Imagem: Fortnite/Epic Games
Negócios

Smartphones e jogos em nuvem estão no centro da revolução do acesso aos games na América Latina

Dados do estudo Beyond Borders, do EBANX, revelam que a experiência móvel tem conquistado os jogadores latino-americanos; a indústria gera uma receita de US$ 7 bilhões na região

Read in englishLeer en español

Os jogos estão alcançando um nível totalmente novo na América Latina. Graças a duas grandes transformações, o público apaixonado na América Latina pode experimentar o mercado de jogos como nunca antes: o crescimento dos jogos para dispositivos móveis e a chegada dos jogos em nuvem (cloud gaming).

São as duas faces da mesma moeda, impulsionados pela significativa penetração da telefonia móvel e pelo desenvolvimento da conectividade em toda a região. Esse cenário levou a América Latina a ter mais jogadores em dispositivos móveis do o mercado dos Estados Unidos, conforme dados da empresa Newzoo. Agora, a região começa a receber serviços de jogos baseados em nuvem, que têm o potencial de quebrar barreiras para os jogadores latino-americanos, que poderão acessar jogos de alta qualidade por meio de qualquer dispositivo.

LEIA TAMBÉM: O mercado de jogos em expansão da América Latina se torna novo alvo das grandes empresas de games

De acordo com Newzoo, a indústria de jogos está crescendo a um ritmo de dois dígitos e gera uma receita de US$ 7 bilhões na América Latina. Os dados fazem parte do relatório Beyond Borders, um estudo sobre como os pagamentos digitais e o comércio eletrônico estão ganhando força na América Latina. O material é publicado anualmente pelo EBANX, que também é dono do LABS.

“Tanto os jogos para dispositivos móveis quanto em nuvem têm um ponto de intersecção quando se trata de mobilidade e acessibilidade. Destinam-se a públicos diferentes, oferecem jogos diferentes, mas convergem em muitas coisas”, afirma Roberto Tadeu Rodrigues, Gerente Global de Serviços Digitais da Telefónica e líder das parcerias estratégicas da empresa com a indústria de games, em entrevista para a pesquisa Beyond Borders.

Além disso, os jogos mobile e baseados em nuvem têm um potencial de longo prazo que pode ser inovador na América Latina. Especialmente quando os jogadores não precisavam de um console ou de um excelente PC para jogar.

A explosão dos jogos mobile

Mais da metade da população online latino-americana — ou mais de 273 milhões de pessoas em toda a região — joga algum título para celular, de acordo com um estudo da Newzoo, empresa de análises de jogos e esportes eletrônicos. Isso significa mais de 40% de toda a população da região e mais do que todo o público de jogadores nos Estados Unidos (212 milhões). Se os jogos para celular são um fenômeno global, podemos dizer que a tendência é ainda mais forte na América Latina.

“A experiência móvel levou os jogos online a outro nível de acesso na América Latina”, diz Julio Vieitez, chefe de distribuição da Garena na América Latina, em entrevista publicada no estudo do EBANX. “Dá para ver as pessoas no celular, brincando no ônibus, no metrô. Os jogos entraram em um segmento socioeconômico totalmente novo na América Latina. Nesse sentido, todos agora são jogadores em potencial.”

A Garena, o braço de jogos da gigante asiática Sea Limited, foi uma das primeiras a explorar o mercado de games mobile na América Latina. A empresa é dona do Free Fire, um battle royale que foi o mais baixado globalmente em 2020 — o título é especialmente popular na América Latina.

A experiência móvel levou os jogos online a outro nível de acesso na América Latina. Todo mundo agora é um jogador em potencial

Julio Vieitez, chefe de distribuição da Garena na América Latina


A empresa percebeu a forte demanda por jogos battle royale na América Latina, onde os jogadores são especialmente competitivos. Mas, ao mesmo tempo, não havia títulos disponíveis com qualidade razoável para serem jogador a partir de um smartphone comum. Free Fire foi lançado com boa qualidade, mas é facilmente baixado em qualquer smartphone.

