Representação de criptomoedas. September 28, 2021. Foto: Jakub Porzycki/NurPhoto/Shutterstock (12496465a)
O crescimento vertiginoso em valor de mercado do bitcoin, a partir de 2017, e uma profusão de novos negócios baseados na tecnologia blockchain, incluindo aí os ilícitos, chamaram a atenção dos poucos brasileiros ainda com dinheiro para investir. Agora, na esteira do “boom” dos criptoativos — e dos golpes envolvendo esse tipo de bem digital —, o Congresso brasileiro corre para regular o setor.
Na definição da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), criptoativos são ativos virtuais protegidos por criptografia, presentes exclusivamente em registros digitais, cujas operações são executadas e armazenadas em rede de computadores. Bitcoin e NFTs se enquadram no conceito e são, talvez, os tipos mais populares no momento.
Há dois projetos de lei (e seus apensados) em discussão: um do deputado federal Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), o PL 2060/19, e outro do senador Flávio Arns (Podemos-PR). No final de fevereiro, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado acolheu o substitutivo do senador Irajá (PSD-TO) a três matérias apresentadas pelos colegas Arns, Soraya Thronicke (PSL-MS) e Styvenson Valentim (Podemos-RN). Se não houver recurso para a votação no plenário, a matéria irá direto à Câmara dos Deputados.
Os números dos criptoativos no Brasil são, de fato, superlativos: em 2021, foram R$ 200,7 bilhões movimentados, segundo a Receita Federal, mais do que o dobro do ano anterior (R$ 91,4 bilhões).
Estudo da TripleA em parceria com a Binance, uma das maiores corretoras de criptomoedas, revelou que cerca de 10 milhões de brasileiros já investem nessa categoria de criptoativos — mais do que o dobro da base de pessoas físicas com contas na B3, a bolsa de valores brasileira.
A popularidade, puxada pela alta valorização de criptomoedas e NFTs nos últimos anos, uma cobertura pouco crítica da imprensa especializada e o boca a boca, aumentou também a quantidade e a preocupação com golpes e usos indevidos envolvendo criptoativos, como o do ex-garçom e ex-pastor Glaidson Acácio dos Santos, o “faraó dos bitcoins”, que chegou a movimentar R$ 38 bilhões antes de ser preso em agosto de 2021 pela Polícia Federal.
“O projeto de lei (PL) traz diversos mecanismos legais robustos para prevenir e combater o uso fraudulento dos criptoativos”, explicou o senador Flávio Arns em entrevista ao LABS.
O texto do Senado sujeita empresários e empresas que negociam tais ativos às leis de lavagem de dinheiro, de crimes contra o sistema financeiro e de defesa do consumidor, e a identificarem e reportarem operações suspeitas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Também estabelece que as empresas do setor (principalmente as exchanges, ou corretoras) sejam consideradas instituições financeiras e passem por algumas adequações.
“O Brasil tem um dos sistemas financeiros mais seguros e regulados do mundo e é muito comum que os órgãos reguladores acompanhem o desempenho e a evolução de novos produtos ou modelos antes de evoluir para a regulamentação”, explica José Luiz Rodrigues, advogado e sócio do escritório JL Rodrigues & Consultores Associados.
As novas leis que tramitam no Congresso, explica Rodrigues, têm como objetivo garantir segurança a todos os envolvidos: “Tendo uma regulação, o investidor conseguirá entender se aquela operação com cripto é legal ou não, ou seja, se ela segue os requisitos necessários de segurança definidos pelos reguladores e as instituições que operam criptoativos passarão a estar sujeitas a sansões, o que acaba por ajudar a inibir práticas indevidas.”
As regras propostas pelo Congresso se somarão e estenderão as já em vigor. O advogado cita, como exemplo, a Instrução Normativa 1.888/2019, da Receita Federal, que instituiu a obrigatoriedade de declarar criptoativos no Imposto de Renda. Em 2021, o escopo da obrigação foi ampliado para abarcar NFTs e outros criptoativos diferentes de criptomoedas.
Em um primeiro momento, porém, a nova lei, se e quando aprovada, não mudará muita coisa na vida do investidor e das empresas que já atuam no Brasil porque, “de modo geral, tais empresas já adotam diretrizes de governança, conformidade e transparência propostas no projeto”, explica o senador Arns.
A mudança virá num segundo momento, com a regulamentação pelo Executivo. Será quando, prossegue Arns, definições como o procedimento de autorização de novas empresas no segmento e os requisitos a serem adotados para a continuidade das operações das já existentes serão definidos com maior grau de detalhamento. Às empresas em funcionamento, o PL prevê uma carência de no mínimo seis meses para realizarem as adequações.
Quanto à fiscalização, de acordo com o PL do Senado, ela recai sobre entidades como o Banco Central, Receita Federal e a CVM. Arns disse que em reuniões e audiências públicas tais entidades garantiram terem capacidade operacional para mais essa demanda e que estão preparadas para desempenhá-la.
A regulamentação, lembra Arns, terá de atentar a cenários atípicos, mas possíveis, como as negociações fora das exchanges e realizadas por exchanges sem representação no Brasil — ambos os casos não são abordados diretamente pelo projeto de lei, que se ocupa das “questões mais gerais e amplas”, segundo o senador.
Pelo PL, prossegue, “o Executivo poderá criar um procedimento simplificado de licenciamento de operações com criptoativos, o que poderá se aplicar a investidores fora do sistema de corretagem, e, além disso, remete ao regulamento a competência para dispor sobre as hipóteses em que as atividades ou operações sobre ativos virtuais serão incluídas no mercado de câmbio ou em que deverão se submeter à regulamentação de capitais brasileiros no exterior e capitais estrangeiros no país”.
Rodrigues lembra, ainda, de uma modalidade de golpe que se aproveita apenas da fama das criptomoedas para ser aplicado. “As criptomoedas vêm se popularizando como ativos com uma rentabilidade infinita, o que não é uma verdade e as pessoas caem em arapucas porque acreditam que o seu dinheiro pode render extraordinariamente”, explica.
O remédio trazido pela regulação, nesse caso, é indireto. Com ela, o investidor terá mais garantias e parâmetros para verificar a idoneidade das instituições oferecendo oportunidades de investimento em criptoativos.
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Apesar dos altos volumes negociados na forma de criptoativos e do grande número de interessados nesse tipo de negócio no Brasil, o tema não é unanimidade no mundo. Mais de 50 países, incluindo a China, baniram criptoativos de suas economias. Por que o Brasil opta pela regulação?
Arns entende a matéria como inevitável: “O Estado almejar proibir o uso de ativos virtuais é algo impraticável, pois a tecnologia de registro descentralizado e o uso de criptoativos pelo mundo são fenômenos inexoráveis, que só tendem a crescer e se desenvolver.”
Nesse contexto, seu papel seria “adaptar-se à realidade e ajudá-la a se desenvolver da forma mais eficiente e produtiva”, em especial por se tratar de “uma alternativa interessante ao sistema financeiro e monetário convencional”.
O advogado José Luiz Rodrigues cita diferenças político-econômicas para explicar o direcionamento de cada país no dilema entre regular ou banir: “O banimento da China envolve uma questão de cerceamento de concorrência, próprio do regime político daquele país, ao yuan digital. O que pauta a agenda dos reguladores do Brasil é o mercado. Diante da evolução desse mercado e do volume intenso de transações, a solução é regular.”
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