A Tractian, startup que oferece sistemas de monitoramento industrial, especialmente manutenção preventiva, a fabricantes de diversos setores, acaba de expandir suas atividades para mais um país latino-americano. Embora já tenha clientes em cinco país, a empresa está abrindo fisicamente um centro de desenvolvimento na Cidade do México porque acredita que pode repetir na segunda maior economia da região o sucesso que teve na terra natal. Para confirmar a tese, quer conquistar pelo menos 30 clientes e faturar R$ 5 milhões (o equivalente a 10% da receita total projetada para o período) no primeiro ano de operações.
Clientes da Tractian no Brasil que também tem fábricas no México, como é o caso da Danone, por exemplo, são os primeiros alvos da startup no novo mercado. Mas há outros estratégias em jogo, até mesmo a aquisição de um veículo de mídia especializado em indústria.
Igor Marinelli, co-CEO e cofundador da Tractian ao lado de Gabriel Lameirinhas, diz que a empresa já contratou cinco pessoas nas áreas de vendas e marketing no novo escritório, aberto oficialmente desde março. “Também pretendemos levar pessoas das nossas equipes de engenharia e produto para fazer intercâmbio lá (…) A maioria das empresas faz essas expansões ‘para inglês ver’. Nós estamos investindo de verdade no novo mercado, planejando levar nossos líderes para morar lá por um tempo e sondando, inclusive, a aquisição de uma empresa de mídia especializada local a exemplo do que fizemos aqui quando compramos [parte do controle da] Revista Manutenção. É uma estratégia que traz notoriedade para o produto, porque não é só a gente falando, mas outros players discutindo, falando [sobre os problemas e as soluções da indústria]”, explica.
A aquisição da revista ocorreu em junho do ano pasado, na esteira da rodada rodada seed de US$ 3,2 milhões (cerca de R$ 17 milhões à época) liderada pela DGF Investimentos com participação do family office Citrino e de Cláudia Massei, CEO da Siemens em Omã. Combinada à estratégia de aquisição da revista, a empresa também investe na capacitação — e consequentemente no contato — com técnicos e trabalhadores da linha de frente das indústrias, por meio de webinars, e-books e outros tipos de conteúdo.
“A maioria das empresas tem foco no outbound [marketing], mas no B2B importa muito a sua reputação e há uma série de coisas para as pessoas olharem [nesse contexto]. [O cliente se pergunta] Na minha vizinhança, quem está usando? O produto foi testado, está em algum ranking? Vou ganhar alguma coisa a mais com o produto, como cursos e certificação? São coisas extremamente importantes para quem é do setor industrial. E, diferentemente de outros setores, nosso primeiro ponto de contato são os engenheiros e os técnicos que estão no chão de fábrica realmente. São eles que levam a solução, no boca-a-boca, para o tomador de decisão (coordenador, gerente etc) que depois vai comprar ou não o produto”, detalha Marinelli, ressaltando que pelo menos metade dos clientes que fecham negócio com a Tractian vem até a startup dessa maneira.
É por isso também que, em novembro do ano passado, a Tractian adquiriu uma segunda plataforma de conteúdo e EAD, o Clube do Técnico. Contando com as duas plataformas, a empresa tem uma comunidade formada por meio milhão de profissionais e mais de 5 mil certificados de cursos gratuitos sobre tecnologia preditiva, gerenciamento de manutenção, Indústria 4.0, entre outros, emitidos.
Outra característica interessante do modelo de negócios da Tractian é a capacidade de escalar receitas com os mesmos clientes (o famoso upselling). As indústrias geralmente começam monitorando um parte das suas máquinas, mas com o tempo, isso vai aumentando. Segundo Marinelli, 60% da receita da Tractian no primeiro trimestre de 2022 veio de vendas para mesmos clientes. Isso também explica porque a taxa de retenção de clientes da startup é alta, tendo chegado a 148%.
