mulher olha um outdoor numa comunidade pobre
Mulher olha publicidade pendurada na parede de uma casa na comunidade de Pirambu - CE. Foto: Outdoor Social/Divulgação
Negócios

TrazFavela e G10 Bank querem fazer o dinheiro da favela girar e aumentar a renda das periferias do Brasil

LABS conversou com os fundadores dessas duas startups que estão levando os negócios nas favelas brasileiras à disrupção

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O potencial de consumo das dez maiores favelas brasileiras é de R$ 159 bilhões. Nelas, 262 mil estabelecimentos comerciais movimentam a economia local e a do país como um todo, segundo um estudo da Outdoor Social, já divulgado pelo LABS. Esse potencial bilionário ainda é pouco explorado pelas grandes empresas do país, mas startups como o serviço de entrega TrazFavela e a recém-lançada fintech G10 Bank estão tentando mudar isso.

“G10” é um grupo de líderes das dez maiores favelas do Brasil, que lançou o G10 Bank no mês passado, uma fintech com o objetivo de levar crédito para as pessoas da periferia. “A exemplo dos países ricos do G7 e G20, que atuam conjuntamente, o G10 favelas decidiu atuar em bloco para atrair investimentos e empresas para explorar a potência das favelas brasileiras e fazer com que elas,”  explica Gilson Rodrigues, presidente do G10 favelas, em entrevista ao LABS

TrazFavela. Da esquerda para a direita: Marcos Silva (CTO), Iago Santos (CEO) e Ana Luiza Sena (COO). Foto: Fernando Gomes/Divulgação.

“Falta de grandes empresários o olhar de que está surgindo coisas legais dentro da periferia para investir e trazer essa visibilidade para dentro das comunidades. A periferia tem dinheiro e pode fortalecer e ajudar pessoas dentro da própria periferia”, disse Iago Santos, CEO da TrazFavela, em entrevista ao LABS. “Só durante a pandemia, muitas pessoas periféricas doaram mantimentos para outras pessoas da periferia. Todo mundo ganhando e girando a economia.” 

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O PIB das favelas é superior aos PIBs de vários países da América Latina, e ainda assim as favelas são vistas como ‘carentes’ e não como ‘potentes’, segundo Rodrigues. “Ainda há muita dificuldade de acesso ao crédito, por vezes a gente é tratado como um cliente diferente. Como se os R$ 50 de uma pessoa do Morumbi valessem mais do que os R$ 50 de quem mora na favela de Paraisópolis.”

Assim como Rodrigues, Santos também percebeu que a empresa que ainda não está investindo na favela está perdendo dinheiro, oportunidade e uma chance de poder expandir o seu mercado. Foi com esse pensamento que ele criou o TrazFavela, um serviço parecido com o Rappi, um “delivery de tudo” que faz a ponte entre os comerciantes e os clientes da periferia.

A grande sacada de Santos foi quando ele percebeu que conseguia pedir delivery de grandes aplicativos na região central de Salvador, onde trabalhava como designer gráfico em uma aceleradora de startups, mas que esses apps não contemplavam o local onde ele mora, na periferia da cidade, o bairro São Caetano. 

“Vi que meu bairro tinha um grande potencial econômico, não só alimentício, mas também para comerciantes de várias outras coisas. Eu sempre digo que não preciso sair do meu bairro para ir ao shopping, tem tudo lá.”

Santos participou de diversas competições de startups, como o Startup Weekend, e a aceleradora Vale do Dendê. Com os sócios Marcos Silva (CTO) e Ana Luiza Sena (COO), lançou o TrazFavela com recursos próprios. O serviço funciona sem app, mas está em vias de lançamento do aplicativo, segundo Santos. A maioria (85%) dos entregadores parceiros moram nas regiões periféricas e são acionados pelo WhatsApp por meio do TrazFavela, que os conecta com comerciantes da periferia de Salvador. Hoje, o TrazFavela também opera em áreas nobres da cidade e na região metropolitana da capital.

A TrazFavela foi selecionada pela iniciativa do Google For Startups para fundadores negros no Brasil, e usará o recurso do programa para o desenvolvimento do app. A empresa não divulga o valor. 

Santos pretende levar o TrazFavela para a Zona Leste e Norte de São Paulo, favelas do Rio de Janeiro como Complexo do Alemão, Rocinha e Vidigal e outras capitais do Nordeste, como Recife, Maceió, São Luís e Aracaju, entre este ano e 2022. 

