Mauro Levi D’Ancona, Alex Körner, e Franco Lamping, sócios da startup. Foto: Higor Blanco/ 180° Seguros/ Divulgação
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Compartilhamento de dados e competição: startups do setor de seguros são as próximas a aproveitar as mudanças trazidas pelo open finance

O LABS conversou com a Creditas, 180 Seguros e Susep sobre como o Open Banking abre portas para o Open Insurance

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Quando o Banco Central começou a estudar uma agenda de competição e inovação, começando pela abertura do mercado de adquirência no Brasil e a implantação do modelo de quatro partes, se abriu uma série de possibilidades para o desenvolvimento do setor de fintechs no país. Mauro Levi D’Ancona viveu esse momento de um ambiente regulatório propício para novos entrantes também com a criação de Sociedades de Crédito Direto e a lei de instituições de pagamento, que é onde figura o Nubank, o gigante dos bancos digitais em que ele começou a trabalhar em 2016. 

Mas enquanto o ambiente de fintech do Brasil se desenvolveu e foi regulamentado rapidamente, o mercado de seguros ficou para trás. Regulado pela Susep (Superintendência de Seguros Privados), que não tinha uma agenda tão progressiva como o Banco Central, o setor seguiu concentrado nos grandes incumbentes até três anos atrás. 

“Historicamente, a Susep é mais politizada do que o Banco Central, só que em determinado momento foi muito nítido ver como o mercado de seguros ficou para trás”, conta D’Ancona, hoje CEO e cofundador da insurtech 180 Seguros.  

Mauro Levi D’Ancona, CEO e co-fundador da 180 Seguros. Foto: Higor Blanco/Divulgação 180 Seguros

“Quando olhamos o insurance protection gap, que é o quanto um país deveria ter de seguros em relação ao seu nível de desenvolvimento, se cobrirmos esse déficit de penetração de seguros no Brasil, dobraremos o mercado”, afirma o empreendedor.

O movimento de insurtechs (as startups do mercado de seguros, segundo o jargão do setor) no país começou há cerca de 10 anos, quando a Minuto Seguros e outras 15 empresas do mercado foram criadas. 

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“Somos da primeira safra de insurtechs que surgiram no mercado, das quais pouquíssimas sobreviveram”, conta Marcelo Blay, cofundador da startup que foi recentemente adquirida pela unicórnio Creditas

Hoje, como VP de Seguros da fintech, Blay afirma que o surgimento de uma “nova onda de insurtechs” é uma replicação no Brasil do que já acontece em um cenário global. 

“Os investidores – que têm como foco as fintechs – decidiram buscar outros nichos menos congestionados de empresas do setor financeiro e acharam o mercado segurador. Este mercado, até então por estar fora dos holofotes, traz grandes oportunidades”, pondera.

Open insurance 

O Open Banking do Banco Central impulsionou o Open Insurance, que afeta diretamente o setor de seguros, segundo Blay. Mas, enquanto o Open Banking pretende democratizar o acesso às informações dos clientes e aumentar a concorrência no setor bancário, o mercado de seguros é muito menos concentrado, com pouco mais de 100 empresas atuantes, enquanto grande parcela do mercado bancário está concentrada em cinco grandes bancos. 

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“Um cliente de seguros pode ter sua apólice de automóvel em uma seguradora, a de vida em outra, a de residência numa terceira e a de saúde numa quarta. Em geral, um cliente de banco concentra seus produtos como conta corrente, poupança e investimentos numa única instituição. No caso do setor de seguros, o corretor desempenha o papel de disponibilizar as informações do cliente no mercado para obter diversas cotações e poder selecionar as opções que melhor atendem suas necessidades de custo/benefício – com o devido suporte de um especialista”, disse Blay. 

Marcelo Blay, VP de Seguros da Creditas. Foto: Divulgação/Creditas

O chamado “Open Insurance” é um ambiente com regras e procedimentos que possibilitam o compartilhamento padronizado de dados e serviços por meio de abertura e integração de sistemas, segundo a Susep. 

“Com a possibilidade de os consumidores compartilharem seus dados de forma ágil, eficiente e segura, as empresas participantes do setor poderão desenvolver produtos cada vez mais inovadores e customizados para atender as necessidades específicas de cada perfil de cliente”, disse a autoridade reguladora. 

A Susep espera que o mercado de seguros como um todo seja beneficiado pela potencial ampliação do alcance dos serviços securitários e promoção da cidadania financeira viabilizada por esse novo ecossistema. 

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Na prática, o Open Insurance operacionaliza e padroniza o compartilhamento desses dados e serviços por meio de abertura e integração de sistemas. A ideia é que o Open Insurance tenha interoperabilidade com o Open Banking, formando um ecossistema mais amplo, chamado de Open Finance. 

Segundo a Susep, o cronograma de implementação do Open Insurance foi definido buscando alinhamento com prazos definidos do Open Banking. “Com o Open Finance, todos os benefícios proporcionados pelo Open Insurance serão potencializados em um ecossistema mais amplo e integrado”, disse o órgão. 

