O motivo não poderia ser pior, mas para algumas empresas a pandemia da COVID-19 foi um catalisador dos negócios. Aplicativos de delivery, serviços de streaming e fabricantes de computadores são alguns dos setores que viram a demanda crescer vertiginosamente nesse período. A Vittude, plataforma de terapia online e educação emocional, também.
Em maio, a Vittude completou cinco anos de existência tendo crescido 540% em 2020 em relação ao ano anterior. E a previsão é repetir o desempenho em 2021. A healthtech, que em 2019 recebeu um aporte de US$ 1,2 milhão liderado pela Redpoint eventures, está em um novo processo de captação de recursos e, por isso, não revela valores absolutos.
Boa parte do crescimento da Vittude no ano passado veio da oferta de produtos a outras empresas, cuja procura explodiu. “Tínhamos, antes da pandemia, 8 ou 9 clientes corporativos”, relembra Tatiana Pimenta, cofundadora e CEO da Vittude, em entrevista ao LABS. “Hoje, a gente já tem 130 e segue crescendo. Nosso pipeline já está passando dos 500 clientes, dos mais variados segmentos.”
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O medo da contaminação pelo coronavírus e as angústias derivadas da pandemia tiveram um impacto significativo na saúde mental dos brasileiros. “A OMS [Organização Mundial da Saúde] já dizia que a depressão seria a doença mais incapacitante do mundo em 2020, só que agora está num nível insustentável”, diz Tatiana, após apontar alguns indicadores para sustentar sua afirmação, como o recorde de 576,6 mil afastamentos por transtornos mentais e comportamentais de 2020, segundo o INSS, e um estudo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) que detectou um aumento de 80% nos casos de depressão durante o isolamento social.
A pandemia fez com que a gente piorasse do ponto de vista emocional e aí a demanda por tratamento passou a ser mais importante. Não se fala de outra coisa, né? As pessoas passaram a falar mais de saúde mental e esse tema está na pauta, está na mesa da maioria dos CEOs.
Tatiana Pimenta, cofundadora e CEO da Vittude
A Vittude atua em duas frentes. Uma delas é o da psicologia online, disponível a pessoas físicas (B2C), que ainda representa a maior fatia da operação com 20 mil usuários/pacientes, e a empresas, que contratam a startup para oferecer o serviço de psicologia online a seus funcionários na forma de benefício. Atualmente, são 450 mil vidas cobertas, de funcionários e dependentes.
A outra frente, essa exclusiva para o público corporativo, é o que Tatiana chama de “pilar de educação emocional”. Consiste em uma espécie de consultoria de bem-estar dos funcionários e sempre precede a oferta das sessões de terapia a eles.
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“Vendemos todo um conjunto que envolve o diagnóstico de saúde mental. Temos uma equipe que mapeia como está a saúde e a qualidade de vida daqueles colaboradores”, explica. Desse estudo sai um plano de ação que contempla medidas para aliviar o estresse dos funcionários, como redistribuir tarefas e sugerir novas contratações a fim de reduzir a sobrecarga de determinada equipe.
Os perrengues que muitos passaram e ainda passam para aguentar a pandemia, uma situação que por vezes lembra o fim dos tempos, ajudaram a demonstrar o valor da terapia na vida de qualquer pessoa, mas Tatiana diz que ainda é preciso muito trabalho de conscientização.
Tecnologia na vanguarda da saúde mental
Quase metade da clientela corporativa da Vittude, composta por cerca de 130 empresas, é de empresas e startups de tecnologia. A adoção do benefício também é maior entre esse público. Na média geral, 15% das vidas cobertas pela Vittude fazem uso do benefício. Entre os funcionários de empresas de tecnologia, esse percentual ultrapassa 20%.
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Para Tatiana, a explicação desse fenômeno é que, nesse setor, os gestores já entendem há muito tempo que o cérebro dos funcionários é o maior ativo que eles têm: “[Em uma empresa de tecnologia] Você não tem estoque, não tem fábrica, não tem nada. É a cabeça das pessoas.” E tem a competição por talentos, que é ferrenha devido à escassez de mão de obra especializada, o que gera pressão para a oferta de mais atrativos para atrair e reter esses raros profissionais.
Ela vê, porém, uma diversificação crescente nos setores que procuram a Vittude para oferecer psicólogos a seus funcionários. “São empresas extremamente conscientes. A Vittude é uma ferramenta dentro da caixinha de soluções delas”, diz, referindo-se a programas mais amplos de saúde geral e mental que startups e grandes empresas já haviam iniciado antes da pandemia.