Devido ao tamanho do mercado de jogos na região, os desenvolvedores estão mais conscientes de que é preciso garantir uma experiência personalizada e localizada para o jogador latino-americano — seja em acessibilidade, idioma local, pagamentos ou elementos de jogos.

LEIA TAMBÉM: Mercado Livre, Amazon, Shopee: Beyond Borders aponta os principais e-commerces da América Latina

Muitas empresas estão fazendo parceria com artistas locais para lançar músicas e até personagens inspirados em temas locais. Avakin Life, um jogo global voltado para adolescentes, tem um “vira-lata caramelo” em seu mapa brasileiro, como homenagem ao popular cachorro de rua do país.

Os games mobile também vêm gerando receitas significativas na América Latina, os números devem chegar a US$ 3,5 bilhões até o final de 2021, conforme a Newzoo. Embora a maioria dos jogos seja gratuita para download, vários oferecem uma experiência “freemium”, permitindo aos usuários comprar recursos extras, passes e vidas por meio de seus smartphones.

Tá vendo aquela nuvem?

Para alguns entusiastas, a revolução causada pelos smartphones está prestes a acontecer novamente nesse mercado — desta vez, com os jogos baseados na nuvem. A tecnologia ainda está em estágio inicial ao redor do mundo, mas o conceito é poderoso: jogar títulos em alta definição se, depender de um console ou computador, ambos produtos caros para a maioria da população na América Latina.

Em outras palavras, isso poderia quebrar barreiras para os jogadores latino-americanos, que poderiam acessar os jogos AAA (grandes produções) por meio de seus smartphones, smart TVs ou tablets.

A reação do público latino-americano aos jogos em nuvem é completamente diferente de outras partes do mundo, na experiência de Rodrigues, da Telefônica. “Na Europa, a nuvem é basicamente outra forma de jogar; o lema é ‘jogar em qualquer lugar’. Na América Latina, trata-se de inclusão”, afirma. “As pessoas podem jogar títulos que não podiam pagar antes. Traz inclusão e acesso a uma experiência AAA, sem ter que gastar em um console”.

LEIA TAMBÉM: Microsoft aposta em preços menores para atingir os gamers brasileiros

Os jogos em nuvem acabaram de chegar na América Latina: a Microsoft lançou seu Xbox Cloud Gaming no Brasil e no México em outubro passado, o mesmo mês em que GeForce Now estreou no Brasil, com jogos como Fortnite, League of Legends e Among Us.

É importante destacar que mesmo empresas de jogos tradicionais como a Microsoft, que cresceram em torno dos jogos de console, agora estão investindo em experiências em nuvem.

Uma das empresas que acredita na abordagem baseada em nuvem para distribuir seus títulos é a Ubisoft. Atendendo ao pedido do LABS, a empresa compartilhou sua visão da nova tecnologia: “A Ubisoft acredita firmemente nas tecnologias de nuvem e acreditamos que os jogos em nuvem nos ajudarão a alcançar novos públicos, incluindo jogadores na América Latina”.

LEIA TAMBÉM: Governo federal vai reduzir IPI sobre viodegames, de novo

A desenvolvedora por trás de franquias de sucesso como Rayman, Assassin’s Creed, Tom Clancy’s Rainbow Six Siege e muitas outras oferece seus jogos na plataforma de nuvem do Google, o Stadia, bem como no serviço similar Luna, da Amazon.

“A tecnologia de streaming nos permite oferecer experiências a mais jogadores em mais lugares do que nunca, além dos requisitos de hardware, e continuaremos a trabalhar com parceiros para compartilhar nossa experiência. Nosso serviço de assinatura, Ubisoft +, oferece acesso mais fácil a jogos em nuvem e estamos ansiosa para levar isso a mais territórios”, afirma a Ubisoft, que recentemente lançou seu próprio serviço de assinatura no Brasil e no México.

Para outros, no entanto, apesar de seu potencial, os jogos em nuvem são direcionados a um público diferente e ainda não há garantia de que trarão mais pessoas para o mercado e nem que serão amplamente adotados em um futuro próximo. “É um palpite, uma curva de experiência, como qualquer outra tecnologia emergente”, diz Vieitez. Em sua opinião, é preciso observar se haverá demanda suficiente para jogos em nuvem e se o modelo de negócios terá sucesso, ou mesmo se tecnologias emergentes poderão destroná-lo ao longo do caminho.

