Cena do documentário do documentário sobre o diretor Hector Babenco
Trecho do filme "Babenco, Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou". Foto: Divulgação
Sociedade

Filme sobre o cineasta Hector Babenco, candidato do Brasil ao Oscar 2021, retrata um 'coração que não queria parar de bater'

Estreia de Bárbara Paz na direção, o documentário Babenco - Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou concorre a uma vaga entre os indicados de melhor filme internacional e melhor documentário. Paz conversou com o LABS sobre a expectativa

Read in english

“Decidi contar essa história para poder esquecer”, diz o cineasta argentino-brasileiro Hector Babenco em seu filme-testamento, dirigido por sua viúva, Bárbara Paz. O renomado cineasta morreu em 2016, aos 70 anos, vítima de um câncer. O primeiro filme de Paz, Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou foi oficialmente anunciado como candidato participante de duas categorias do Oscar nesta quinta-feira (28) pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. O filme poderá concorrer em duas categorias: Melhor Documentário e Melhor Filme Internacional. Entre os selecionados, 15 filmes serão escolhidos para cada categoria do Oscar no dia 9 de fevereiro. 

Breath, Keep breathing

O filme, que começa com cenas com água, gotas e a música do Radiohead Exit Music (For A Film) é também um documentário poema, que mistura cortes de famosos filmes do Babenco, como Pixote e O Beijo da Mulher Aranha com cenas cotidianas da vida do casal, e propõe uma imersão afetiva na vida de Babenco durante sua luta contra a morte. Férias em Paris com ida repentina ao hospital. Remédios, tratamento, até mesmo as alucinações do cineasta sob efeito de medicamentos em uma cama de hospital, descrevendo a realidade de seus sonhos para sua companheira, que, em uma cena, dança na chuva ao som de Singin in The Rain enquanto Babenco a filma. 

Bárbara Paz estreia na direção com documentário sobre Hector Babenco
Bárbara Paz estreou na direção com documentário sobre seu marido, o cineasta Hector Babenco. Foto: Felipe Hellmeister/Divulgação.

Em uma conversa com o LABS, a diretora Bárbara Paz explicou o título do filme, as escolhas de fotografia, frases de Babenco no documentário como “J’aime le marginal” e “Decidi ficar no Brasil porque acho que o Brasil é um país em que a realidade supera a ficção em uma proporção muito maior do que na Argentina”, além do crowdfunding para juntar dinheiro para a campanha publicitária ao Oscar, disponível aqui

LABS – O nome do filme, a princípio, era Corredor Polonês. Por que mudou?

Bárbara Paz – Sim, já passou por vários títulos. O título é algo sempre muito difícil de chegar. É muito interessante que quando chegou “Babenco, Alguém tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou” vimos que era esse título, não tinha outro.

Começou como Corredor Polonês porque foi logo quando eu inscrevi o projeto na lei [de incentivo]. Eu estava fazendo um projeto independente e um dia o Hector disse que era melhor eu inscrever o filme porque estava gastando muito meu dinheiro. Isso foi um pouquinho antes de ele partir. E para se inscrever tinha que ter um título no projeto. E ele sempre falou que a vida dele tinha sido um corredor polonês porque ele sempre levava tanta porrada, tanto que uma frase do filme é “depois do sucesso, sempre vem a tempestade”. Aí pensamos que corredor polonês era um título bonito. 

Mas ele achava que não era um título bom para marketing. Quando ele partiu era esse o título ainda. No decorrer da montagem, a Maria Camargo, roteirista, ligou para mim e perguntou o que eu achava de “Babenco: Alguém Tem que Ouvir o Coração”. Eu falei: mas a frase é “E dizer: Parou”. Aí ela disse que achava que ficava muito grande, mas eu disse que grande é lindo. Sempre quis fazer um filme com um título grande, eu adoro. Eu adoro um do Roy Andersson “Um Pombo Pousou num Ramo a Refletir na Existência“, é lindo. 

