Trabalhar com livros num país que lê pouco é um negócio arriscado. Oferecer livros físicos no momento em que os e-books pareciam ganhar força no mercado editorial foi uma decisão ousada. Depender de logística de entrega para todo o território nacional, em um país de dimensões continentais como o Brasil, a partir de uma operação mínima, que funcionava dentro de uma biblioteca universitária, beirava a loucura.
A TAG Experiências Literárias apostou nas três coisas ao mesmo tempo e, seis anos após surgir como uma “startup dos livros”, registra faturamento anual que se aproxima dos R$ 40 milhões. Além disso, a expansão internacional entra nos planos da empresa, mesmo que em fase de estudos preliminares, para ser viabilizada num horizonte de 2 anos – possivelmente, começando por outros países da América Latina.
Nesta semana, a empresa também lança um produto novo. Em entrevista ao LABS, o co-fundador e diretor de marketing da TAG, Arthur Dambros, revela que a plataforma começará a oferecer um clube de assinatura de livros de negócios e autodesenvolvimento. “É uma nova startup dentro da empresa, a partir de um projeto que já estava incubado”, diz ele. Inicialmente, a nova opção será divulgada apenas para a base de assinantes. Na primeira semana de agosto, ela será aberta para o público em geral.
A TAG surgiu em julho de 2014, em Porto Alegre, quando os amigos da faculdade de administração Gustavo Lembert e Tomás Susin, junto com Dambros, decidiram trazer para o presente a ideia do Círculo do Livro, parceria da Editora Abril com a alemã Bertelsmann, que fez sucesso no Brasil entre as décadas de 1970 e 1980 ao vender livros em um modelo de assinatura. Juntos, os três sócios fundadores investiram R$ 10.000 para montar o site, comprar livros e caixas de envio para os 65 primeiros associados.
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Seis meses mais tarde, a operação mal passava dos 100 assinantes. Seria mesmo o brasileiro tão avesso assim ao universo dos livros? A pesquisa Retratos da Leitura, levantamento mais amplo sobre os hábitos do leitor no Brasil, cuja edição mais recente é de 2016, indica que 50% dos brasileiros nunca compraram um livro e 44% não costuma ler. A média de obras de literatura lidas em um ano, “por vontade própria”, é baixíssima: 1,26.

A TAG viu nas redes social a oportunidade para alcançar leitores brasileiros
Mas a TAG viu oportunidade em uma outra característica do brasileiro: seu engajamento na internet, principalmente o uso de redes sociais, um dos mais elevados no mundo. Ao mirar esforços no marketing digital, deu o pulo do gato. Com o pouco dinheiro que tinha, a TAG investiu em conteúdos de divulgação no Facebook e no Instagram. Também fez parceria com influenciadores digitais e booktubers, os youtubers que comentam obras literárias, e encerrou 2015 com 1.500 assinantes.
Todo o crescimento da TAG foi alcançado por meio de “bootstrapping”, ou seja, sem receber aportes de investidores externos, apenas com recursos próprios. Dambros calcula que, no início da operação, ele e os sócios – que hoje incluem Álvaro Englert e Pablo Valdez – tenham investido um total de R$ 90.000 antes do negócio se pagar.
Hoje, a empresa conta com 55.000 assinantes, em 2.629 cidades brasileiras, e uma estrutura de 110 funcionários. Em 2019, a TAG cresceu 38% e encerrou o ano com faturamento de R$ 36 milhões. De março para cá, a base de associados cresceu quase 15%. O distanciamento social exigido pela pandemia impulsionou a conveniência da entrega em casa, o e-commerce e as atividades de lazer no ambiente doméstico, como a leitura. A TAG se beneficiou dos três movimentos.