LEIA TAMBÉM: Magazine Luiza entra no mercado de games com Magalu Games

De qualquer forma, não há dúvida de onde o futuro dos jogos está na América Latina: os smartphones. “O mobile gaming vai ficar cada vez mais forte porque agora o smartphone também é um console”, diz Rodrigues. Os dispositivos móveis serão essenciais para dar acesso a mais participantes na América Latina, seja por meio de jogos móveis ou na nuvem, gerando receita significativa para a indústria na região.

A experiência de pagamentos de jogos na América Latina

Diferentemente de outros mercados ao redor do mundo, a indústria de jogos latino-americana precisa contar com mais do que cartões de crédito para atingir um grande número de jogadores. Métodos alternativos de pagamento como carteiras digitais, cartões pré-pagos (que funcionam como vouchers e são vendidos em lojas físicas da região) e, mais recentemente, PIX (o sistema brasileiro de pagamento instantâneo), trazem receitas significativas para o setor.

De acordo com a Global Gift Card Survey, a indústria de cartões pré-pagos crescerá 15% em relação ao ano passado e ultrapassará US $ 221 bilhões até 2024, apesar dos desafios relacionados ao COVID-19.

Com seus cartões-presente distribuídos em mais de 500 mil pontos de varejo, em 35 países, a InComm Payments aposta na América Latina. A empresa foca em uma estratégia de duas frentes: relacionamento com varejistas — principalmente físicos — e oferta de cartões pré-pagos para serviços de marcas globais, como Xbox, Uber, Spotify, Netflix, PlayStation, entre outros.

Segundo a empresa, não há uma categoria maior do que a dos games nesse segmento. O country manager da InComm Payments para o Brasil, Ricardo Olivieri, está convencido de que essa tendência se manterá por muito tempo na América Latina.

Costumamos ter resultados de vendas muito bons em setembro – semelhantes aos números de vendas do fim do ano – porque é a temporada na qual os principais lançamentos acontecem na indústria de jogos

Ricardo Olivieri, country manager da InComm Payments no Brasil

Na América Latina, os cartões-presente e pré-pagos são uma ferramenta de acesso. Poucos têm acesso a crédito ou conta em banco na região, e nosso modelo de negócios, por si só, é direcionado a esse público. “Hoje, todo mundo quer assistir a Netflix, jogar League of Legends e assim por diante. Então, a categoria visa democratizar os serviços ”, destaca Olivieri em entrevista ao LABS em outubro passado.

Quanto à Ubisoft, a empresa francesa acredita que o mercado de jogos tem um comportamento de pagamento diferente na região. “Observamos como nossos jogadores usam cartões de crédito e carteiras digitais. Avaliamos regularmente inovações e métodos de pagamento, como os pagamentos instantâneos PICPAY e PIX, e adicionamos novos métodos de pagamento relevantes localmente. Estamos sempre em busca de oportunidades para permitir que mais jogadores acessem nossos jogos com facilidade”.

LEIA TAMBÉM: Roblox passa na frente da Blizzard com avaliação de US$ 62 bilhões

No momento, também há uma encruzilhada em todo o mundo sobre como as empresas de jogos cobrarão dos consumidores fora das lojas de aplicativos, como App Store e Google Play, direcionando os consumidores a mecanismos de pagamento alternativos e livrando-se dos custos de até 30% cobrados pelas gigantes da tecnologia. Este é o principal desafio tanto para empresas de pagamento quanto para empresas de jogos.

Por fim, o modelo de assinatura que surgirá com os jogos em nuvem também apresentará novas possibilidades para a indústria. O faturamento direto da operadora, com os pagamentos sendo cobrados diretamente do celular do cliente, é um deles — e, devido à penetração dos smartphones na América Latina, isso deve abrir caminho para as empresas de jogos alcançarem um novo grupo de jogadores.

*

O estudo Beyond Borders é publicado anualmente pela fintech brasileira com operações globais EBANX. É possível acessar o material completo (em inglês) de maneira gratuita no site oficial do estudo.