O sandbox e o Open Insurance são duas iniciativas da Susep que buscam fomentar a inovação no mercado de seguros. Segundo a entidade, embora eles não guardem relação direta entre si, por conta do recente lançamento da segunda edição do sandbox Regulatório, a Susep estabeleceu que os projetos inovadores que previssem adesão ao Open Insurance garantiriam pontuação em um dos critérios de avaliação pela comissão julgadora. Isso fomentou a participação de insurtechs no ecossistema de dados abertos.   

Segundo a Susep, o crescimento do número de insurtechs tem potencial para oferecer aos consumidores de seguros padrões de soluções e a flexibilidade necessária à inovação. 

“A aplicação de tecnologia no mercado de seguros é essencial para a ampliação da cobertura securitária em nosso país e para que os consumidores tenham acesso a produtos e serviços cada vez mais customizados e eficientes. Esse movimento já vem ocorrendo no mercado de seguros e o segundo edital de sandbox publicado pela Susep é um exemplo disso”, disse a autoridade. 

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Nesta segunda edição do sandbox foram recebidas 25 propostas de projetos inovadores para o mercado de seguros.

Dados da plataforma de inovação Distrito mostram que as insurtechs brasileiras receberam US$ 49 milhões em investimentos até julho desse ano. No ano passado, o montante levantado pelo setor foi US$ 92 milhões – três vezes superior ao volume de 2019. Em tamanho de mercado, houve um salto igual em cinco anos, saindo de 37 insurtechs em 2015 para 109 em 2020. 

Mas então por que o mercado brasileiro ainda não tem uma alta penetração de seguros quando se compara o prêmio dividido pelo PIB do País? 

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“Acho que tem o aspecto cultural, pelo fato de o brasileiro ser um povo otimista, já que aqui não tem [tantas] catástrofes [naturais], e o outro aspecto é o regulatório. Era muito difícil ser uma seguradora no Brasil“, disse D’Ancona

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Se por um lado o setor extremamente regulado e fechado de seguros não abria espaço para empresas que quebraram ou que deram calote, foi difícil ter novos entrantes e lançar novos produtos no país, segundo D’Ancona. 

Desde 2019, quando a Susep criou um novo marco regulatório e estabeleceu regras para o primeiro sandbox de seguros, isso mudou. “Este movimento despertou grande interesse de startups que até então tinham dificuldade de fazer frente ao capital regulatório mínimo exigido para começar a operação de uma seguradora e agora, com o sandbox, podem começar a operar com menos exigências”, lembrou Blay.

É o caso da Pier, que foi a primeira no país autorizada a operar no regime regulatório simplificado da Susep, e recentemente recebeu um aporte de US$ 20 milhões. “Acho que [essa abertura] é um caminho sem volta”, acrescentou D’Ancona. 

Por que as empresas querem oferecer seguros agora?

Assim como os bancos digitais levaram os grandes bancos a inovar, as seguradoras incumbentes atuais estão se movimentando em direção à inovação. “Só que eles são mais lentos por questões organizacionais, e aí que a gente vê a grande oportunidade para empresas como a 180”, disse D’Ancona. 

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A 180, diferentemente de boa parte das empresas do sandbox da Susep, opera em um modelo B2B. Então, ao invés de oferecer seguro residencial diretamente para o consumidor (no Brasil a penetração deste tipo de seguro é em torno de 12%), a 180 oferece o seguro para quem compra o imóvel pela proptech Loft, um de seus clientes. 

Isso porque a 180 acredita que é “estrategicamente caro” vender seguros diretamente para o cliente, já que o custo de aquisição do consumidor é elevado e se trata de um produto de pouca interação com o cliente. 

“No Nubank, as pessoas usavam o cartão em média 12 vezes por mês. Já as maquininhas da Stone, por exemplo, o lojista usa todo dia. O seguro, depois que é contratado, não interage muito com o cliente”, afirmou o executivo da 180.

Assim, a Loft, por exemplo, agrega valor ao seu cliente com a parceria com a 180. Esse movimento de empresas que não têm seguros como negócio principal oferecendo o produto como um agregador tem crescido no país. A Creditas trabalha com produtos financeiros e soluções em três ecossistemas: veículo, imóvel e salário, e agora oferece produtos de seguros para fortalecer a vertical de veículos com a aquisição da Minuto. 

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“O mercado de seguros de automóveis é sub-penetrado no Brasil. Apenas um terço da frota circulante possui seguro de carro e algo em torno de 10% das pessoas possui um seguro de casa ou de vida”, lembrou Blay. 

Segundo ele, se mais pessoas passarem a contratar seguros no Brasil, o custo seria reduzido para todos, “dado que o risco será pulverizado entre mais pessoas”. 

Mas, quando se olha para os seguros de carro, as novas insurtechs ainda estão atrás de seguradoras tradicionais em termos de produto. Muitas oferecem apenas cobertura para furto e roubo, por exemplo. “No Nubank, por muitos anos só tivemos um produto, que é o cartão de crédito. O David Vélez [CEO e cofundador do Nubank] falava que iria começar com cartão de crédito, que é onde estava a maior dor, criar uma marca muito boa, e a partir daí começar a lançar outros produtos. Acho que as insurtechs estão fazendo uma coisa parecida, com a ideia de fazer um produto muito bom e depois começar a expandir a oferta e bater de frente com as maiores seguradoras”, opinou D’Ancona. 

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