Compre agora, pague depois ecommerce
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Soluções de crédito para comprar parcelado e online ganham o comércio eletrônico na América Latina

Boom impulsionado pela pandemia está fazendo grandes marcas e fintechs incorporar condições batizadas, em inglês, de Buy Now, Pay Later. Entenda o fenômeno, e porque ele também está ganhando os corações e mentes dos gringos

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Se você mora nos Estados Unidos, no Reino Unido ou na Austrália, ter uma conta bancária pessoal e um cartão de débito ou crédito é algo pressuposto, trivial. Mas em outras partes do mundo, um quarto dos adultos – mais de 1,7 bilhão de pessoas, de acordo com o Banco Mundial – ainda não tem acesso a serviços bancários. A inacessibilidade a uma infraestrutura financeira que está cada vez mais digital limita severamente o poder de compra e as opções de compra online desses usuários.

Para os milhões de latino-americanos desbancarizados, fazer compras online é um processo de duas etapas que envolve, primeiro, escolher os itens no site e, depois, pagar pela compra com métodos alternativos ao cartão, como o boleto no Brasil ou um voucher administrado por lojas de conveniência locais no México, como a 7-Eleven e a OXXO, entre outras. Em ambos os casos, o valor total é pago de uma vez só. 

Essa solução pode funcionar para compras pequenas e eventuais, mas para quem não tem dinheiro disponível no momento ou para quem procura por itens mais caros, ter a opção de parcelar o valor é determinante para que a compra seja concluída. Isso provocou uma explosão de soluções de pagamento conhecidas como “compre agora, pague depois” (ou BNPL, sigla de “Buy Now, Pay Later) para melhorar o acesso às compras online e facilitar o processo de compra.

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Diferente de um cartão de crédito ou de uma linha de crédito concedida por um banco, o BNPL permite que os consumidores paguem suas compras por meio de empréstimos de curto prazo pelos quais, na maioria das vezes, não são cobradas taxas de juros. Esses microcréditos são aprovados no momento da compra e podem ser obtidos de duas maneiras principais. A primeira é um empréstimo no ponto de venda, no qual um provedor de BNPL faz parceria com comerciantes para fornecer financiamento no caixa. A outra é um plano de parcelamento que permite às pessoas comprarem online e pagarem por seus itens em um número pré-aprovado de parcelas.

Ambos os modelos demandam uma etapa de validação de crédito que normalmente é gerenciada pelo provedor de soluções BNPL. Os empréstimos são frequentemente sem juros para os clientes, desde que pagos dentro do prazo. Para outras transações, os juros podem ser cobrados antecipadamente. 

Os prestadores de serviços BNPL cobram taxas sobre cada transação, mas, em contrapartida, os comerciantes se beneficiam ao atingir uma faixa maior de clientes e aumentar a taxa de conversão do carrinho de compras (quando a compra é, de fato, paga e concluída) e o volume de vendas. Além disso, são os próprios provedores de BNPL que validam a capacidade do cliente de pagar o empréstimo através de um processo de verificação de crédito, reduzindo o risco de não pagamento ou fraude para o comerciante.

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O pagamento parcelado é uma prática comum há mais de 30 anos na América Latina, portanto, oferecer soluções digitais de BNPL é uma escolha quase óbvia para os comerciantes online que querem atrair clientes que, sem essa opção de pagamento, comprariam em lojas físicas, explicou Sebastian Fantini, gerente de produto B2B do EBANX, empresa global de soluções de pagamentos que promove integração com centenas de métodos de pagamento locais para players globais, como Spotify e AliExpress, na América Latina

Quando você vai a um shopping, tem a opção de parcelar em três, seis vezes, e assim por diante, em qualquer loja. Mas digamos que você precise comprar um aparelho eletrônico, uma geladeira ou uma TV. Se você comprar online, terá de pagar tudo de uma vez só. Se você for na loja física, poderá parcelar, o que é mais seguro para o seu orçamento. É por isso que acredito que comerciantes, fintechs e todos os envolvidos com pagamentos digitais estão olhando com muita atenção para o parcelamento.

SEBASTIAN FANTINI, GERENTE DE PRODUTO B2B DO EBANX

A Nelo, uma fintech co-fundada por Kyle Miller e Stephen Hebson, ex-executivos da Uber, recentemente levantou uma rodada Seed de US$ 3 milhões para expandir seus serviços BNPL no México. A startup já tem 75 comerciantes cadastrados em seu sistema e a receita, bem como a base de usuários ativos da Nelo, aumentaram 60% no último mês. 

Por que começar a operação no México? De acordo com o eMarketer, a América Latina registrou o maior crescimento no e-commerce em 2020, com uma alta de 36,7% em comparação com o ano anterior. Apesar disso, cerca de 86% de todos os pagamentos ainda são feitos em dinheiro. A Nelo quer preencher essa lacuna para impulsionar o comércio online. 

A experiência anterior de Miller na equipe de expansão internacional da Uber em países como Brasil, China, Índia e México inspirou a proposta da Nelo. 