Mesmo os mais céticos acabam sem argumentos quando confrontados por aquele que, no ambiente corporativo, muitas vezes é o que encerra discussões: dinheiro. “Eu diria que são as empresas mais inteligentes do mercado, porque elas se atentaram que saúde mental é dinheiro”, diz. Tatiana afirma ter clientes cujo retorno sobre o investimento na Vittude é superior a oito vezes. “Eu costumo dizer: se você não está preocupado com as pessoas, se preocupe com o lucro da empresa, pelo menos.”
Uma área de atenção na Vittude é a luta contra a estigmatização da terapia. “Esse trabalho de conscientização é constante e uma das nossas fortalezas”, diz. Recentemente, a Vittude lançou um podcast, o Terapeutizados, em que ela entrevista executivos — na primeira temporada, já no ar, todos homens.

“A gente percebe que tem um preconceito ainda maior no público masculino. Oitenta por cento do nosso público, que faz consultas, é de mulheres. Os homens têm tantos problemas de doenças mentais quanto as mulheres, inclusive o número de suicídios entre homens é maior, mas eles buscam menos ajuda”, justifica-se.
Tatiana já conversou com executivos de startups como Olist, RD e Pipefy, todos há muito tempo pacientes de terapia, na esperança de diminuir o preconceito ao abordar o assunto com naturalidade com homens bem-sucedidos.
Eu faço terapia há mais de nove anos, aí as pessoas perguntam ‘Por quê? Você está com algum problema?’, e eu penso ‘Você não tem nenhum problema?’ Queremos mostrar que terapia é normal, que está ligada à alta performance, com você produzir mais, ao sucesso.
TATIANA PIMENTA, COFUNDADORA E CEO DA VITTUDE
Para Tatiana, a Vittude cumpre um papel que outras empresas, como a XP, já trilharam em outra área que também era estigmatizada e restrita até poucos anos atrás, a de investimentos. “Antigamente as pessoas não estavam na bolsa. A XP fez um trabalho muito legal de educar as pessoas, de dizer que a bolsa era um lugar onde as pessoas poderiam estar. A gente acredita que na psicologia é a mesma coisa. Se eu não educar as pessoas e mostrar a elas que bem-estar é importante, que saúde mental é importante, elas não vão se cuidar. Primeiro, elas precisam saber o que é.”
Um mercado enorme
A Vittude tem outra iniciativa de conteúdo para consegui r clientes no segmento B2C: a produção de conteúdo em texto, publicado em seu próprio site. “A Vittude é líder hoje em América Latina na produção de conteúdo”, afirma Tatiana. Em 2020, mais de 37 milhões de usuários únicos passaram pelo site da healthtech, atraídos por materiais bem produzidos sobre todos os temas imagináveis relacionados à saúde mental, como explicações de doenças como a depressão e remédios. Uma fração desse público acaba convertida em cliente.
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Apesar da afirmação da CEO englobar toda a América Latina, a Vittude atua exclusivamente no Brasil e não tem planos de expansão. “O Brasil é um mercado gigantesco e com potencial. Três em cada dez brasileiros têm algum transtorno mental diagnosticado, sem contar quem nunca recebeu um diagnóstico”, explica Tatiana.
No mercado corporativo, que atualmente concentra boa parte dos esforços dos 52 funcionários da Vittude, “o caminho é muito grande”, segundo ela. Naquele pipeline das empresas que estão negociando a contratação da healthtech, há algumas de grande porte, empresas que, considerando os dependentes, chegam próximas a meio milhão de vidas cobertas.
Antes de aventurar-se pela América Latina e no espanhol, portanto, a Vittude quer crescer mais no Brasil. Não que o idioma seja um entrave. Muitos dos seus 800 psicólogos cadastrados são poliglotas e atendem funcionários de empresas brasileiras que estão fora do país e falam outro idioma. A lista de espera dos psicólogos parceiros está com 15 mil inscrições e precisou ser fechada temporariamente. O processo de seleção é feito com a ajuda de inteligência artificial, que atribui uma pontuação baseada em 15 critérios, como formação, experiência clínica e títulos. “Chamamos para entrevistas menos de 3% dos [psicólogos] inscritos”, diz, com o intuito de manter um nível de excelência elevado.