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Sem ajuda dos governos, companhias aéreas da América Latina vão demorar mais tempo para se recuperar

Três das principais empresas da região entraram com pedido de recuperação judicial e outras estão prestes a fechar as portas devido à crise causada pela pandemia da COVID-19

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A expansão das companhias aéreas low cost e o otimismo com o crescimento da aviação na América Latina foram varridos junto com a pandemia da COVID-19. Em poucos meses, o mercado do transporte aéreo na região beirou a atividade zero e, apesar de alguns sinais de retomada, deve se reconfigurar com menos companhias aéreas e voltar ao mesmo nível de movimentação de passageiros pré-crise somente em 2025, segundo projeções da consultoria ICF.

Algumas empresas já fecharam as portas, como a TAME no Equador, e outras balançam. Como medida de sobrevivência e garantia de continuidade das operações, três das maiores companhias da região — Aeromexico, Avianca e Latam — entraram com pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos. A estimativa da Associação Internacional do Transporte Aéreo (Iata, na sigla em inglês) é de queda de US$ 18 bilhões nas receitas com passageiros em 2020 em virtude da pandemia.

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“Algumas companhias já desapareceram, mas por serem pequenas, não vemos. Outras seguramente nos próximos dois anos vão desaparecer. E isso vai aumentar a concentração de mercado”, alerta o líder de aviação e turismo da KPMG para a América Latina, Eliseo Llamazares

Há também um impacto importante na concentração pela redução de oferta. Com poucas companhias aéreas, temos menos conectividade e menos capacidade.

Eliseo Llamazares, líder de aviação e turismo da KPMG para a América Latina.

Um dos aspectos que tornaram as companhias aéreas da região mais vulneráveis foi a falta de ajuda financeira dos governos. A Iata aponta que a América Latina foi o continente que menos recebeu suporte governamental. Ao menos 13 dos 20 maiores grupos aéreos do mundo receberam ajuda direta dos governos, irrigando os caixas de empresas como a alemã Lufthansa, a francesa Air France, a holandesa KLM, a portuguesa TAP e a britânica Easyjet. A essas e outras companhias foram destinados ao menos US$ 123 bilhões.

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“Não recebemos suporte financeiro para acelerar a recuperação e por isso vamos ter que encontrar outra saída”, afirma o CEO da Associação Latinoamericana e do Caribe de Transporte Aéreo (Alta), José Ricardo Botelho. A declaração foi dada durante videoconferência do World Travel & Tourism Council.

Fonte: IATA

Expectativa no Brasil

A ajuda direta do governo ainda é uma esperança para as companhias aéreas brasileiras. Azul, Gol e Latam negociam desde o início da crise com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) um empréstimo para aliviar o caixa. De acordo com informação fornecida durante anúncio do resultado financeiro do banco relativo ao segundo trimestre deste ano, o diretor de Privatização da instituição, Leonardo Mendes Cabral, confirmou que cada empresa deve receber uma ajuda de R$ 2 bilhões, sendo que o BNDES vai entrar com R$ 3,6 bilhões e o restante deve sair de parceiros privados.

“O empréstimo que as empresas pediram junto ao BNDES segue em debate. Nós temos a expectativa que isso se resolva em breve, mas até o momento ainda não está equacionado. Nenhuma empresa aérea recebeu algum tipo de empréstimo até agora”, confirma o presidente da Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear), Eduardo Sanovicz.

Além do empréstimo, o setor negociou com o governo outras duas questões econômicas. A primeira é o fim da tributação sobre o leasing de motores de aviões, que passou a ser cobrada neste ano. A outra é a liberação limitada do fundo de garantia de funcionários das companhias aéreas. Ambas as demandas foram atendidas pelo Congresso Nacional, mas foram vetadas pelo presidente Jair Bolsonaro.

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De efetivo até agora, houve a redução de tarifas de navegação, a revisão de regras de malha aérea e de regulação. Além disso, a Lei nº 14.034, sancionada em 5 de agosto, apresentou alguns avanços: fim do adicional de tarifa de embarque internacional no valor de US$ 18 e a não obrigatoriedade das companhias aéreas de responderem por dano material ou moral no atraso ou cancelamento de voos por “motivo de caso fortuito ou força maior”. Segundo a Abear, as empresas perdiam cerca de R$ 300 milhões por ano com a judicialização desses casos.

Fonte: ICF

“No tema da judicialização, a regra brasileira ficou mais perto da internacional e restringiu o campo da atuação daqueles que são conhecidos como “sites abutre”, que pescam no pântano judiciário. E eles acabavam onerando o conjunto de sistema”, celebra Sanovicz.

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“Vivemos a pior crise da história da aviação e, por isso, o apoio governamental é de fundamental importância para manter o valor da aviação a toda sociedade”, diz o diretor-geral da Iata no Brasil, Dany Oliveira. “É por isso que continuamos a reforçar que as medidas de apoio devem ir além da situação inicial de emergência. A redução de custos, em qualquer forma, é crítica para a recuperação. Sem apoio sairemos da crise de uma forma mais lenta e dolorosa”, completa.

Enquanto a agenda econômica com o governo não sai, as companhias têm se ajustado para seguirem vivas. Além da devolução de aeronaves e ajustes na carga horária e no quadro de colaboradores, elas têm ofertado tarifas mais baixas para tentar atrair os passageiros mais rapidamente.

A crise, inclusive, incentivou o inesperado acordo de codeshare entre Azul e Latam, anunciado em junho. Nele, as duas empresas vão ampliar a oferta para os passageiros de 64 rotas em que não são concorrentes no momento. O acordo fez com que o banco de investimentos Bradesco BBI apontasse para uma possível fusão, com a Azul adquirindo a Latam. Esse movimento, porém, é visto como pouco provável por especialistas do setor.

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“Ainda que sejam competidores, faz sentido o acordo de codeshare, mesmo que temporariamente. Mas o fato de haver um acordo de codeshare não significa que haja alguma negociação em andamento”, analisa o head de aviação da Machado & Meyer, Fabio Falkenburger.

Sinceramente, não acredito que haja espaço para uma grande transação entre companhias aéreas. Para acontecer isso, teria de haver liquidez. Sem contar que para adquirir a Latam, precisaria passar pela corte de Nova York, o que é muito complexo.

Eliseo Llamazares, líder de aviação e turismo da KPMG para a América Latina.

Além disso, uma fusão como essa precisaria passar pelos órgãos de regulação, como a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que avaliariam uma eventual concentração econômica relevante. “Não acho que uma fusão seja a melhor saída para o mercado. Ele deixaria de ter competição e haveria menos opções para os passageiros”, opina Falkenburger.

Incertezas na Argentina

Os voos domésticos na Argentina foram interrompidos pelo governo em março e até agora não há uma data para o retorno. Com tantos meses parados, a primeira vítima foi a subsidiária da Latam no país, que fechou as portas. A Flybondi, a primeira low cost a operar no país, afirma estar no limite, tanto que só conta com apenas um avião para uma possível retomada. A JetSMART, outra low cost, também conta os dias para que as aeronaves voltem a decolar.

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Os sindicatos de trabalhadores das duas companhias divulgaram uma nota no fim de agosto em tom de desespero para tentar convencer o governo a permitir o retorno dos voos. “Os trabalhadores e as trabalhadoras da Flybondi e JetSMART necessitam de clareza sobre as recentes falas do ministro do Transporte que, em suas últimas declarações, mencionou que os voos poderiam voltar em 60 dias, em 120 dias ou, inclusive, em 180 dias. Esses prazos significariam o desaparecimento da indústria aérea.”

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