LEIA TAMBÉM: Como a América Latina vem tratando suas minorias étnicas e raciais

O nome também já passou por “Um homem que sonhava filmes”, tiveram vários. Mas o que ficou mesmo no projeto foi o corredor polonês. Mas, por exemplo, o primeiro título do Pixote era “O Mundo é Redondo Feito uma Laranja“. 

Cartaz de divulgação do documentário Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou. Foto: Divulgação

LABS – E para você o que significa esse título?

Bárbara Paz – Esse é o filme da vida dele. Realmente ele faleceu assim. O coração dele não queria parar. Ele teve quatro paradas cardíacas. Isso foi muito surreal, porque quando a gente se deparou com essa frase que ele falou para mim em determinado momento, fiquei chocada porque realmente aconteceu do jeito que ele falou que iria acontecer. Uma intuição muito forte. “Quando chegar a hora, meu coração vai parar, mas ele não vai querer parar de bater”, ele disse. E aconteceu isso, quatro paradas em uma noite é muita coisa. Para mim o título significa tudo. 

LABS – Por que vocês decidiram fazer um crowdfunding?

Bárbara Paz – A gente não teve nenhum feedback dos órgãos públicos a não ser a SPcine, que é a nossa parceira desde o início. É o único órgão público que está com a gente, fora nossos co-produtores Globo Filmes, Canal Brasil e Itaú. Da Ancine a gente não teve nenhum retorno. 

A gente já esperava que o governo não desse um feedback porque a cultura está sendo muito apedrejada no país nesse momento. Como todo artista, a gente não vai se paralisar, não é por causa de um órgão público que a gente vai deixar de fazer a campanha, então o crowdfunding foi uma ideia minha de vender algumas coisas [para arrecadar dinheiro para o filme]. A gente tem um livro, além do filme fiz um livro sobre o Babenco, a gente também vende o filme, é uma mercearia de coisas (risos). 

A gente vende as caixas dos filmes do Hector, vendemos obras de arte que vários artistas doaram para a gente para a campanha. É muito interessante ver como o povo brasileiro, principalmente do audiovisual brasileiro, as pessoas que amam cinema estão ajudando cada um no que pode. 

Para a campanha, a gente está falando de dólar, e é tudo muito caro, cinco vezes mais que o nosso dinheiro. É uma campanha gigantesca, que ainda não tem um distribuidor americano porque foi uma coisa muito inesperada e muito rápida, já era final de novembro quando foi escolhido pelo Brasil para representar o país no Oscar. 

A nossa meta no crowdfunding nesse momento é arrecadar R$ 200 mil e na segunda etapa mais R$ 300 mil. São R$ 500 mil, mas são US$100 mil. Dá para comprar alguns anúncios só. Mas a gente consegue, nesse pouco tempo estamos nos melhores veículos de mídia, estamos fazendo Q&A, estamos na corrida até chegar à shortlist. Temos de torcer para que pelo menos o filme seja visto. A gente sabe que é muito difícil uma campanha, são muitos filmes, muitos filmes maravilhosos. Eu tenho visto filmes incríveis no mundo todo, mas a gente tem que tentar. 

Eu fiz esse filme como uma colcha de retalhos feita à mão. Eu comecei fazendo com o meu dinheiro, depois tive apoiadores com meus co-produtores mas tudo muito pouco. Eu estou terminando essa etapa do filme do Babenco como eu comecei, pegando um pedacinho dali, pedacinho daqui e fazendo esse filme poema. É um filme feito de dentro. O crowdfunding está aí disponível além dos filmes do Hector e poster dos filmes. Quem puder ajudar será muito bem vindo. 

LEIA TAMBÉM: Por que a renda básica emergencial é tão necessária na América Latina

LABS – No filme o Babenco falava “os argentinos acham que sou brasileiro e os brasileiros acham que sou argentino”. Como você vê isso?