A pandemia também trouxe incertezas à TAG
Por outro lado, a Covid-19 trouxe junto a crise econômica e o corte nos gastos supérfluos por parte dos consumidores. A TAG viu o churn de assinantes aumentar, especialmente nas primeiras semanas da pandemia. “Precisamos parar a operação da nossa loja por um mês, e as entregas foram afetadas”, conta Dambros. A taxa de entregas bem-sucedidas e dentro do prazo caiu de 97% para 94%. “Três por cento parece pouco, mas são mais de 1.500 clientes”, diz o executivo.
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Como a empresa trabalha também com a montagem industrial dos livros que distribui e opera um galpão logístico e de armazenamento, atividades hoje concentradas em São Paulo, as quarentenas também reduziram a produtividade nos dois primeiros meses de pandemia. “Na incerteza de saber se os nossos kits iam chegar aos assinantes, pedimos às editoras que liberassem ebooks, para que os nossos clientes pudessem ler o conteúdo digital antes da caixinha chegar. Agora, vamos manter o ebook como opção de assinatura no ano que vem”, explica o diretor de marketing.
Apesar de ter no livro físico seu produto central, a TAG considera vender um serviço, por meio de uma experiência. “Nos comparam com a Netflix, mas temos indústria, galpão e linha de montagem”, brinca o executivo.
A experimentação faz parte do nosso produto. Não divulgamos que livro o assinante vai receber. Talvez ele não goste de todos, e ele entende e aceita a proposta. Mas a expectativa de saber o título faz parte dela.
Arthur Dambros, diretor de MArKETING na TAG EXPERiências Literárias
Produtos incluem um aplicativo e diferentes tipos de assinatura
assinatura
Boa parte da experiência dos clientes da TAG é digital, especialmente por meio do app Cabeceira, que já conta com quase 200 mil downloads. Nele, os leitores podem discutir as obras e conversar sobre literatura com outros inscritos, além de estabelecer metas, calcular e acompanhar o ritmo de leitura e conhecer novos títulos.
Hoje, a TAG oferece duas opções aos assinantes. A primeira é a TAG Curadoria (R$ 55,90 mensais mais taxa de entrega), em que um autor ou personalidade do mundo das letras é convidado a indicar a obra do mês. Desde seu surgimento, escritores como Mario Vargas Llosa, vencedor do Nobel, a nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie e autores de best-sellers como Luis Fernando Veríssimo e Martha Medeiros, já atuaram como curadores da TAG.
Kits recentes incluíram A Terceira Vida de Grange Copeland (1970), da escritora Alice Walker, obra escolhida por Jarid Arraes; Um Bom Homem é Difícil de Encontrar e Outras Histórias (1955), da autora Flannery O’Connor, escolhida por Martha Batalha; e a obra-prima do nigeriano Chinua Achebe, O Mundo se Despedaça (1958), selecionada por Alberto Mussa.
A TAG Inéditos (R$ 45,90 mensais mais taxa de entrega), em que a empresa seleciona livros de sucesso no mercado internacional, traduzidos em primeira mão, geralmente títulos contemporâneos, best sellers, thrillers e “page-turners”, que prendem a atenção do leitor. Em 2020, o clube já enviou O Sol Mais Brilhante, de Adrienne Benson; e Nascido do Crime, do comediante sul-africano Trevor Noah, apresentador do The Daily Show, programa de sátira nos EUA.
O modelo da Curadoria deu origem à TAG, e a Inéditos, surgida em 2018, já representa 53% do total de assinantes. O clube de livros de negócios será a terceira opção de assinatura.
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Todo assinante da TAG – os taggers – recebem mensalmente uma caixa com o livro-surpresa, uma revista, um marcador de livros e um “mimo literário”. Os associados da Curadoria recebem uma edição do livro exclusiva com capa dura e mais informações sobre a obra.

A expansão internacional da TAG é estudada há dois anos
Desde 2018, quando foi premiada na Feira de Londres com o The Quantum Innovation Award, a expansão para outros países entrou no radar da TAG. Dambros explica que esses são planos de médio a longo prazo, ainda fora da estratégia imediata da empresa, mas que avançam por meio da sondagem de possíveis parceiros locais. O desejo é buscar mercados semelhantes ao Brasil, em que o custo de mídia digital não seja tão alto e nos quais o acesso a livrarias seja restrito, “provavelmente a América Latina”.
“Na Europa e nos Estados Unidos, os canais digitais para aquisição de clientes são muito mais caros. A relação desse custo com o lifetime value do associado talvez não valha a pena”, cita. “Gostaríamos de ir para um mercado em que a dinâmica do leitor as premissas do nosso modelo de negócio sejam parecidas.”
Na TAG, as bandeiras defendidas – do valor da leitura, da importância das bibliotecas e de senso de comunidade, por exemplo – são centrais ao modelo de negócio. Para Dambros, o clube não significa apenas um grupo de pessoas que por acaso recebe o mesmo produto em casa. “Entendemos o livro como porta para um exercício de alteridade, de reflexão de mundo e de acesso à diversidade”, diz ele. “Oferecemos um espaço de diálogo, abertura e acolhimento, tomando o livro e a leitura como justificativa e base. Aí está a nossa força.”