Quase três anos depois de a Suprema Corte do México ter decidido que a proibição da maconha no país era inconstitucional, o tribunal decidiu, na segunda-feira, pela descriminalização da posse e do uso recreativo da cannabis. A decisão abre caminho para a legalização e termina com um século de proibição da erva no México.
Segundo a decisão do tribunal, qualquer adulto com idade legal para solicitar uma licença poderá consumir maconha legalmente, desde que cultive a erva em casa e siga restrições, que incluem não fumar em público, não usar maconha perto de crianças ou dirigir sob efeito de maconha.
A Suprema Corte entrou na discussão essa semana depois que o Congresso perdeu o prazo do dia 30 de abril para aprovar uma lei sobre o tema. Um projeto de lei para a legalização foi aprovado pelo Senado mexicano em novembro do ano passado, e a Câmara dos Deputados do país aprovou uma versão revisada no dia 10 de março. Essa versão do texto voltou para a aprovação final do Senado, mas ficou empacou na Casa por conta de discordâncias em torno de detalhes do texto da nova legislação.
“Hoje é um dia histórico para as liberdades”, disse o presidente do tribunal, Arturo Zaldívar, depois que oito dos 11 juízes votaram a favor da descriminalização, que derrubou leis anteriores que proibiam o consumo e o cultivo de plantas da maconha.
Pela nova legislação, os mexicanos com mais de 18 anos podem solicitar permissão para a Cofepris (Comissão Federal de Proteção contra Riscos), que faz parte do Ministério da Saúde mexicano, para consumir e possuir pequenas porções de maconha para uso pessoal.
O tribunal determinou que a Cofepris deve traçar diretrizes para as licenças de aquisição de sementes e instruções sobre como o público pode comprar legalmente sementes de maconha.
O uso de maconha medicinal já é legal no México desde junho de 2017, mas até a decisão desta semana, o consumo recreativo era limitado àqueles que tivessem uma liberação judicial especial.
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Um novo mercado à vista? Não, ainda não
Por mais que a descriminalização da cannabis recreativa seja uma boa notícia para os defensores da legalização, a venda e a distribuição da erva continuam sendo crime.
Durante a sessão de decisão da Suprema Corte, a juíza Norma Lucía Piña Hernández enfatizou que enquanto o Congresso não legislar a matéria, “em nenhuma circunstância importar, fazer publicidade ou suprimentos” de maconha é legal.
O México se tornou o terceiro país do ocidente a legalizar a maconha recreativa nacionalmente, depois do Uruguai e do Canadá; mas por enquanto, qualquer aspiração para fazer do México o maior mercado de maconha do mundo permanece em suspenso, uma grande decepção para os aspirantes a empresários e investidores desse mercado.
De acordo com um relatório da Endeavor, o México é o segundo maior produtor de cannabis do mundo, produzindo até 27.000 toneladas por ano, enquanto a Aliança Latinoamericana de Cannabis (Alcann) calcula que a indústria medicinal e recreativa pode gerar mais de US$ 22 bilhões em quatro anos.
A decisão da Suprema Corte de segunda-feira permanecerá em vigor até que o Senado aprove outras leis. Enquanto isso, os especialistas estão preocupados com questões críticas que permanecem sem solução.
A ONG México Unido Contra o Crime disse que a decisão “não descriminaliza as atividades necessárias para o consumo”, como produção, porte e transporte de maconha.
A decisão do tribunal também “deixa um vazio legal no que diz respeito ao consumo, cultivo e distribuição de cannabis”, segundo a organização. Cabe agora ao Congresso elaborar e votar a legislação necessária.
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A decisão da Suprema Corte aumenta a pressão sobre o Congresso para que a Casa reveja o projeto aprovado pela Câmara dos Deputados em março e defina os detalhes para um sistema de licenças para toda a cadeia de produção, distribuição e vendas, que, ao mesmo tempo em que aborde o impacto histórico da descriminalização, garanta um mercado justo e igualitário para os pequenos produtores indígenas.
Na terça-feira, o presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador disse que, por ora, respeitará o veredicto, mas abriu a porta para a convocação de um referendo público sobre o tema.
“É claro que respeitaremos o que a corte decidiu e avaliaremos. Veremos que efeito isso tem. Se virmos… que não está funcionando para tratar do problema sério do vício em drogas, que não está funcionando para deter a violência, então agiríamos”, disse López Obrador em uma coletiva de imprensa.
Proibição nacional da cannabis na mira da Suprema Corte dos Estados Unidos também
A constitucionalidade da política de proibição nacional e a desconexão entre os políticos federais e estaduais estão no radar da Suprema Corte dos Estados Unidos. Embora a lei federal ainda proíba o porte, cultivo ou distribuição intra-estadual de maconha, 18 estados e Washington D.C. já legalizaram a maconha para adultos maiores de 21 anos, e espera-se que cresça o número de estados americanos que permitem o uso recreativo de maconha.
Um dos juízes mais conservadores da Suprema Corte americana, Clarence Thomas, emitiu uma declaração esta semana classificando a abordagem inconsistente do governo sobre a política de maconha como “contraditória” e “instável” e sugeriu que a proibição nacional pode ser inconstitucional.
Os comentários foram feitos em resposta à decisão do tribunal de aceitar um novo caso relacionado a uma investigação da Receita (Internal Revenue Service) sobre as deduções fiscais reivindicadas por um dispensário de maconha do Colorado. No ano passado, os nove juízes se recusaram a ouvir um caso que desafiava a constitucionalidade da proibição federal da cannabis, mas a fala de Thomas sugere que essa posição pode estar mudando.
Embora os EUA ainda não tenham chegado a um ponto crítico na legalização nacional, uma coisa é certa: o país agora se encontra espremido entre o Canadá e o México, onde o uso recreativo da maconha é legal ou descriminalizado e as empresas estão prestes a lucrar com a explosão da economia da maconha.
É apenas uma questão de tempo antes que a pressão política e econômica sobre os EUA se torne grande o suficiente para justificar a reforma da política nacional sobre a cannabis.
(Traduzido por Isabela Fleischmann)