O que dizer de um ano marcado por recordes em investimentos, nove unicórnios (18 na América Latina), e o IPO do maior banco digital do mundo em número de clientes na NYSE? Tudo isso aconteceu no ecossistema de inovação brasileiro, no ano passado. Para 2022, a palavra chave é expansão. A enxurrada recorde de recursos levantada até aqui impulsiona a criação de milhares de vagas na área de tecnologia, mas preencher as oportunidades é mais difícil do que parece.
Um balanço realizado pela plataforma que conecta empresas e candidatos Catho apontou um um crescimento de 17,9% no número de vagas na área de tecnologia no primeiro semestre de 2021 quando comparado ao mesmo período do ano anterior. Desenvolvedores respondem por quase um terço desse aumento e muitas empresas ainda estão com vagas abertas para essa posição.
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Dois exemplos recentes da caça aos talentos são a plataforma de marketing RD Station e a fintech N26 Brasil. A empresa de automação de marketing prevê a chegada de 350 novos colaboradores (acesse as vagas na RD Station) e já tem processo aberto para a contratação de 30 desses postos. Já a fintech planeja 300 vagas para 2022 — mais da metade das oportunidades são destinadas à área de tecnologia. É possível conferir as vagas da N26 Brasil no perfil oficial da empresa no LinkedIn.
Outra fintech que está buscando novos talentos para acompanhar seu crescimento é a N5. A empresa desenvolve softwares para fintechs, bancos e seguradores e afirma crescer 500% ao ano. Atualmente, a companhia tem 200 colaboradores ao redor do mundo e procura mais 100 profissionais. Por meio de um processo seletivo diferenciado, a N5 pretende preencher posições chaves com desenvolvedores, cientistas de dados e arquitetos de software. Saiba como se candidatar aqui.
A fintech de pagamentos EBANX, que é dono do LABS, tem 80 novos cargos disponíveis somente na área de tecnologia. Acesse a lista completa de oportunidades aqui.
Por falar em fintech, um levantamento da companhia de recrutamento Gupy aponta que o setor teve um crescimento de 466% em relação ao número de postos abertos entre o primeiro semestre de 2020 e o mesmo período em 2021. As vagas para cargos relacionados à tecnologia representam um terço do total.
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Segundo o CEO da plataforma de inovação Distrito, Gustavo Araujo, “o Brasil da tecnologia já deu certo”. Ou seja, o ecossistema de inovação deve sustentar seu crescimento nos próximos anos e continuar acelerando devido às novas injeções de capital – desde que saiba contratar estrategicamente.
“A América Latina e o Brasil estão no momento certo para entrar nesse mercado, porque os grandes investidores globais estão vindo para cá para participar desse momento de transformação”, afirma o CEO do Distrito
Uma das forças que têm impulsionado a inovação na América Latina e investido repetidamente em startups nacionais, o SoftBank criou uma página especial para anunciar as vagas disponíveis em empresas que são investidas por seu SoftBank Latin America Fund. Na primeira semana de janeiro de 2022, o site listava 2.625 oportunidades disponíveis. E, ao que tudo indica, esse número só tende a crescer.
“Apagão de mão de obra”
O cenário preocupa entidades como a Federação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação (conhecida também como Assespro). Em dezembro, a Assespro completou 45 anos de existência e lançou um manifesto no qual aponta sua preocupação com o apagão de mão de obra no setor de TI. Assinado pelo presidente da entidade, Ítalo Nogueira, o documento classifica o cenário como “catastrófico” e prevê que o déficit de profissionais especializados deve bater os 450 mil em apenas três anos.
A entidade pede urgência para a coordenação de todos os níveis de governo, executivos e legislativos, empresas públicas e privadas para ações que reduzam esse déficit. Dentre elas, o foco educacional em áreas estratégicas (STEM), a criação de uma cultura nacional em torno da inovação e TI e a criação de uma infraestrutura nacional para inovação para direcionar os esforços nessa área.
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O cofundador do grupo de articulação do ecossistema de inovação Dínamo e presidente da Associação Brasileira de Startups (Abstartups), Felipe Matos, compartilha dessa preocupação. “Temos um desafio grande do lado de talentos. Estamos muito perto desse apagão de talentos em tecnologia. A oferta que temos, do ponto de vista da formação de profissionais, está muito abaixo em termos de quantidade e qualidade”, afirma Matos.