No Brasil achavam que ele era argentino e na Argentina achavam que ele era brasileiro. Ele tinha essa falta de raiz própria, mas ele escolheu o Brasil para viver, ele amava o Brasil, principalmente São Paulo. São Paulo era a cidade dele, ele morou 42 anos aqui, ele fez a obra dele aqui, apesar do mundo todo, ele voltava sempre para cá. Ele achava o Brasil muito mais interessante do que a Argentina. 

LABS – O Hector falou que decidiu ficar no Brasil porque achava que o Brasil é um país em que a realidade supera a ficção em uma proporção muito maior do que na Argentina. Como você vê essa relação com a América Latina nos filmes dele?

Bárbara Paz – O Hector fazia um cinema denúncia. Desde o primeiro filme dele, tirando o documentário sobre o Emerson Fittipaldi, desde o Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia, que é um filme super denúncia de 1976, em plena ditadura militar. Ele foi muito corajoso, mesmo não sendo brasileiro, se instalou aqui e fez um filme não só como o Lúcio Flávio, mas também o Pixote, o Carandiru, e O Beijo da Mulher Aranha filmado aqui em São Paulo. Tudo cinema de denúncia, ele se considerava um cineasta marginal, ele queria falar disso. Ele achava que tinha que falar sobre isso. 

Mas nesse filme eu não explorei isso, nesse filme eu explorei bastante o Babenco. Aqui no Brasil, falar sobre drama social não é só um prato cheio, é um banquete. E um banquete, infelizmente, diário. Se você quer só explorar a sociedade à margem você consegue. Infelizmente, no nosso país, a gente ainda vive em uma “Cidade de Deus”. 

LEIA TAMBÉM: Por que a fome ainda é crônica no Brasil

Esses filmes emblemáticos como Pixote, Cidade de Deus, são um reflexo do nosso país. Grandes nomes que fizeram esses filmes, como o Hector, são reflexo do nosso país. Pixote na época não foi bem vindo. Ele fala muito no livro que o Pixote na época não foi entendido porque era um argentino falando de uma coisa que não faz parte dele, falando com os garotos de rua. E que ainda acontece. Quando vai falar no A Brincar nos Campos do Senhor, sobre a Amazônia, 30 anos depois, tem muita gente que não assistiu esse filme. Gente que não conhece a obra do Hector. Esse meu filme eu quis fazer também para que os jovens que não conheciam a obra dele tenham vontade de conhecer.

Ele fez o Lúcio Flávio e aí ele fez depois o Carandiru, que também é um cinema denúncia. Também é sobre a margem. O Brasil tem uma ramificação gigantesca cinematográfica, você enxerga todos os lados, o Brasil é cinematográfico, não é à toa que o mundo tem um olhar sobre o nosso país. Quando você vai para fora com um filme, você percebe que o mundo ama o Brasil. Ama o cinema brasileiro. Temos que dar continuidade a isso. 

LABS – E os desfoques no filme, foram propositais?
Bárbara Paz – Me fizeram essa pergunta em Veneza e aí o Julian Schnabel (pintor) disse para eu não responder isso ou porque o filme é preto e banco. As pessoas perguntam muito. Mas é porque é o filme que eu quis fazer, o desfoque é porque eu quis fazer. Muitas das cenas desfocadas são de uma lente que eu uso, para dar uma [imagem] subjetiva dele [do Babenco]. É um processo que eu quis fazer. Por que a gente tem que ter sempre limpeza? Por que o desfoque não é belo? A vida está tão desfocada? Tem tantos elementos que eu poderia falar, mas o Julian Schnabel falou para eu não explicar sobre o desfoque, que é só para sentir. O que você sentiu vendo o filme? Tem coisas que não são explicáveis. Não tem nada a ver com o [fato de ser o meu] primeiro filme, posso te dizer claramente. Tem a ver com estética, com gosto, escolhas e sensações.

Keywords