No final do ano passado, mudanças no boleto bancário começaram a ganhar os noticiários e a preocupar donos de negócios que ofereciam esse método de pagamento a seus clientes. A princípio, adequações às novas regras deveriam ser feitas a partir de março, mas foram adiadas para a metade do ano. E desde o dia 10 de julho está em vigor no Brasil a Nova Plataforma de Cobrança de boletos bancários, organizada pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) em conjunto com a rede bancária do país, com o objetivo de modernizar este sistema criado há 24 anos.
A adaptação ao novo modelo está sendo feita em etapas: desde 10 de julho, apenas boletos com valor igual ou superior a R$ 50 mil estão sendo inscritos na Nova Plataforma de Cobrança. A partir de 11 de setembro, boletos com valor igual ou superior a R$ 2 mil. No dia 9 de outubro, começam a entrar aqueles com valor igual ou acima de R$ 500. No dia 13 de novembro, valor igual ou acima de R$ 200 e, a partir de 11 de dezembro, todos os boletos deverão ser inscritos no programa.
Mas o que é essa Nova Plataforma de Cobrança e como ela vai impactar o comércio e o fluxo de pagamentos? O que, exatamente, muda para as empresas e pessoas que vendem produtos e/ou serviços e oferecem o boleto bancário como um método de pagamento para seus clientes? E para os consumidores, qual será a diferença?
Para responder a essas perguntas, vamos recapitular como era o sistema de boletos bancários antes de a Nova Plataforma de Cobrança entrar em vigor.
Como era antes? O que é um boleto registrado e não registrado?
Do ponto de vista do vendedor ou prestador de serviço (empresa ou pessoa) que oferecia o boleto como forma de pagamento, o que se via até o início de julho, antes de a Nova Plataforma de Cobrança começar a funcionar, era o seguinte: ao pedir a emissão do boleto no banco de sua preferência, ele podia pedir também a inscrição desse boleto nesse banco. Isso faria com que o documento ficasse registrado na instituição.
A diferença entre os boletos inscritos e não inscritos – ou registrados e não registrados – no banco tratava do controle que o próprio banco tinha sobre o documento: os registrados entravam no radar da instituição no momento do registro, enquanto os não registrados só eram conhecidos no momento do pagamento. Ambos podiam ser quitados em qualquer lugar credenciado antes do vencimento e apenas em agências do banco emissor após essa data, já que apenas esse banco teria as informações necessárias para calcular taxas e juros resultantes do atraso.
Como será a partir de agora?
A partir de agora, os boletos vão integrar a Nova Plataforma de Cobrança, um sistema compartilhado pelos bancos participantes do projeto que centraliza os boletos emitidos por essas instituições. Assim, um banco poderá obter informações sobre boletos emitidos por outro.
Para que essa centralização aconteça, as empresas/pessoas prestadoras de serviços ou vendedoras de mercadorias que oferecem esse método de pagamento deverão informar o banco com o qual têm convênio sobre os boletos emitidos e sobre quem serão os pagadores. Em outras palavras, passarão a emitir apenas boletos registrados. Assim, irão coletar o CPF ou CNPJ do cliente e passar ao banco, que, por sua vez, vai alimentar a central.
É por causa dessa centralização que os consumidores poderão pagar os boletos vencidos em qualquer ponto de recebimento, e não apenas em agências do banco emissor, como era até então. Ao receber um boleto vencido de outro banco, a instituição financeira poderá acessar a Nova Plataforma de Cobrança e calcular as taxas e juros decorrentes do atraso de acordo com as regras do banco emissor.
Então o cliente poderá pagar o boleto quando quiser e meu negócio terá que garantir o produto/serviço?
O que está gerando muita confusão para vendedores online e prestadores de serviços online é justamente a possibilidade que os consumidores terão de pagar boletos vencidos em qualquer local credenciado. Muitos e-commerces estão pensando que os clientes poderão gerar boletos em seus sites e pagá-los quando quiserem – dias, meses ou até anos depois do vencimento -, obrigando esses e-commerces a atender aos pedidos a qualquer momento em que se constate o pagamento desses boletos.
