“A nossa tese de investimentos carrega uma boa dose de rebeldia.” A frase de Fábio Kestenbaum pode muito bem resumir a que veio a Positive Ventures, gestora brasileira de venture capital focada em empreendimentos ESG. A sigla – em inglês Environmental, Social and Corporate Governance – diz respeito a um conjunto de critérios relacionados à governança ambiental e social que investidores passaram a observar antes de aportar capital em uma empresa. Mas, para além do ESG, a Positive Ventures tem uma tese de impacto: olhar para os maiores desafios ambientais e sociais da década e investir em companhias que usam a tecnologia para tentar resolvê-los em larga escala.
Fundada por Kestenbaum, Andrea Oliveira e Bruna Constantino, a Positive Ventures captou seu primeiro fundo, de R$ 55 milhões, em 2019. A tese de impacto da empresa convenceu nomes de peso a investirem no fundo, a exemplo de Candido Bracher, ex-CEO do Itaú, e sua esposa, a ambientalista Teresa Bracher, Luis Stuhlberger, CEO do Verde Asset, e Fabio Barbosa, conselheiro da Natura e Ambev.

Com o primeiro fundo, a Positive investiu em 12 startups com operações no Brasil, México, Peru, Chile, França e Estados Unidos. O portfólio da gestora reúne empresas de setores variados que compartilham da proposta de resolver algum problema de fundo social ou ambiental, como a Eureciclo, um marketplace para transação de créditos de reciclagem; a Labi Exames, um microhub para exames médicos acessíveis; e a Letrus, um game baseado em inteligência artificial para melhorar o letramento de estudantes. Também tem fintech focada em crédito estudantil, startup de social commerce e healthtechs, entre outras.
Como qualquer firma de VC, a Positive não investe apenas em boas intenções, mas busca, claro, boas oportunidades de retorno financeiro. Até aqui, a estratégia tem dado certo, com um retorno de cerca de 40% ao ano.
Somos circunscritos por impacto, mas agnósticos no que tange ao setor. Costumamos dizer que a qualidade dos nossos empreendedores e o crescimento acelerado das suas startups são o melhor argumento que temos para desconstruir o ceticismo que gira em torno do acrônimo ESG e impacto. Estamos convencidos que dissociar retorno econômico de justiça social e climática é uma falsa dicotomia.
Fábio Kestenbaum, cofundador da Positive Ventures
Agora, a Positive Ventures se prepara para captar o fundo número dois, cujo target é algo entre R$ 150 e R$ 200 milhões, e já tem metade do capital comprometido antecipadamente pelos atuais investidores. Com o segundo fundo, a Positive planeja investir em até 20 startups, em rodadas Seed e Série A, “que queiram um fundo ativista e com visão de longo prazo ao seu lado”, explicou Kestenbaum.
Kestenbaum conversou com o LABS sobre a tese de investimento da Positive Ventures, ESG, impacto e o que a empresa planeja para a próxima década de investimentos. Veja os principais trechos da entrevista:
Tese de investimento
“Investimentos esquentam ou resfriam o clima, perpetuam ou desafiam o status quo social. Investir é um ato essencialmente político. Cada real que alocamos diz muito sobre a nossa ética e visão de mundo. Com o uso da tecnologia não é diferente. Inteligência Artificial pode propagar fakenews ou otimizar a fila de um hospital. O meio é o mesmo, o impacto radicalmente diferente.”
O cerne da nossa tese de investimentos é investir em tecnologias emergentes que resolvam desafios reais e urgentes e que estejam na intersecção entre as forças disruptivas da tecnologia, o desenvolvimento econômico e o imperativo da ética perante as pessoas e o planeta. Temos uma preocupação grande com os efeitos das mudanças climáticas. Não se trata apenas de uma questão ambiental: as mudanças climáticas empobrecem e acentuam desigualdades.
Fábio Kestenbaum, cofundador da Positive Ventures.
ESG e Impacto
“É inconcebível pensar em uma empresa hoje sem incorporar preceitos como diversidade, governança, preocupação com emissão de carbono. Não importa o tamanho ou setor. Além disso, pensar, agir e ser vocal sobre ESG é também um diferencial competitivo visto a exigência das novas gerações, que invariavelmente serão os funcionários, consumidores e investidores dessas empresas. Não acredito que a sociedade e investidores serão tolerantes com empresas que desconsideram aspectos sociais, ambientais e de governança. O ESG deve ser incorporado desde a concepção e permear todas as fases do negócio mas, obviamente, posto em prática com disciplina, prudência e dentro de uma visão de longo prazo.
É importante também diferenciar ESG de impacto. Ser ESG é ter uma preocupação em servir os stakeholders, o que inclui pagar salários justos, promover diversidade, incluir os funcionários nas decisões, reduzir externalidades. Eu posso comprar um shampoo da Natura, que se preocupa com a forma como esse bem é produzido ou da empresa X, que paga mal seus funcionários, explora pequenas comunidades extrativistas, faz testes em animais. Eu compro o meu shampoo da Natura e eu quero mais “Naturas” no mundo.
Quando falamos em impacto estamos nos referindo a empresas que nascem ou adotam a intenção explícita de resolver um grave problema social ou ambiental. É o caso da Letrus, que ataca frontalmente o analfabetismo funcional ou Pachama, cuja missão declarada é restaurar a biodiversidade do planeta.”