Stephen Hebson and Kyle Miller, co-fundadores da Nelo. Foto: Divulgação

“Trabalhar [nesses mercados] nos permitiu ver o que estava acontecendo em todo o mundo em termos de pagamento, serviços bancários e inclusão financeira. O México era um mercado muito grande para a Uber, mas muitas das viagens eram pagas em dinheiro. E houve problemas significativos com crédito para motoristas. Então, tivemos essa percepção e convicção de que essas soluções de pagamento seriam implantadas em todo o mundo. E nós éramos os empreendedores certos para resolver o problema”, disse Miller. 

A Nelo oferece um aplicativo para celulares Android que permite aos clientes pagar contas pessoais e compras online. Além disso, a empresa possuí um fluxo de checkout (etapa final da compra online, quando o cliente chega na tela de pagamento) para os lojistas que oferecem a opção de parcelamento via Nelo. Os comerciantes também conseguem acompanhar as transações realizadas via Nelo por meio de uma ferramenta que rastreia o volume de vendas e de clientes. Esse monitoramento dos pagamentos de cada cliente por meio do aplicativo ajuda a Nelo a oferecer crédito com mais segurança – e também dá mais segurança para as lojas parceiras. 

Nosso cliente geralmente é alguém que tem um cartão de crédito, mas não gosta do modelo de linha de crédito rotativo, ou talvez do custo de adesão a essas linhas. Para pessoas que não possuem um cartão de crédito, nós podemos conceder crédito a partir de dados adicionais que recebemos de comerciantes e do nosso próprio algoritmo para análise e concessão de crédito.

kyle miller, co-fundador da nelo

“Inicialmente, estamos nos concentrando em lojas e serviços que os clientes consomem com mais frequência. Por exemplo, em nosso aplicativo, você pode pagar sua conta de telefone ou de água com a nossa solução BNPL. Ou seja, as pessoas podem nos usar como uma espécie de cartão de crédito para as compras do dia-a-dia. Pela estrutura de parcelamentos, os clientes concordam que o serviço da Nelo é mais transparente e fácil para todos.” 

A tecnologia para análise e concessão de crédito desenvolvida pela Nelo é um valor agregado para os lojistas parceiros. “Garantimos que os clientes sejam capazes de pagar pelo crédito tomado conosco. Essa é uma parte importante da nossa estratégia. Obtemos informações junto ao órgão responsável para saber se o cliente está negativado e informações sobre a sua renda e seus gastos. A partir desses dados, conseguimos nos proteger contra fraudes. A taxa de fraude em cartões de crédito no México é uma das mais altas do mundo, portanto, oferecer proteção contra isso é muito valioso para os comerciantes”, explica Miller. 

Novos players passam a disputar o mercado BNPL

A Nelo não é a única empresa que agora aproveita o bom momento das soluções BNPL no México e em outros países latino-americanos. A concorrência tem aumentado a cada dia. A fintech americana Alchemy, por exemplo, anunciou recentemente planos para oferecer seus serviços no México. A Addi, cuja sede fica na Colômbia, recentemente inaugurou um escritório no Brasil e está de olho no mercado mexicano. Já as fintechs dlocal e Dinie se uniram para oferecer a solução Dinie Pay para pequenas e médias empresas Brasil, enquanto a Kueski é um player já conhecido no México que planeja escalar seus serviços BNPL na região. E a lista continua. 

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Mesmo nos Estados Unidos, Reino Unido e Austrália, onde os cartões de crédito são amplamente disponíveis, a possibilidade de utilizar serviços BNPL tornou-se uma opção atraente e conveniente para compradores e comerciantes, especialmente na esteira da pandemia e da migração para o ambiente de compras online. De acordo com dados da Salesforce, as transações globais de BNPL aumentaram 109% em comparação com a temporada de férias de 2019. Dois meses depois, as vendas com o BNPL aumentaram 215% em relação ao mesmo período de 2020.

Empresas globais como Affirm, Afterpay e Klarna caminham para se tornarem nomes conhecidos com a chegada de novos usuários e com o aumento expressivo do volume de transações. A fintech sueca Klarna viu sua base de clientes crescer mais rápido do que qualquer uma de suas rivais europeias e americanas no ano passado. A australiana Afterpay anunciou recentemente que as vendas do trimestre aumentaram 123% em relação ao ano anterior. Já a Affirm, com sede em São Francisco, abriu seu capital no outono passado e está lançando seu primeiro cartão de débito com funcionalidade BNPL. 

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Para não ficar para trás, em agosto passado, o PayPal passou a parcelar empréstimos também. A solução BNPL da marca é a “Pay in 4”, empréstimos sem juros para compras entre US$ 30 e US$ 600. O serviço está disponível apenas nos Estados Unidos por enquanto, mas a expansão global está em andamento.

De acordo com a CB Insights, a indústria global de BNPL deve crescer de 10 a 15 vezes seu volume atual, chegando a US$ 1 trilhão em volume bruto anual de mercadorias até 2025. É muito cedo para dizer qual desses provedores de BNPL conquistará mais clientes nos próximos meses, mas é claramente um mercado a ser observado.

Traduzido por Carolina Pompeo.