Nos primeiros dias de janeiro de 2020, o novo ano parecia promissor para as empresas de venture capital da América Latina, depois de três anos consecutivos de forte desempenho e grandes investimentos nas startups da região. De repente, o coronavírus mudou o cenário e os negócios foram suspensos ou renegociados. Não foi bem assim para a Valor Capital Group, uma empresa dedicada a investimentos em tecnologia em estágio inicial no Brasil.
A Valor vem fazendo infusões significativas em diferentes empresas, como a Tembici, um serviço de aluguel de bicicletas, e CargoX, uma startup de logística, mesmo em meio à crise da Covid-19, apostando na fase pós-pandemia.
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A empresa também faz aportes internacionais com parceiros nos Estados Unidos e investidores da Ásia. Por conta disso, teve acesso a indicadores precoces do que estava sendo trazido para a América Latina junto com o vírus.
A magnitude desse cenário era absolutamente distinta de tudo o que o precedeu; assim, o grupo iniciou conversas com as empresas de seu portfólio desde o início, preparando-se para tocar o alarme e avisando-as de que este seria um ambiente diferente, do ponto de vista econômico, mas não apenas.
O LABS procurou Scott Sobel, co-fundador e sócio-gerente da Valor Capital Group, para falar sobre isso.
Como a pandemia fez com que as startups congelassem os gastos e, ao mesmo tempo, buscassem oportunidades de crescimento, os fundos de investimento também precisavam aprender a gerenciar seu portfólio digitalmente. “O que me orgulho muito é que os empreendedores no Brasil passaram do planejamento para a ação muito cedo”, disse Sobel.
Como as startups tiveram que repensar as previsões, as do portfólio da Valor (que inclui a edtech Descomplica, a startup de geolocalização Inloco, a fintech Stone, além de Tembici, CargoX e mais) fizeram isso logo do começo.
As empresas que tinham pistas mais curtas pensavam na melhor forma de captar recursos nesse ambiente e a Valor Capital viu 100% das empresas de seu portfólio agirem e fazerem isso rapidamente para tomar decisões críticas, segundo ele.
Quando a pandemia começou, a Valor teve uma comunicação mais ampla com suas startups, escrevendo cartas aos seus fundadores, fornecendo sugestões de saúde e orientações sobre o que eles precisavam fazer com seus funcionários. Em seguida, fez sugestões sobre o que as empresas precisavam analisar em suas posições de caixa, receita, acordos com fornecedores e como gerencia-los e fazer algum planejamento de cenário e análise de sensibilidade.
Surpreendentemente, cerca de 10% do portfólio da Valor está prosperando nesse ambiente em que a digitalização entre os setores permitiu que eles prosperassem.
A CargoX, por exemplo, está digitalizando o setor de longa distância, conectando caminhoneiros com sua carga em uma localização geográfica em tempo real. Numa época em que a mobilidade cessou, os caminhoneiros precisam continuar apoiando a economia e encaminhando mercadorias. Notavelmente, a empresa levantou em abril uma rodada de US $80 milhões liderada pelo fundo LGT Lightstone e que incluiu a participação de parceiros existentes, como a Valor Capital, Goldman Sachs Growth Equity, Farallon Capital, entre outros. Tudo isso em meio à crise.
O unicórnio de bem-estar Gympass fez uma reorganização porque não foi capaz de operar adequadamente em meio à pandemia, com academias fechadas em todo o país. A empresa avançou no roteiro digital para permitir que academias que não pudessem trabalhar nesse ambiente fornecessem treinamento on-line.
Além disso, a fintech brasileira Stone teve problemas com seu segmento de maquininhas, uma vez que as lojas físicas também foram fechadas devido a medidas de distanciamento social. No entanto, seus negócios vão além de apenas lojas físicas e a empresa oferece outras soluções para seus comerciantes, permitindo que eles vendam on-line e processem pagamentos digitais.
Por outro lado, Sobel lembra que a Valor tem empresas que tiveram que hibernar seus negócios. Um exemplo é o Buser, uma plataforma semelhante ao Uber que conecta passageiros a ônibus interurbanos, porque as pessoas não poderiam usar ônibus por conta da contaminação. O executivo acredita que, saindo da crise, O Buser se sairá bem por causa do modelo de seus negócios.
