A pandemia de COVID-19 afetou praticamente todos os setores da economia. A maioria sofreu impactos negativos, com o fechamento de estabelecimentos físicos em função das medidas de isolamento e o consequente tombo no faturamento, mas alguns setores, aqueles posicionados para suprir as demandas de um estilo de vida mais digital e estacionário, cresceram fortemente.
Foi o caso da brasileira VTEX, que nesta segunda (28) coroou o bom momento com o anúncio do recebimento de um aporte série D de R$ 1,25 bilhão liderado pela Tiger Global e pela Lond Pine. Com ele, a empresa foi avaliada em US$ 1,7 bilhão, tornando-se o mais novo unicórnio brasileiro.
Fundada em 2000, a VTEX é uma empresa de tecnologia que oferece soluções para simplificar a comercialização de produtos — em outras palavras, faz todo o meio-campo entre lojas e consumidores. Seu software, usado por varejistas e marcas que desejam vender diretamente ao consumidor, integra diferentes etapas da jornada de compra e contempla múltiplos canais de venda — e-commerce, loja física, televendas e marketplace, entre outros.
“Apesar de sermos uma empresa de tecnologia, conhecemos muito da parte do negócio, porque só assim evoluímos a nossa tecnologia”, destaca Rafael Fortes, presidente da VTEX, em entrevista cedida ao LABS antes do anúncio do novo aporte.
Ao todo, os investimentos na VTEX já somam US$ 2 bilhões. Em novembro de 2019, o fundo para a América Latina da japonesa SoftBank investiu US$140 milhões na empresa.
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O efeito da pandemia na VTEX
Na época, a VTEX anunciou que investiria o então novo dinheiro em inteligência artificial e em sua expansão internacional. Veio a pandemia e, apesar dos desafios inesperados que ela impôs, a VTEX não só manteve aqueles objetivos, como conseguiu aproveitar a oportunidade surgida com as pessoas passando mais tempo dentro de casa e mais dependentes da internet.

Nesses últimos 4–6 meses, a VTEX teve um crescimento exponencial bastante impulsionado pela pandemia
Rafael Fortes, presidente da VTEX.
Apesar disso, ele faz questão de destacar que não gostaria que estivéssemos passando por isso. “É uma lástima”.
A plataforma de comércio eletrônico da VTEX cresceu 98% durante a pandemia e a expectativa é fechar 2020 com um aumento de 114% ano a ano no volume bruto de mercadorias (GMX), alcançando o valor recorde de US$ 8 bilhões.
A VTEX se considera uma multinacional. Em 2020, a empresa passou a marca de 3 mil clientes espalhados em mais de 40 países, e cerca de metade do seu faturamento já vem de fora do Brasil.
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Parte do investimento da Softbank está sendo gasto nessa frente, em especial na contratação de executivos nos Estados Unidos para ampliar a presença da empresa lá. Embora o volume de novos contratos nos EUA não seja muito alto, segundo Santiago Naranjo, presidente da VTEX Latam, a empresa conseguiu contratos com grandes companhias, como Motorola e AB InBev, o que tem trazido um aumento expressivo no volume de transações.
Desafios e oportunidades da América Latina
Outra região que tem recebido atenção especial da VTEX é a América Latina. Excluindo o Brasil, maior mercado da empresa, os vizinhos latinos já respondem por cerca de 22% do faturamento total. Recentemente, a VTEX anunciou que investirá US$ 20 milhões na região, com foco em países como México, Argentina e Chile.
O comércio online cresceu muito na região durante a pandemia e há sinais de que esse cenário será duradouro. Em países como Argentina, Colômbia e Chile, Naranjo diz que a fatia das vendas no digital das lojas saltou de 4%–5% para até 90% nas semanas mais rígidas de isolamento social, e que agora, com a reabertura gradual da economia, o digital não voltou ao volume de antes. Em vez disso, está estabilizando em 20%–25% do total. Esses dados se referem a todo o comércio dos países, não só aos clientes da VTEX.

Temos esse ‘novo normal’, em que o e-commerce cresceu muito
Santiago Naranjo, presidente da VTEX Latam.