“Para entregar todo o crescimento que se espera a partir dos investimentos que as startups vem recebendo, vamos precisar formar e qualificar muita gente. Isso é uma necessidade e não deixa de ser uma oportunidade”
Felipe Matos, presidente da Abstartups
Matos também é fundador da Sirius, escola de tecnologia digital, com cursos rápidos e acessíveis, focados na experiência do estudante. A visão de que o caminho para acessar essas oportunidades está na educação é compartilhada por outras startups.
É o caso da edtech Digital House. Em outubro, a companhia anunciou sua fusão com a plataforma de ensino de programação Rocketseat. Juntas as escolas já impactaram mais de 1,2 milhão de alunos na América Latina.
“A falta de mão de obra em tecnologia é um problema gigantesco e estamos só no começo dele”, afirma o cofundador e CEO da Rocketseat, Robson Marques. “Justamente por isso, é um problema para ser resolvido em escala. Por isso, ter uma comunidade de profissionais de tecnologia é um ativo importante para começar a resolver o problema. Temos que trazer tanto os aspirantes quanto os profissionais para perto para, de fato, conseguir prepará-los e ajudar o mercado na oferta de profissionais”.
Com a união, as empresas planejam expandir a oferta de cursos, desde o mais básico até programas avançados. Além da produção de conteúdo em conjunto, as marcas querem oferecer um catálogo de cursos voltados para empresas. Assim, as companhias podem treinar seus profissionais com vista às suas necessidades.
“Tradicionalmente, tecnologia e programação ainda estão na cabeça das pessoas como [profissões] que precisam de conhecimento muito técnico, de matemáticos ou engenheiros. Mas isso é só 5% do trabalho, os outros 95% tem a ver com páginas da web, e-commerce, campanhas de marketing, etc. O mundo da programação precisa de muitas pessoas que sejam mais criativas do que técnicas. Programar é criar, resolver problemas”, conta o CEO da Digital House Brasil, Sebastian Mackinlay.
Para Mackinlay, a escola tem como diferenciais a preocupação com o suporte dos profissionais que estão entrando no mercado. O departamento de carreiras da Digital House faz uma ponte entre o mercado e os alunos da edtech e, segundo o executivo, 97% dos alunos que recorrem ao departamento conseguem uma colocação.
“Parte do nosso trabalho é desmistificar essa dificuldade e abrir essas oportunidades para pessoas que hoje não se veem como candidatos para essas vagas”
Sebastian Mackinlay, CEO da Digital House Brasil
Emigraçao virtual
Esse cenário também traz outro problema: a ampliação do trabalho remoto contribuiu para que muitos profissionais experientes fossem contratados por empresas do exterior. A chamada emigração virtual, na qual os profissionais da região não precisam podem atuar em firmas de forma do país sem deixar o Brasil, também preocupa os especialistas.
“A pandemia também trouxe um efeito que muitas empresas de fora do Brasil estão vindo contratar os nosso profissionais, pagando em dólar e euro, se aproveitando do momento do câmbio. O que está criando uma pressão difícil para quem precisa contratar e crescer”, afirma Felipe Matos, da Abstartups.
Baseada em Londres, a managing partner da Capital Lab Ventures, Vanessa Viana acredita que essa situação não é nova e que a taxa de marcas globais “pescando talentos” entre os desenvolvedores brasileiros só tende a aumentar.
A gestora lançou um fundo de US$ 100 milhões para transformar algumas das startups da região em “minimultinacionais”. A tese da companhia é encontrar startups que resolvem grandes problemas da sociedade.
Com 20 anos de atuação no mercado de venture capital, Viana ressalta que é preciso dar aos empreendedores da América Latina uma chance de competir em condição de igualdade com as empresas de fora do país.
“O problema não está no fato de que nosso talento seja disputado globalmente. O problema está no fato de que não estamos usando as nossas habilidade de administração para criar grandes conglomerados, que as nossas empresas de tecnologia não estão conseguindo competir em condições de igualdade com as empresas de tecnologia de fora”, aponta Viana.