Neste fim de semana, jornalistas e correspondentes que cobrem a América Latina se debruçaram sobre as eleições presidenciais no Peru (primeiro turno) e no Equador, dois países localizados a quilômetros de distância, mas essenciais para o equilíbrio da região.
Com quase a totalidade de urnas apuradas, o ex-banqueiro Guillermo Lasso é o novo presidente do Equador. No Peru, o sindicalista e “azarão” do pleito Pedro Castilho se destaca em disputa com múltiplos candidatos e ainda não definida.
Vitória conservadora no Equador
A eleição de Lasso é uma derrota para o ex-presidente Rafael Correa (que hoje está na Bélgica, de onde sua esposa é natural, impedido de voltar ao país por processos de corrupção). Nas eleições anteriores, ele conseguiu emplacar Lenin Moreno, mas os dois acabaram se tornando inimigos políticos.
LEIA TAMBÉM: O revival tropical de expressões fascistas e nazistas
Correa é um opositor atroz da dolarização do país, não aprovou a aproximação de Moreno com Fundo Monetário Internacional (FMI) e nem viu com bons olhos o governo de Moreno enfrentar as demonstrações dos povos originários, que até hoje são símbolo de desigualdades históricas jamais superadas no país.
Neste ano, Correa apostou em Andrés Arauz, que, ao que tudo indica, perderá por cinco pontos – o que pode provocar uma cruzada para que votos nulos sejam contados. Com quase 98% das urnas apuradas, Lasso conquistou 52,5% dos votos e Arauz, 47,5%.
Lasso herda um país que foi protagonista da primeira cena de terror da pandemia do novo coronavirus na América Latina; o primeiro país a entrar em colapso funerário, onde os corpos ficavam dias nas esquinas de Guayaquil. Uma tragédia só superada agora pela brasileira, e seu número absurdo de falecimentos diários pela doença.
LEIA TAMBÉM: Equador adia pagamento da dívida e finanças latino-americanas preocupam
Lasso foi eleito pela economia (com apoio de empresários e conservadores), mas deve enfrentar o parlamento com uma minoria na Casa, e sabe-se lá que acordos terá de fazer para governar. Na Assembleia, tem apenas 12 legisladores contra 49 do correismo (como é chamado o modelo de política de Correa, que se baseia no crescimento puxado pelo investimento público e que levou, a partir da Constituição de 2008, a uma governabilidade que os cientistas definem como hiperpresidencialista e, em certa medida, vulnerável à corrupção). Olhando para o histórico político, Lasso terá de buscar a coalizão, para o bem ou para mal, ou o embate, também um pêndulo com suas limitações éticas.
Chamou a atenção que o ex-presidente argentino Mauricio Macri, antes mesmo do anúncio do vencedor, saiu em suas redes sociais comemorando a vitória de Lasso. Decerto, uma alfinetada no governo de Alberto Fernández e Cristina Kirchner, muito amiga de Correa – tão amiga que os dois foram alvo de rumores sobre um suposto romance tempos atrás. Em 2010, Correa estava presente durante o velório de Néstor Kirchner. Mas é possível que sejam apenas as mesmas línguas que já fizeram conexões românticas entre ela e o ex-ministro da economia Axel Kicillof, hoje governador de Buenos Aires, e o juiz espanhol Baltazar Garzón.
O fato é que o Equador já não mais será um aliado óbvio da Argentina. Hoje, mesmo com os problemas internos do país, costuma puxar os blocos regionais, mas não conta com os mesmos parceiros que um dia contou.
Lasso assume o comando do país de 17,4 milhões de pessoas a partir de 24 de maio.
No Peru, o azarão que chegou a cavalo
O azarão chegou a cavalo. Pedro Castilho saiu do 8º lugar para o primeiro numa votação com quase duas dezenas de candidatos. A cena de Castilho abrindo passo com o cavalo na chegada do lugar onde votaria poderia ter saído de uma novela de Gabriel García Márquez. Poderia ter acontecido em Macondo, cidade mística imortalizada pela obra do escritor. Mas não. O sindicalista, impulsionado por um voto que provavelmente não saiu de Lima, é fruto de uma eleição polarizada.
Com pouco menos de 60% das urnas apuradas até o fechamento desta coluna, não se sabe ainda quem irá para o segundo turno com Castilho. Muitos apostam em um duelo entre ele e a filha do ex-ditador peruano Alberto Fujimori, Keiko Fujimori, que está em terceiro lugar. Muitos creem que os votos dos outros candidatos iriam para ela, numa oposição ao cowboy de esquerda. Por outro lado, a rejeição a ela também é grande.
O sistema peruano vem sendo usado como espécie de drive thru lúgubre de presidentes. De 2006 para cá, a lista dos que sobreviveram a um mandato no poder não é exatamente animadora.
Em 2018, pressionado pelo Congresso, Pedro Pablo Kuczynski renunciou. Martín Vizcarra, seu sucessor, foi impeachmado no ano passado. O atual presidente, Francisco Sagasti, está no cargo interinamente desde então. Em 2019, Allan Garcia, que cumpriu um segundo mandato entre 2006 e 2011, se suicidou quando estava prestes a ser preso por suposta participação em esquemas de corrupção com a Odebrecht.
No meio de tudo isso, está Keiko Fujimori, filha do ex-ditador Alberto Fujimori, eleito em 1990 democraticamente, mas que deu um autogolpe em 1992, fechando o Congresso, entre outras maldades mais.
Em 2000, estava em Brunei quando denúncias de corrupção e crimes de lesa humanidade começaram a pesar sobre ele. Em um ato de “coragem” se demitiu via fax e foi para o Japão (onde conseguiu cidadania). Seis anos depois, ao achar que poderia concorrer outra vez à presidência, viajou ao Chile para fazer conexão de volta ao Peru. Acabou preso e extraditado porque tinha uma ordem de prisão contra ele.
Foram dezenas de idas e vindas, indutos e condenações. Em 2019, Fujimori voltou a cumprir pena em um presídio após ser condenado a 25 anos de pena por corrupção e crimes de lesa humanidade. Sob Keiko, sua filha, também pesam processos por corrupção.
Outro possível oponente para Castilho é o economista Hernando de Soto. Só saberemos mesmo quem participará do segundo turno no dia 6 de junho no fim da contagem dos votos.
O fato é que, novamente, depois de anos recentes de ebulição na América do Sul, com Equador, Chile, Peru e Colômbia passando por dezenas de protestos e insurreições populares, o ano de 2021 pode não ser um ano tranquilo politicamente. Mais uma vez, e em meio a uma crise sanitária sem precedentes, a geopolítica da região está sendo redesenhada. Observar de perto o que acontece na grama do vizinho é essencial para quem quiser entender o que pode acontecer no Brasil e na região.