Os dois maiores mercados de e-commerce do mundo, Estados Unidos e China, estão sofrendo uma desaceleração constante no crescimento das vendas de varejo online. Você pensou em guerra comercial? Sim, o embate entre as potências tem sua parcela de culpa nesse cenário, mas não consegue explicá-lo em sua totalidade.
Os mercados desenvolvidos estão mais saturados e competitivos. A disputa pelos consumidores é mais acirrada e já não há muito espaço para inovações, o que faz os holofotes girarem para os países emergentes, como o Brasil. Diferentemente das duas potências mundiais, que devem obter percentuais de crescimento cada vez mais tímidos na venda de varejo online, a maior economia da América Latina deve registrar um crescimento de 16% do e-commerce em 2019.
O LABS conversou sobre a saturação dos mercados desenvolvidos e o futuro promissor do e-commerce brasileiro com o presidente da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm) e um dos maiores especialistas em e-commerce do país, Maurício Salvador, e com Victor Noda, CEO e co-fundador da Mobly, e-commerce brasileiro de varejo que cresceu 50% em 2018.
Entenda por que agora é a hora de olhar para o Brasil!
Potências de desaceleração

Pela primeira vez desde o fim da grande recessão econômica de 2008, a venda de varejo online nos Estados Unidos registrou uma desaceleração considerável. Em julho, completaram-se quatro trimestres consecutivos de retração no crescimento do setor, de acordo com a pesquisa 2019 U.S. Online Retail Forecast, da FTI Consulting. Não é um fato a se desconsiderar.
Não à toa, a regressão foi classificada como “inexplicável” por especialistas e portais especializados em e-commerce. Trata-se de uma mercado em plena evolução, com a menor taxa de desemprego desde 1969 e com mais de 120 meses de crescimento consecutivo de sua economia, o maior período de expansão da história do país.
Ainda que as motivações para o recuo não sejam nítidas, dados da FTI Consulting indicam que a venda de varejo online no país pode ter entrado um período de crescimento mais tímido, fruto da redução dos números relacionados ao e-commerce. Se em 2018 as vendas online cresceram 16,1%, o aumento nos últimos quatro quarters foram de 13,3%, com previsão de enxugar até 5,9% em dez anos.
Cenário parecido emergiu recentemente na China, outra grande potência do varejo. Os efeitos da guerra comercial com os Estados Unidos vêm afetando a venda de varejo no mercado chinês, principalmente no e-commerce. O crescimento de 3,5% estimado para o setor em 2019 pouco se assemelha aos 7,5% que constavam na previsão da empresa eMarketer divulgada no último quarter de 2018. Como resultado, a China não irá superar os Estados Unidos em venda de varejo em 2019 como o esperado, algo que só deve acontecer em 2021.
Não há dúvidas de que a guerra comercial entre as duas potências contribui de forma significativa para essa desaceleração, uma vez que os mercados ficam reféns das retaliações mútuas do embate comercial. Os altos níveis de faturamento dos dois países também explicam uma certa estagnação nos percentuais de crescimento. Quanto maior o faturamento, mais difícil crescer em dois dígitos, por exemplo. Outros fatores importantes, no entanto, compõem esse cenário e indicam que os mercados mais maduros estão cada vez mais competitivos e, portanto, mais saturados, enquanto os mercados emergentes seguem em uma trajetória de ascensão e repleta de oportunidades.
Para o presidente da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), Maurício Salvador, os diferentes níveis de maturidade do e-commerce nos países ajudam a explicar essa inversão nas curvas de crescimento. “Os mercados mais maduros, principalmente o do Estados Unidos e os da Europa, já têm uma penetração alta do e-commerce na população. Não existem muitos novos consumidores entrantes, diferentemente do Brasil”, ressalta.
Salvador destaca o crescimento exponencial do número de brasileiros com acesso à internet nos últimos anos como uma das alavancas do crescimento ininterrupto do e-commerce no Brasil. “A penetração da internet no Brasil está na faixa de 50% da população e ainda existem muitos brasileiros que vão começar a acessar a internet. Dentro dos que já acessam, há um volume muito grande que nunca comprou. Com esses novos entrantes, nós estimamos 4 milhões de novos consumidores por ano. Eles ajudam o crescimento do [e-commerce do] Brasil ser elevado”, explica.
Há motivos para acreditar que esse caminho de prosperidade vai se manter. O e-commerce brasileiro não foi negativamente afetado nem pela maior recessão econômica do país de 2014 a 2016, nem por um de seus períodos eleitorais mais turbulentos da história. A ABComm espera um incremento de 16% no e-commerce brasileiro em 2019 em comparação com 2018.
