Fábio Carrara, CEO da Solfácil. Foto: Paulo Vitale/Divulgação Solfácil
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Solfácil: fintech que quer tornar energia solar mais acessível capta US$ 30 milhões da QED Investors

Rodada Série B será usada na criação de uma linha de financiamento para produtores rurais e crédito para parceiros integradores

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A Solfácil, fintech brasileira que fornece linhas de crédito para instalação de energia solar, anunciou nesta quarta-feira (23) que recebeu um aporte Série B de US$ 30 milhões (R$ 160 milhões) liderado pelo fundo de capital de risco norte-americano QED Investors. A rodada também teve a participação do Valor Capital Group, que em julho do ano passado liderou a Série A de R$ 21 milhões da empresa.

O recurso será usado em tecnologia para expandir e lançar novos produtos de crédito, como uma linha solar voltada para o agronegócio, e dobrar a rede de parceiros integradores (que efetivamente fazem os projetos e instalam os painéis solares) para 10 mil. 

Em entrevista ao LABS, o CEO e cofundador da Solfácil, Fábio Carrara, disse que a decisão de fazer uma diluição minoritária no patrimônio líquido da empresa com uma Série B foi tomada em março deste ano e o processo fechou em dois meses. Embora a Solfácil já tenha atingido o breakeven, com a receita crescendo mais rápido que os custos fixos, Carrara quis escolher o QED como sócio porque é um fundo global especializado em fintechs. 

“Na América Latina, eles já investiram em seis dos dez unicórnios fintechs. De certa forma, a QED já trabalhou com quase todas as vertentes de serviços financeiros que a gente tem dentro da nossa operação, como crédito para pessoa física, crédito para pessoa jurídica, acesso a mercado de capitais, securitização […] A rodada veio não porque precisávamos [de dinheiro], mas mais para aproveitarmos essa oportunidade para fazer algo melhor ainda”. 

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Além disso, para Carrara, o momento para investir em energia solar no Brasil é agora. Diante da falta de capacidade de produção de energia por conta da crise hídrica que o país passa, o empreendedor dispara: “Se no ano passado o Brasil tivesse investido mais em energia solar, não estaríamos sofrendo agora […] Diferentemente da chuva, que tem períodos de estiagem, o sol brilha o ano todo no Brasil, e o consumidor brasileiro está desempenhando esse papel fundamental de pegar seu próprio capital para financiar [projetos de energia solar] em uma instituição privada, aportando em infraestrutura, que faz bem para ele e para todo o país”. 

O Brasil enfrenta um risco de racionamento de energia em razão da pior seca em quase um século, que prejudicou a produção de hidrelétricas. Isso fez com que o país acionasse todas as termelétricas fósseis disponíveis. O Brasil também passou a importar energia elétrica dos vizinhos Paraguai, Argentina e Uruguai.

Em contrapartida, tem um grande potencial para energia fotovoltaica. Em 2020, o país entrou na lista dos 10 países que mais instalaram energia solar no mundo, segundo dados da Agência Internacional de Energia (IEA) compilados pela Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar). Desde 2012, a modalidade instalou cerca de 5,8 gigawatts (GW) de potência operacional, de acordo com a entidade. 

Recentemente, o Brasil ultrapassou a marca de 500 mil conexões de geração própria de energia a partir de fonte solar fotovoltaica. Segundo a associação, a energia produzida por painéis solares em telhados e pequenos terrenos é hoje uma ferramenta para reduzir a demanda por eletricidade em horários de pico.

Para a Absolar e outros agentes do setor que pedem pela votação do Marco Legal da Geração Própria de Energia Solar, a legislação – que está parada na pauta do plenário da Câmara dos Deputados – poderia ajudar a aliviar o impacto da crise hídrica. Por outro lado, o texto estabelece que empresas e residências com geradores de energia próprios não pagariam todos os custos do sistema elétrico, taxas que viram subsídios para redução de custo de energia para pessoas de baixa renda. 

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Em meio a esse debate, a Solfácil quer tornar a energia solar mais acessível para os brasileiros. A fintech tem parcerias com 5 mil empresas instaladoras de projetos de energia solar e financia o cliente para comprar o sistema dessa empresa. Nesse processo de financiamento, a fintech não só avalia o crédito mas também o projeto proposto pela empresa para o cliente. A Solfácil começou a operação com linhas de crédito para indivíduos, mas no final do ano passado lançou o financiamento para pequenas empresas e agora pretende atingir produtores rurais.  

Como a Solfácil quer tornar a energia solar mais acessível 

Os financiamentos da Solfácil têm prazos de pagamento de 10 anos e carências de seis meses com uma taxa de 1,2% ao mês. Segundo Carrara, grande parte do mercado financia a longo prazo porque a maioria das pessoas não tem dinheiro para investir em energia solar e precisa de crédito para pagar uma parcela menor do financiamento todo mês ao invés de pagar uma conta de luz.

“A gente fez algo bastante desafiador: convencer o mercado de capitais a investir e esperar 10 anos para ter toda a amortização, porque isso era crucial para viabilizar que os clientes trocassem o custo da conta [de luz mensal] por um investimento em um sistema de energia solar [próprio]”. 

Mas todo esse financiamento cria uma pressão de capital de giro sobre as empresas que instalam os painéis solares, que concedem prazos para o cliente parcelar, mas compram os equipamentos à vista. Por isso, Carrara disse que a Solfácil criará um “Crediário as a Service”, uma linha de crédito para empresas parceiras integradoras para que possam parcelar pagamentos dos clientes, antecipar o recurso e pagar o fornecedor. 