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A tecnologia da Tractian: como a startup monitora equipamentos e auxilia na manutenção preventiva da indústria
Os sensores do Tractian medem quatro coisas: vibração, temperatura, consumo de energia e tempo de funcionamento (por meio de um horômetro). Já o software da Tractian é capaz de analisar os dados provenientes dos sensores para prever quando uma máquina pode precisar de manutenção.
Os sensores são enviados às empresas, que pagam mensalmente para ter acesso ao software de análise. Em média, as indústrias tem começado monitorando 50 máquinas e gastando cerca de R$ 9 mil por mês. Segundo Marinelli, esse custo se paga totalmente em dois a três meses.
“Uma máquina, seja no Brasil ou no México, possui as mesmas características de funcionamento. Por isso a tecnologia da Tractian se aplica em qualquer máquina rotativa com padrão de vibração. Nosso sistema de monitoramento combinado ao sensor já se provou eficiente nos clientes internacionais que temos. O principal objetivo é sempre democratizar o acesso dessas ferramentas para pequenas e médias empresas”, explica Marinelli. Diferentemente do que ocorreu no Brasil, onde começou já atendendo gigantes, Marinelli acredita que a Tractian terá entrada primeiro com as pequenas e médias indústrias do México.
Recentemente, a Tractian também lançou um sistema de gestão industrial em nuvem que concorre com softwares como SAP e oferece o básico para mapear a rotina de operações de uma indústria, fazer gestão de ordens de trabalho e inventário, por exemplo, ainda que sem sensores. Batizado de TracOS™, o software ainda não foi lançado em larga escala, sendo oferecido a quem procura a startup mas ainda não tem certeza se precisa monitorar seus ativos. Algum tempo tempo depois, a mesma empresa acaba dando um upgrade e passa a usar os sensores da Tractian porque já entendeu o valor da gestão e da manutenção preventiva.
Há pouco meses, a Tractian também lançou um terceiro software capaz de monitorar os gastos com energia, mas esse produto está sendo oferecido apenas aos clientes atuais, como a Embraer.
Sobre a trajetória da Tractian
A primeira empreitada de Marinelli e Lameirinhas como empreendedores foi com uma startup de financiamento coletivo (crowdfunding) para doações em 2015, que não deu certo. Depois disso, fundaram uma startup para predição de doenças crônicas, a Blue AI, que existe até hoje, embora Marinelli e Lameirinhas tenham deixado a empresa.
A semente da Tractian foi plantada quando Marinelli foi contratado como engenheiro de software para as equipes de manutenção da gigante industrial do papel Klabin. Foi aí que ele desenvolveu uma solução de “predições de doenças crônicas para máquinas” para a Klabin, o que daria origem à Tractian. A Klabin foi a primeira cliente da startup, em setembro de 2019, ou seja, antes mesmo de a Tractian ser criada oficialmente, o que ocorreu em janeiro de 2020.
“A maioria das startups que começam no setor industrial acreditam no conto de ‘a gente vai pagar para você construir seu produto’. E ficam refém dessa empresa. Na verdade, você não está construindo um produto para o mercado, você está resolvendo um problema interno dessa empresa”. Esse insight levou Marinelli a romper o contrato com a Klabin. “Tivemos de sangrar muito no começo. Tínhamos uma equipe de cinco pessoas, tivemos que colocar mais capital do nosso próprio bolso.”
Os dois empreendedores fundaram a Tractian com R$ 100 mil de capital próprio: venderam seus carros (um Honda Fiat e um Ford Fiesta) e acrescentaram R$ 40 mil de suas poupanças para colocar a empresa de pé.
Em abril de 2020, a empresa quase ficou sem dinheiro. Mas o produto desenvolvido pela Tractian (um hardware com sensores de manutenção preditiva para máquinas da indústria) estava maduro e sendo testado, o que chamou a atenção de executivos da Volkswagen e da Stone, que acabaram virando os primeiros investidores da startup. No início de 2021, a Tractian também atraiu a Y Combinator e outros investidores como a brasileira Norte Ventures, levantou seu primeiro capital externo, de cerca de R$ 2 milhões.