O CEO também está de olho em uma próxima rodada de investimento para expandir para a América Latina. Ele vê grande potencial para o TrazFavela nas áreas periféricas de Buenos Aires e Bogotá. “Em boa parte dos grandes apps, há esse mesmo problema de não querer atender comerciantes de áreas periféricas, porque eles classificam a totalidade como área de risco. Mas eu sou da área periférica, eu sei que no meu bairro não tem perigo”. Em 2020, sem aplicativo, o TrazFavela intermediou 2.500 entregas, 500 só no mês de junho.

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G10 Bank: O dinheiro da favela gerando dinheiro para a favela 

Gilson Rodrigues, presidente da fintech G10 favelas
Gilson Rodrigues, presidente do G10 favelas. Foto: Caio Caciporé Ferreira (Caciporé)/Divulgação.

Segundo estimativa do dos institutos Data Favela e Locomotiva, 13,6 milhões de pessoas moram em comunidades periféricas no Brasil. A ideia do G10 Bank surgiu em conjunto com outras nove iniciativas de apoio à economia das favelas durante a crise econômica em decorrência da COVID-19, segundo Rodrigues. Ele explicou que, somada à crise sanitária, a crise econômica atinge principalmente quem vive nessas áreas de maior vulnerabilidade social. 

“O chamado ‘novo normal’, é um novo normal em que a fome e o desemprego aumentaram. Em que as anormalidades foram apontadas como se fossem algo normal. O ‘novo normal’ considera que as pessoas vão passar fome, que vão ficar desempregadas, que a gente vai viver em casas pequenas faltando água, com mais dificuldades”, disse. 

O G10 Bank vai funcionar em todo o Brasil através de uma plataforma digital, e por enquanto opera em formato piloto nas favelas de Paraisópolis e Heliópolis, em São Paulo. “Pretendemos atender 120 empreendedores no primeiro semestre, começando pelas 10 maiores favelas que fazem parte do bloco de líderes do G10”. 

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A ideia de Rodrigues é atingir todas as favelas do Brasil em um período curto de tempo. A fintech, que recebeu aporte de R$ 1,8 milhão de investidores não divulgados, quer facilitar o acesso ao microcrédito para empreendedores das favelas, com empréstimos de até 15 mil. 

O Brasil tem hoje 103 bancos comunitários que oferecem microcréditos, segundo o Instituto Banco Palmas. Mas, a vontade do G10 Bank vai além: ele quer fomentar os negócios como se fosse o BNDES da favela. O banco se inspira no modelo do economista Muhammad Yunus, de Bangladesh, que recebeu o prêmio Nobel da Paz em 2006, de oferecer crédito para famílias pobres para fomentar atividades que gerem renda dentro da própria comunidade. 

Bancos tradicionais costumam exigir histórico econômico e de renda, o que acaba não contemplando o crédito para pessoas da periferia. Nesse aspecto, o diferencial do G10 é ter um olhar voltado para o público da favela. “É um grande ciclo de economia que está sendo criado e fomentado a partir do G10 Bank”, afirma. 

O G10 Bank será composto por empresários, economistas, e profissionais do mercado financeiro, que oferecerão mentoria, formação e um plano de trabalho para que negócios possam ser escalados em outras favelas. Principalmente os negócios fundados por mulheres negras e jovens, “que são as que mais têm o crédito negado pelos grandes bancos tradicionais”, segundo Rodrigues. “Estamos fazendo um programa de inclusão”. 

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Durante a COVID-19, o G10 criou os “presidentes de rua”, onde a cada 50 casas há um morador voluntário da favela que cuida de outras 50 famílias. O grupo está transformando esses presidentes de rua em professores de educação financeira. 

Só na favela de Paraisópolis são 658 professores que serão avalistas informais do G10 Bank, ou seja, vão validar o crédito para essas famílias. “Nós estamos considerando que através dessa rede, desse contato e aproximação, vamos conseguir ajudar esses empreendedores com formação, mentoria e dinheiro. A partir disso, o empreendedor transforma a vida, gera riqueza, trabalho e renda para si, e também gera emprego para a comunidade e desenvolvimento”.

A ideia do G10 Bank é conectar-se com empresas para oferecer cartões e maquininhas, além de seguro de vida e auxílio funerário. Ainda que muito procurado por instituições financeiras, Rodrigues salienta que o G10 está buscando parceiros que entendam o propósito social do negócio. 

“Quando vêm propostas que colocam juros abusivos ou propostas de exploração da comunidade, ou ainda negócios que vêm aqui [na favela] ganham um dinheiro rápido e vão embora, para a gente não serve. Nós queremos que o banco dê lucro, que ele seja sustentável, mas que ele reverta recursos para a comunidade, e que o conjunto das pessoas que participem estejam engajadas nesse mesmo propósito de transformação social.”

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