“É uma linha para o integrador parcelar o projeto de três a seis vezes sem juros. Ele arca com o eventual custo do capital de giro e a gente antecipa esse recurso imediatamente para ele pagar o fornecedor do equipamento”. 

Carrara não divulga a taxa de juros para a linha de crédito para os integradores, mas explica que o modelo é parecido com a antecipação de cartão de crédito que já existe no Brasil e os novos modelos Buy Now Pay Later que concedem microcréditos para pagamento parcelado.  

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“Quando a gente compra um tênis parcelado sem juros, a grande verdade é que a maioria dos varejistas está antecipando esse fluxo. Então [o nosso modelo] será parecido, é mais uma opção para o nosso integrador. Se ele tiver solidez para ele mesmo arcar com esse capital de giro, melhor para ele. Mas se ele achar que a nossa linha de crédito pode ajudar a tirar um pouco de pressão de ter que fazer mais vendas para pagar o giro daquela outra operação, é mais uma alternativa que a gente quer dar para o mercado para ele realmente foque no que ele sabe, que é vender o sistema e executar o projeto técnico”. 

Segundo Carrara, para o cliente, a ideia é que o sistema de energia solar gere um retorno a ponto de repagar o financiamento. “Temos o diferencial de fazer crédito em solar porque a gente já entende do ativo. Diferentemente das instituições financeiras que sabem avaliar riscos de pessoas, a gente sabe garantir o que é um bom projeto para o consumidor final. Isso é muito importante porque no final das contas o projeto de energia solar é pago com a economia que o sistema gera”. 

No ano passado, com a taxa básica de juros a 2,25% ao mês, Carrara disse que o sistema de energia solar poderia gerar um retorno superior a 10 vezes mais o rendimento atual da poupança no Brasil

Quanto mais baixa a taxa de juros, mais o mercado de capitais busca alternativas. Mas, recentemente, o Banco Central elevou a taxa de juros para 4,25%. Carrara afirma que essas mudanças já eram esperadas e não prejudicam a operação. “Hoje a nossa securitização é feita com a taxa básica de juros e o IPCA (índice oficial de inflação), que também tem aumentado. Mas esses níveis ainda são bastante confortáveis porque a gente paga relativamente mais do que a taxa básica de juros. A gente sabia que esse movimento de correção chegaria. Claro, um ambiente de juros baixo sempre é favorável para nós porque conseguimos repassar mais para o cliente final.”

Ou seja, uma taxa de juros mais baixa ajuda a fintech a viabilizar o propósito de democratizar energia solar para os brasileiros. Por exemplo, se o cliente tomar crédito a uma taxa superior ao retorno do investimento dele, o financiamento com a Solfácil traria mais prejuízos do que rentabilidade. Se o juros que a fintech cobra fica mais caro do que o próprio retorno do sistema, não há motivo para o cliente fazer o projeto e financiá-lo. 

“Uma das implicações disso é que a gente não pôde se dar o luxo que tipicamente as instituições financeiras do Brasil se davam, que é ter a inadimplência alta. Não tem alternativa para a gente. Ou a gente faz crédito com qualidade para não ter que cobrar inadimplência do bom pagador ou não vai ter crédito. É um desafio, mas a gente gosta desse desafio porque ninguém melhor do que a gente para fazer isso. Entendemos de energia solar e criamos uma máquina de originação de crédito que tem uma abordagem muito diferente de todo o mercado para garantir qualidade”. 

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A Solfácil acessa o dinheiro para financiamento de crédito em mercado de capitais vendendo debêntures que a empresa emite no mercado. Para as linhas voltadas para pessoas físicas e jurídicas, a startup capta dinheiro no mercado através do FIDC verde que a empresa lançou (um tipo de fundo composto por recebíveis de diferentes tipos de emissores amplamente utilizado no mercado de crédito brasileiro). 

Mas, para a linha voltada para o agronegócio, Carrara afirma que há a possibilidade de captar o crédito por outros instrumentos, como por exemplo os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), que são títulos de renda fixa lastreados em recebíveis originados de negócios entre produtores rurais. “É uma linha incentivada. Não muda tanto para o lado do consumidor, mas é uma captação no mercado que pode dar mais eficiência para essa operação”. 

A diferença entre os financiamentos de empresas, pessoas e agronegócio está no tíquete: para pessoa física a linha vai até R$ 200 mil e para pequenos empresários a Solfácil financia até R$ 500 mil. Para produtores rurais o financiamento ainda não foi decidido. “Estamos discutindo alguns pontos mas é um mercado que tipicamente precisa de mais carência porque o produtor rural é muito baseado em safra, tem um capital de giro irregular. É importante dar uma carência para que ele consiga nesse período ter uma safra para pagar. Tem algumas discussões de casar amortização com outras safras e a própria securitização.”

Carrara conta que a startup cresceu cerca de 20 vezes em volume de empréstimos concedidos no último ano, originando R$ 60 milhões por mês. De 30 pessoas no ano passado, a equipe cresceu para 200 funcionários e deve terminar 2022 com 460.  

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A expectativa da Solfácil é financiar R$ 1 bilhão em 2021 e R$ 2,5 bilhões em 2022. “Esse ano será mais um ano de crescimento de quase 10 vezes, muito em razão do lançamento da linha empresarial e da linha rural. O mercado de energia solar é anticíclico, quando a economia vai mal ele até cresce mais porque as pessoas começam a parar de pensar em consumir e querem investir em algo que dê economia, que é reduzir despesa [neste caso, da conta de luz]”.

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