Esse pensamento está errado por uma questão bem simples: a espécie de boleto com a qual e-commerces trabalham é o Boleto de Proposta (também chamado de Boleto de Oferta), segundo regulamentação do Banco Central do Brasil. Essa espécie apresenta uma proposta ao consumidor, de produto ou serviço. Ao quitar esse tipo de boleto, o cliente está aceitando essa proposta. O não pagamento até a data de expiração significa a não aceitação e torna esse boleto descartável, não implicando na inserção desse cliente em cadastros de restrição ao crédito, nem tampouco na obrigação do e-commerce de manter a reserva do produto ou serviço.
Levando isso em conta e pensando em uma loja online de roupas, por exemplo, temos o seguinte cenário: se um cliente não paga até o vencimento um boleto gerado para a compra de uma camiseta, significa que ele/ela não quer mais adquirir a camiseta. Ao constatar que o pagamento não foi efetuado, o e-commerce não envia o produto. Se, por ventura, o cliente voltar atrás e resolver comprá-la, basta entrar novamente no site e gerar um novo boleto, com uma nova data de expiração.
Este cenário difere bastante do cenário do Boleto de Cobrança, a outra espécie prevista na regulamentação do Banco Central do Brasil. Este é destinado ao pagamento de dívidas já contraídas, decorrentes de obrigações. Não respeitar sua data de vencimento implica em multas, juros e até mesmo cortes dos serviços ou retenção dos produtos. Esse boleto é usado para cobranças de energia elétrica, água e cartão de crédito, por exemplo.
Vou gastar mais por emitir apenas boletos registrados no banco?
Como o boleto sem registro só é conhecido pelo banco quando é quitado, o beneficiário (vendedor ou prestador de serviço) só paga a taxa dos que foram liquidados. Já no caso do boleto registrado, o beneficiário deve pagar algumas taxas antecipadamente, como o próprio registro e a baixa de títulos, mesmo que esse boleto não seja pago posteriormente. O valor de cada uma dessas taxas varia de banco para banco.
Mas essa é uma questão que pode ser negociada: muitas empresas conseguem acordos com as instituições para emitir boletos registrados pagando apenas pelos que forem liquidados, por exemplo.
Todos os boletos não pagos antes do vencimento serão protestados com a Nova Plataforma de Cobrança?
Não. Boletos não pagos antes do vencimento só serão protestados se assim quiser o beneficiário. Muitos têm confundido o registro no banco com o registro em cartório, mas eles não são a mesma coisa. Quando é desejo do beneficiário protestar um boleto não pago, ele pode fazê-lo, levando a pessoa que não pagou a entrar para as listas dos órgãos de proteção ao crédito. Essa possibilidade já existia antes da criação da Nova Plataforma de Cobrança e continuará existindo.
Os bancos ainda vão emitir boletos não registrados?
Sim. De acordo com a cartilha sobre a Nova Plataforma de Cobrança, material criado pela Febraban, boletos não registrados poderão ser emitidos eventualmente, desde que isso seja acordado entre o beneficiário e o banco emissor. Mas um ponto importante deve ser levado em conta: com essas modificações, boletos não registrados só poderão ser pagos em agências do banco emissor, mesmo antes do vencimento.
Uma das intenções com o novo sistema, segundo a Febraban, é reduzir a incidência de fraude. Toda vez que um cliente for pagar um boleto, seja pessoalmente ou pelo internet banking, o banco irá cruzar as informações contidas no documento com as que estão na central. Se os dados não baterem ou não existirem na Nova Plataforma de Cobrança, das duas, uma: ou o boleto não é registrado ou foi fraudado. Em ambos os casos, é necessário que se vá a uma agência do banco emissor.