“O aumento na quantidade de pedidos de uma semana para outra foi muito alto e tínhamos de estar lá para os nossos clientes”, lembra Santiago. “Foi uma crise econômica, mas também uma crise social. O único canal de vendas que eles tinham para manter o fluxo econômico, para não fechar, era o digital, e eles confiaram em nós. Trabalhamos feito loucos, mas felizes porque nossos clientes puderam manter seus negócios”.
Santiago explica que a partir do investimento feito na América Latina serão criados hubs locais que atuarão na resolução dos problemas específicos de cada país, como entraves logísticos e parte tributária. Na Argentina, exemplifica, o segundo maior mercado da VTEX, a prioridade é atualizar a base de clientes para tecnologias mais recentes.
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“Alguns clientes podem estar usando tecnologia de dois anos atrás; queremos migrá-los para o melhor da VTEX”, diz Santiago. “Cada um desses países tem suas especificidades, e é por isso que estamos investindo em cada um deles”.
Além de atacar problemas específicos de cada país, Santiago e Rafael também enxergam problemas continentais aos quais a VTEX pode contribuir para uma solução. Rafael cita a logística, em especial a chamada “última milha”, ou seja, aquele trecho final antes do produto chegar às mãos do consumidor, como um desses. A falta de infraestrutura e de soluções inteligentes eleva os custos da entrega dos produtos.
“A gente criou no Brasil o VTEX Log, uma solução de logística que procura baratear o custo da última milha para nossos clientes, e adquirimos uma empresa chamada dLieve, que tornou-se VTEX Tracking, que faz o rastreamento em tempo real da última milha e permite que o consumidor converse com o entregador para que ele tenha uma experiência melhor, sem o desencontro de não ter quem receba [o produto] em casa”, diz o executivo. “Logística é tudo”, emenda Santiago. Para ele, há espaço para tornar as entregas mais eficientes e baratas na região.
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A inteligência artificial, outra área-chave impulsionada pelo investimento da SoftBank, já está gerando resultados para os clientes. Graças a um novo motor de busca de produtos potencializado pela aquisição da Biggy, em maio deste ano, Santiago diz que em alguns clientes já convertidos ao novo motor a taxa de conversão de vendas chegou a triplicar. No primeiro trimestre de 2021, a VTEX pretende lançar uma ferramenta de recomendação de produtos complementar e baseada nesse mesmo motor de IA.
A VTEX parece confiante de que a América Latina ainda tem muito potencial a ser explorado. Rafael diz que capacitar profissionais digitais daqui é um dos objetivos da empresa.
O profissional latino-americano tem uma qualidade incrível. Estamos investimento em capacitar talentos digitais daqui para servir ao mundo, não só localmente
Santiago Naranjo, presidente da VTEX Latam.
Santiago aponta, por exemplo, que o comércio “cross-border”, ou seja, entre os países do continente, ainda é pouco explorado e pode ser facilitado com políticas tributárias que fomentem essas relações comerciais, como ocorre na Europa.
A visão ultrapassa oceanos: “Temos incentivado nossos clientes a venderem em outros mercados”, diz Rafael. Para ele, o real brasileiro desvalorizado é um incentivo a mais para que empresas brasileiras vendam ao exterior “com um preço atraente e uma margem de lucro grande”, mas ele estende esse objetivo aos demais países latino-americanos. “Você vê a China ‘invadindo’ a América Latina, vendendo via AliExpress; por que a gente não pode ‘invadir’ a China vendendo produto brasileiro? Produto colombiano, argentino, chileno?”
O investimento mais recente, de R$ 1,25 bilhão, deverá ser gasto com aquisições, contratação de talentos adicionais, inovação na plataforma e aceleração do crescimento nos mercados dos EUA, Europa e Ásia-Pacífico.
Tudo isso em paralelo a outros investimentos mais específicos, como os em curso desde o aporte da SoftBank, e apesar de atuar em múltiplas frentes, a VTEX tem uma obsessão, um foco, que é ajudar seus milhares de parceiros a venderem mais e melhor. “Somos muito focados”, afirma Rafael. “Não queremos ficar abrindo novas frentes porque sabemos que o nosso propósito é nesse nicho. Queremos ser cada vez mais especializados no nosso nicho transacional”.