Como empresa, a Valor focou em seu portfólio e passou um tempo com suas startups com captação de recursos. Segundo ele, a crise também serviu como um teste da capacidade da Valor de ser transparente com seus empreendedores, para verem de onde vem a empresa de capital de risco e vice-versa. “Tenho orgulho de dizer que, em todas esses investidos, tivemos conversas difíceis, mas acredito que tudo acabou em um lugar muito bom, juntos, como resultado dessas conversas”.
Estávamos com três a quatro contratos de investimento antes da Covid e honramos todos eles. No entanto, era nossa responsabilidade fiduciária também adaptar esses acordos às mudanças nas condições do mercado e ambiente.
SCOTT SOBEL, co-fundador e sócio-gerente da Valor Capital Group
Agora, a Valor tem uma nova missão: olhar para novas empresas e construir relacionamentos virtualmente. “As empresas financiadoras exigem que as pessoas se reúnam e passem um tempo juntas, tendo essa experiência pessoal de linguagem corporal, e não estamos tendo essa oportunidade agora e esse é um novo capítulo para todos nós. Eu acho que é apenas um dos principais desafios do funil para construirmos relacionamentos com empreendedores ”.
A Valor continuará investindo de acordo com seus princípios
A América Latina e particularmente o Brasil são o epicentro da pandemia em todo o mundo, mas Sobel é positivo em relação ao futuro próximo. Questionado sobre quão ativo será o mercado e a liquidez, ele respondeu que nunca na história o mundo inteiro se concentrou na resolução de uma questão apenas, com todo o capital e o capital intelectual focados em resolver esse problema com a crise da saúde. “Eu não quero especular quando os mercados reabrirão e como eles serão abertos. Portanto, deixarei isso de lado, no entanto, do ponto de vista do capital de risco, tenho que olhar para indicadores antigos e futuros e acho que esse é a pergunta real sobre o setor de Venture Capital no Brasil e no mundo. Preciso do topo dos funis porque a liquidez existe. Eu não acho que isso [Covid-19] vai persistir por anos, para mim são mais um semestre ou dois”, diz ele.
E essa visão positiva levou a Valor a liderar, com a Redpoint Ventures, uma rodada de US $47 milhões da Série B no negócio brasileiro de aluguel de bicicletas Tembici no início deste mês. A startup é a principal plataforma de compartilhamento de bicicletas da América Latina, como apontou Sobel. “Estamos muito empolgados com a Tembici com as bicicletas eletrônicas, eles fizeram muito planejando a perspectiva dos desinfetantes contra COVID-19 com suas bicicletas”, disse ele. A Valor acredita que a startup sairá muito bem da crise porque as pessoas se sentirão mais confortáveis andando de bicicleta do que com os táxis ou outros meios de transporte em massa quando começarem a circular novamente pelas cidades.
O setor de micromobilidade está enfrentando um momento difícil recentemente na América Latina, com a startup de patinetes Grow cortando funcionários e reduzindo as operações no Brasil, devido a problemas financeiros. “Não somos grandes fãs de patinetes”, diz Sobel, acrescentando que a Tembici não oferece uma solução para scooters. “Acreditamos que a Tembici será uma grande tendência, porque, em vez de outras soluções de patinetes, é mais confiável e oferece melhor economia, menos chance de roubo, menos danos e, portanto, tem uma base de custo menor”. Sobel também explica que há um lado importante nas parcerias com os municípios sobre regulamentação, que essas outras plataformas de patinetes não tinham, segundo ele. “Foi isso que nos deu a confiança de que há um modelo resiliente ou sustentável a longo prazo em torno da Tembici, pois ela oferece um meio de transporte mais saudável e melhor para o meio ambiente”.
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Mais saudável e melhor para o meio ambiente seguem os princípios básicos das infusões da Valor. De acordo com seu cofundador, o fundo aposta em indústrias no Brasil onde é possível ver esses princípios e aplicar tecnologia para reduzir custos à medida que gera ganhos de produtividade. “Nesse momento, analisamos com muito cuidado as indústrias e também acreditamos que negócios que são bons para o meio ambiente, negócios que são inclusivos, negócios que proporcionam diversidade são bons negócios e fazem bons investimentos.”