Diante da retração do crescimento do e-commerce e das vendas de varejo online em grandes potências, os holofotes tendem a se voltar para os mercados emergentes, como o Brasil. Trata-se de um terreno próspero para investidores que decidem por explorá-lo, e esse não é um cenário tão recente. Nos últimos anos, os e-commerces que apostaram em um mercado em expansão, menos competitivo e sem sinais de saturação têm, hoje, muito o que comemorar.
Quem viu essa oportunidade?

No início da década, quando o e-commerce começava a colecionar números expressivos no Brasil, o CEO e co-fundador da Mobly, Victor Noda, identificou uma oportunidade: abrir uma loja de móveis 100% online. Não foi uma tarefa simples. O primeiro grande desafio foi convencer a indústria a acreditar no potencial de uma loja totalmente virtual de mobiliário. A aposta no modelo cross-docking – no qual a empresa adquire o produto após o consumidor comprá-lo pelo site –, até então pouco conhecido no Brasil, mostrou-se viável. Os canais de marketing e comunicação disponíveis na época, ainda muito incipientes, foram sendo aprimorados no decorrer da empreitada. E ela deu certo.
Hoje, com quase 10 anos de história, a Mobly é nome cativo na lista dos e-commerces brasileiros mais bem sucedidos no mercado. A marca faturou aproximadamente R$ 300 milhões em 2018, um número 50% superior ao registrado em 2017, e espera repetir esse feito em 2019.
O termo inovação resume a trajetória da Mobly. Aos poucos, ela conseguiu desenvolver estratégias para driblar a resistência do brasileiro a comprar móveis sem tocá-los. Para Victor Noda, o sucesso da marca é fruto das contrapartidas vantajosas que oferece, como a grande de variedade de produtos disponíveis, a comodidade de comprar de qualquer lugar do Brasil com formas de pagamento facilitadas (cartão de crédito, boleto e financiamento) e uma experiência de compra instigante, com sugestões de ambientação personalizada para o perfil do consumidor.
“Acreditamos que nossos principais diferenciais são a nossa capacidade de inovação e velocidade para implementarmos as estratégias e mudarmos o rumo das iniciativas. Isso nos dá uma vantagem competitiva grande para estarmos sempre à frente das tendências e sempre um passo à frente em termos de eficiência”, destaca Noda.
Ainda que a venda de varejo online no Brasil tenha que avançar em alguns pontos – a maioria das pessoas ainda compra no mundo físico –, Noda sublinha que o mercado atingiu um ponto de maturidade do ponto de vista de oferta para os clientes. “Existem players grandes em todas as verticais, grandes marketplaces que já atuam no modelo omnichannel e um mercado de meios de pagamento bem desenvolvido”, afirma. Caberia aos e-commerces, então, desenvolverem estratégias para ganhar cada vez mais confiança dos brasileiros que ainda estão se acostumando com a ideia de comprar online. E, como vimos, essa parcela de consumidores potenciais cresce a cada ano.
Nesse ponto, a Mobly também está avançando e acaba de abrir sua primeira loja física. “Abrimos um guide shop, com os produtos expostos, mas cuja experiência de compra é 100% digital. Assim, podemos passar a confiança para nossos clientes de que somos uma empresa séria, de produtos de qualidade e, ao mesmo tempo, mostrar todos os nossos diferencias de proposta de valor ,que só são possíveis graças à tecnologia”, destaca Noda.
Esse cenário promissor e, ao mesmo tempo, desafiador do mercado de varejo online no Brasil não foi identificado apenas pelos e-commerces nacionais. Em janeiro de 2019, a maior varejista digital do mundo, a Amazon, promoveu uma ampliação sem precedentes de seus serviços no Brasil. A empresa passou a vender outras 11 categorias de produtos no país e criou um Centro de Distribuição de mercadorias com um tamanho equivalente a 10 campos de futebol na região da cidade de São Paulo, o maior da empresa na América do Sul. Essa expansão também veio acompanhada de uma série de reformulações para se adequar ao perfil consumidores brasileiros. Assim que lançou o empreendimento, a Amazon iniciou o processo de implementação de métodos de pagamentos locais, como o boleto e o parcelamento do pagamento.
A vez do Brasil
Além de ser o maior mercado da América Latina, como mais de 200 milhões de pessoas, o Brasil vem se consolidando como um pólo promissor do mercado de varejo online. Com uma classe média cada vez mais expressiva e uma população mais conectada à internet, o país foi palco para o crescimento exponencial de diversos e-commerces que apostaram em suas características e se adaptaram à cultura do consumidor brasileiro.
O país ganha ainda mais destaque em um momento de desaceleração das grandes potências, afetadas tanto pela guerra comercial como pela saturação e competitividade exacerbadas de seus mercados. Hoje, olhar atentamente para a trajetória e as projeções de crescimento do Brasil é mais do que uma opção: é um passo em direção ao crescimento.