Não é apenas como se faz, mas o que se faz. Não é reduzir dano ou mitigar risco, mas acelerar transições. Não há mérito ou demérito, ambas as estratégias precisam prosperar em larga escala. Entretanto, na minha opinião, o capital de risco, até por sua essência, deveria se preocupar mais em financiar transições – e maximizar impactos positivos – radicais.
Fábio Kestenbaum, cofundador da Positive Ventures.
Tecnologias emergentes
“Existem incontáveis oportunidades em setores carimbados como saúde e serviços financeiros, mas também em setores e tecnologias emergentes como logística reversa de resíduos, energia renovável, carbono, criptomoedas, Web3, NFTs, Defi. No próximo fundo uma das verticais de investimento será dedicada exclusivamente à temática de infraestrutura tecnológica e sistemas descentralizados orientados a maximização de impacto positivo.
Também estamos bastante animados com modelos para democratizar ownership. É o caso do nosso investimento em Good Money, banco digital que além de não investir em combustíveis fósseis, armas, prisões privadas, etc., transforma correntistas em shareholders na medida em que usam e recomendam o banco. Foi a primeira vez que a SEC autorizou esse tipo de estrutura nos EUA.”
O que a Positive Ventures busca em uma startup
“Os fundos de venture capital buscam a intersecção entre times excepcionais atacando problemas reais em mercados grandes com negócios baseados em modelos escaláveis. Preferencialmente defensáveis e com diferenciais competitivos evidentes e lastreados em tecnologia ou propriedade intelectual.
Dito isso, no nosso caso, além desses atributos, o fundador precisa explicitar a causa e demonstrar sua capacidade de incorporá-la na essência do que está se propondo a fazer.
Como conselho, o que eu digo para um fundador que está dando seus primeiros passos é “perca” tempo explorando a intersecção acima e o motivo pelo qual terá sucesso na construção de um negócio que aspira ser grande – e no caso da Positive, grande e decisivo para os desafios da década.”
“Always available, never annoying”
“Como fundo, somos adeptos da regra “always available, never annoying”. Um diferencial imbatível que oferecemos é a disposição dos nossos investidores, que também “compram as causas” e alocam um tempo desproporcional ajudando nossos fundadores. Somos convocados para conselhos e nos dedicamos bastante para fazer diferença, inclusive exercendo nosso direito de voto. E, claro, ajudamos nossas investidas a atrair mais capital, afinal somos um fundo movido por impacto que opera em uma das regiões mais desiguais do planeta, isso nos coloca no holofote de investidores globais com interesse nessa temática.
Também tem o valor científico e reputacional. Somos uma B certified corporation e oferecemos um “fast-track” para ajudar nossas investidas na certificação – atualmente 60% do nosso portfólio é ou está no processo para se tornar Bcorp. E recentemente celebramos uma parceria importante com o J-Pal, labortário do MIT coordenado pela Esther Duflo, Nobel de Economia, que irá elaborar estudos sobre o impacto das nossas investidas, assim como fez com Letrus.”
O que esperar do ecossistema de inovação da América Latina
“Durante anos, faltava liquidez, simplesmente não havia dinheiro no mercado. O cenário mudou com a queda da taxa de juros, inflação sob controle e chegada de fundos multibilionários como Softbank. O dinheiro inundou o mercado. Agora estamos em um momento de inflexão, de pressão inflacionária e juros altos. Contudo, sou otimista.
Penso que ganhamos maturidade e seremos capazes de realizar transações que combinam uma dose de ousadia com números e projeções mais lógicas e exequíveis. Já estou vendo rodadas saindo a preços mais justos, o que é bom pra todo mundo. O meu otimismo também nasce da certeza de que estamos apenas no começo da revolução tecnológica na América Latina. Enquanto a indústria de venture capital representa 0.71% do PIB do Estados Unidos, na América Latina esse percentual não passa dos 0.08%. Isso significa que muitas ineficiências que penalizam os países latino-americanos serão desafiadas por tecnologia nos próximos anos, por isso acredito que a próxima safra de venture capital será ainda mais impressionante.
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Na minha opinião, o maior risco que corremos não é liquidez ou distorções de preço, mas ausência de profissionais para desenvolver e operar tecnologia. Soma-se a isso nossa incapacidade de, em um mundo globalizado e de trabalho remoto, competir por talentos com outros países. Precisamos encarar isso urgentemente, caso contrário, estaremos sempre no retrovisor de países como Estados Unidos, Israel, China.”
Desafios
“Precisamos melhorar o ambiente regulatório para que os empreendedores tenham o direito de errar e meios de se reerguer, construir infraestrutura educacional e dar incentivos para a formação massiva de profissionais aptos a desenvolver e operar tecnologia. O apoio à academia e pesquisa, praticamente extinto durante esse governo, também precisa renascer, assim como a simplificação e racionalidade do ambiente tributário.”
Em um plano mais filosófico, eu diria que também seria importante empreendedores e gestores de fundos dialogarem mais com nossa cultura e problemas. Sou totalmente favorável à inspiração no pragmatismo e capacidade de inovação e execução de países como Estados Unidos e Israel, mas gostaria de ver mais coragem, ousadia e brasilidade nas teses e modelos que chegam até nós.
Fábio Kestenbaum, cofundador da Positive Ventures.