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia (UE) e a busca por parcerias com a China e com a Índia.
Com relação aos EUA, o Plano Real – programa de estabilização econômica e controle da inflação implementado pelo então presidente brasileiro – agradou a Washington. FHC reforçou a relevância dos EUA para o mercado brasileiro sem isolar o Brasil do complexo tabuleiro da globalização mundial. Esse contrapeso se deu com a adesão do país à Organização Mundial do Comércio (OMC).
Por um lado, a “autonomia pela integração” inseriu o Brasil em importantes espaços e fortaleceu vínculos entre países latinos. Por outro, menosprezou o desenvolvimento interno, uma das frustrações recorrentes dos países que aderiram ao Consenso de Washington. Na última gestão de FHC, o país teve que recorrer ao FMI três vezes. Tal frustração ajudou a conduzir o país a uma grande reformulação de sua política externa nos anos seguintes.

Se FHC focou na “autonomia por integração”, Lula, presidente brasileiro de 2003 a 2010, priorizou a “autonomia pela diversificação”, com diretrizes econômicas e diplomáticas mais amplas e plurais. De modo geral, enquanto FHC defendia o alinhamento do Brasil às regras do sistema internacional, Lula sugeria uma transformação parcial dessas dinâmicas.
Para cumprir com a proposta, as diretrizes do então presidente brasileiro priorizaram a aproximação com países africanos e árabes, fortaleceram a relação entre os mercados latino-americanos e, principalmente, consolidaram o BRICs, bloco econômico formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China.
Essa reorientação só foi possível graças ao fortalecimento de novos pólos econômicos para além da Europa e dos EUA. E um dos êxitos de Lula foi construir uma cooperação entre países emergentes sem prejudicar diretamente a relação do Brasil com as superpotências mundiais.
Esse movimento resultou também na criação do G-20 comercial em 2003. Trata-se de um grupo de países em desenvolvimento exportadores de produtos agrícolas que conseguiu amplificar sua voz na OMC. A atuação de Lula no G-20 comercial foi decisiva para fortalecer setores nacionais estratégicos, como o agronegócio e a indústria.
Internamente, o crescimento econômico, aliado à valorização do salário mínimo, à expansão da classe média e às políticas voltadas para pessoas carentes, fortaleceram o mercado brasileiro. O otimismo criou autoridade e certo poder de barganha para o Brasil perante os organismos internacionais.
A ênfase da política externa de Lula à questão social, com a defesa do desenvolvimento por meio da inclusão social e a erradicação da fome, foi compreendida como uma forma de “ativismo” diplomático. Além disso, setores políticos acusam o então presidente brasileiro de ter feito uma gestão “ideológica” das relações comerciais. A atuação diplomática pouco crítica a governos controversos, como o da Venezuela, contribuiu para essa visão. Como veremos adiante, essa crítica foi central no processo de reformulação que a política externa brasileira viveria sob outras gestões.

Correligionária de Lula, a economista Dilma Rousseff presidiu o Brasil de 2011 a 2016, quando enfrentou um processo de impeachment e foi deposta do cargo. Longe de ter o carisma de seu antecessor, mas impulsionada pelos acertos da gestão anterior, Dilma deu continuidade à política exterior implementada por Lula. Algumas transformações internas e externas, no entanto, provocaram mudanças nas relações diplomáticas e comerciais do país.
De 2011 a 2014, o BRICs se fortaleceu com a inclusão da África do Sul e com a proposta de criação de um banco autônomo para o bloco. O Brasil teve protagonismo nesse processo. A manutenção das políticas e acordos voltados aos países latinos também revelam a continuidade das prioridades políticas de Lula.
A partir de 2015, no entanto, os efeitos da crise econômica global e as consequências das crises política e fiscal que atingiu o país levaram à reformulação da política externa brasileira. A deposição de Dilma Rousseff em 2016 por irregularidades administrativas levou ao poder o seu vice, Michel Temer. O novo presidente brasileiro encabeçaria, então, o enfraquecimento da cooperação entre países do Sul.
O Brasil passa a se reaproximar de parceiros econômicos considerados tradicionais, como os EUA. Tanto na retórica como na prática, Michel Temer queria recuperar acordos com foco no comércio, e não na “ideologia”. A recorrência da prática de concessões e privatizações em seu governo é um indício dessa nova diretriz. Além disso, as acusações de que as gestões teriam partidarizado a política externa ganham força.
A participação do Brasil na OMC também foi reduzida. A estratégia anterior era a de conquistar forças nesses espaços para conquistar independência e poder de barganha com super potências mundiais. Como a diretriz de Temer se voltou às alianças aos blocos hegemônicos, a atuação no fórum foi minimizada.
Resumidamente, a equipe de Temer priorizou acordos comerciais e denunciou a “ideologização” das parcerias antigas. Essa postura viria a impulsionar a proposta de política externa defendida por Jair Bolsonaro.

O atual presidente brasileiro deve se afastar ainda mais dos elos multilaterais entre os países do Sul e aprofundar a relação com as potências globais, principalmente os EUA. O tema da “ideologização” ganha ainda mais força com Bolsonaro, dada a gravidade do cenário político-econômico na Venezuela.
Tudo indica que o comércio brasileiro tenha os EUA como parceiros principais. Bolsonaro é um seguidor declarado de Donald Trump, primeiro chefe de Estado a parabenizá-lo pela eleição. Já Europa e Ásia tendem a ser deslocadas para posições menos centrais. Durante a campanha, as críticas do então candidato Bolsonaro à atuação da China em terras brasileiras irritou Pequim, um dos principais aliados comerciais do país. A posição do Brasil em meio à guerra comercial entre EUA e China depende diretamente dos ânimos da disputa entre as duas potências.
No âmbito da América Latina, governos de esquerda devem ficar de fora das prioridades e as relações com os direitistas Sebástian Piñera, do Chile, e Iván Duque, da Colômbia, tendem a ganhar força. De toda forma, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o Mercosul não será prioridade para o atual presidente brasileiro.
A relação do Brasil com as instituições multilateriais também deve passar por mudanças. O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, escolhido pelo atual presidente brasileiro, critica o que chama de “globalismo” das relações externas, indicando uma posição crítica – pelo menos na retórica – à globalização em termos mais amplos.
Em linhas gerais, espera-se que o combate a alianças consideradas “ideológicas” e a aproximação das diretrizes econômicas e políticas dos EUA sigam em alta nos primeiros meses do governo de Bolsonaro. Ainda não é possível, no entanto, traçar o futuro da política externa do Brasil com precisão.