A morte do americano negro George Floyd pelo policial branco Derek Chauvin no último dia 25 de maio, em Minneapolis, Minnesota, nos Estados Unidos, provocou protestos (#Justice4Floyd), fortaleceu outros movimentos existentes, como o Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), e desencadeou uma série de manifestações contra o racismo aqui também no Brasil.
O assassinato de Floyd aconteceu exatamente uma semana depois da morte do menino negro de 14 anos de idade João Pedro Mattos, durante uma operação policial no morro do Salgueiro, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro–segundo laudo cadavérico e testemunhas, ele foi atingido por uma bala nas costas, após policiais invadirem sua casa supostamente em perseguição a um traficante.
Na esteira dessas manifestações, nesta terça-feira (2), empresas, como a Sony, rádios americanas, gravadoras (Warner Music Group, Sony Music, e Universal Music Group), produtoras, e plataformas como Spotify, Apple Music, Amazon Music, e o YouTube Music aderiram ao #BlackOutTuesday.
Jamila Thomas, diretora sênior de marketing da Atlantic Records, escreveu em comunicado aos colegas da indústria da música no Instagram na sexta-feira, co-lançando a campanha #TheShowMustBePaused (“O show precisa parar”, em português) e rotulando o dia de hoje como #BlackoutTuesday. A ideia é que o dia de hoje fosse tirado para refletir, aprender e saber mais sobre como contribuir para cada movimento.
Artistas brasileiros também aderiram à campanha, entre eles Thiaguinho, Anitta, e Preta Gil.
O rapper Emicida e a cantora Drik Barbosa adiaram o lançamento da música Sementes, que ocorreria hoje, para o próximo dia 9. A música integra a campanha nacional contra o trabalho infantil deste ano no país.
“Eu passei as últimas semanas pensando na música ‘Sementes’ com a Drik Barbosa. A gente ficou imerso em um monte de dados a respeito do trabalho infantil e de como a situação da pandemia empurra uma série de famílias para as margens da sociedade. Pressionadas, essas famílias têm que colocar as crianças numa situação desumana. Mais uma vez, os abismos sociais, que a gente produz desde antes da pandemia, vão se mostrando muito mais mortais do que a pandemia em si. Quando analisamos a Covid-19, você vê que se trata de um vírus que, de fato, tem uma letalidade baixa. Os nossos abismos sociais, sim, são mortíferos. O caso dos EUA, a tragédia do menino João Pedro, a do outro menino João Vitor, a do menino David Nascimento… Este dois últimos, inclusive, mortos pelo Estado brasileiro depois do caso do João Pedro, que é uma morte extremamente recente… Não podemos nos esquecer do músico que levou os 80 tiros do exército e nem da menina Ágatha Felix. É por essas pessoas que a gente adere ao movimento de parar o show business nesse momento, “escreveu Emicida em um comunicado.
A Laboratório Fantasma, empresa capitaneada por Emicida e Evandro Fioti, disse em comunicado, que escolheu fazer parte do movimento “por entender que é urgente refletir e agir para acabar com esse sistema que exclui, oprime, invizibiliza e mata pessoa negras”. Além da nova música de Emicida, a empresa também adiou o lançamento do novo EP acústico do cantor, compositor e rapper brasileiro Rael, intitulado Capim-Cidreira (Infusão), que estava previsto para o dia 10 de junho, e a segunda parte do projeto multiplataforma de Emicida chamado de AmorElo Prisma (um mix de música, lives, podcast e outras criações do rapper). “É por Ágatha Felix, Douglas Martins Rodrigues e João Pedro. Mas também por George Floyd, por Claudia Ferreira e Marielle Franco. Também pelos 5 jovens negros que tiveram o seu carro alvejado por 111 tiros. CENTO E ONZE. Todos eles foram vítimas de uma violência racista e da postura de países que ceifam – com crueldade – a vida das pessoas que nós incentivamos a continuar sonhando por meio das nossas canções”, disse a empresa no comunicado.
O grito de basta de ativistas e artistas surge de um fato que não pode ser mais ignorado: a morte de negros pela violência policial. Em setembro do ano passado, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou a 13ª edição do Anuário da Violência, levantamento que a instituição faz todos os anos, compilando e analisando dados de registros policiais sobre criminalidade, o sistema prisional e os gastos com segurança pública no país. Um dos destaques da pesquisa evidenciou em números o que as populações negras e vulneráveis do país sentem na pele há muito tempo: após uma análise de mais de 7,9 mil registros de intervenções policiais realizadas entre 2017 e 2018 e que resultaram em mortes, o levantamento mostrou que 75,4% das vítimas da polícia brasileira eram negros.
Mas a dor vai bem além desses números, e as hashtags que acompanham as manifestações, expressam isso: #ParemDeNosMatar (título do livro de 2016 da escritora Cidinha Silva, que é usado também como expressão em várias manifestações desde então), #JustiçaPorJoãoPedro, #VidasNegrasImportam (uma tradução do movimento americano e que tem absolutamente tudo a ver com a realidade brasileira), #AlvosDoGenocídio.
No último 28 de maio, um grande ato foi organizado pelo Parem de Nos Matar e outras 79 organizações comunitárias de toda a Região Metropolitana do Rio. Segundo o Rio On Watch, um programa para trazer visibilidade às vozes das favelas no período que antecedeu as Olimpíadas de 2016 e que acabou crescendo e se transformando em um site de notícias, entre as principais reivindicações de todos esses movimentos estão “o fim de políticas de segurança públicas mortíferas, o combate contra o racismo estrutural e a impunidade, e, de forma bem prática, o fim das operações policiais em horário escolar”.
No Brasil, as manifestações contra o racismo também ganham corpo em meio a protestos pró-democracia e contra atitudes pouco republicanas do presidente Jair Bolsonaro, que tem instigado seus apoiadores a confrontar os outros poderes e as instituições democráticas do país. Para analistas, a tendência é de que uma coisa alimente a outra nos próximos meses, principalmente se a resposta do governo à pandemia do novo coronavirus não melhorar.