Se o trabalho remoto já vinha ganhando terreno à luz das discussões e tendências de futuro do trabalho, a pandemia do Covid-19 catapultou esse processo para um novo patamar, mesmo em regiões como a América Latina, onde a adoção em massa desse formato é mais irregular.
A exemplo de big techs como Google e Facebook, que estenderam o home-office para junho e julho do ano que vem, respectivamente, e que também revelaram que devem transformar o trabalho remoto em opção permanente para boa parte de seus funcionários, o futuro dos escritórios parece morar em um modelo híbrido, em que a flexibilidade é a nova palavra de ordem nas organizações.
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“A WeWork entende que a flexibilidade se tornou um valor ainda mais importante no que diz respeito a espaços de trabalho, seja em relação ao trabalho presencial, na configuração dos escritórios ou na distribuição geográfica das empresas, para que não fiquem presas a apenas um edifício e funcionários possam trabalhar mais próximos de suas casas”, pontua Lucas Mendes, diretor geral da WeWork no Brasil, em entrevista ao LABS.
Para o executivo, o mundo pós-pandemia vai trazer mudanças permanentes na forma como as empresas interagem com os espaços de trabalho. Mas isso não quer dizer que o home-office ameaça o modelo da gigante do co-working.
“Enxergamos aqui um grande potencial para que possamos atender à demanda de grandes empresas (que já representam hoje mais da metade dos nossos clientes) – da mesma forma que já vínhamos funcionando para empresas que, mesmo antes do isolamento forçado, já possuíam políticas de trabalho mais flexíveis.” Algumas dessas políticas adotadas por clientes da WeWork já incluíam, para além do home-office, a opção de funcionários utilizarem estações de trabalho não fixas, como mais de um escritório, conta Lucas.
As possibilidades no setor industrial, segundo a Volvo
E as mudanças nos espaços de trabalho não se restringem aos setores da nova economia ou da chamada economia compartilhada. “Como grupo Volvo aqui no Brasil, a gente já praticava a flexibilidade de jornada de trabalho principalmente para os [funcionários] administrativos há muitos anos”, conta ao LABS o vice-presidente de RH e assuntos corporativos da Volvo, Carlos Ogliari. “É claro que não se compara com a intensidade do que está acontecendo hoje, mas os funcionários já tinham a possibilidade de trabalhar por um período parcial da sua jornada diária de casa ou de qualquer outro lugar remotamente, ou mesmo o dia todo.”
Desde março, a sueca Volvo colocou seus funcionários de áreas administrativas em regime de trabalho remoto. O desafio, como era de se esperar, veio sobretudo dos departamentos industriais da montadora. “Até pelo privilégio de sermos uma organização global, nós rapidamente reunimos o que tínhamos de melhores práticas em fábricas no mundo inteiro e conseguimos desenvolver um protocolo de saúde bastante robusto no que tange à proteção das pessoas que precisariam vir às instalações da empresa para cumprir com o seu papel, notadamente na área fabril, indústria e montagem.”
No pós-pandemia, a gente escuta falar muito em coisas do tipo automação, flexibilização, conexão, tantas coisas relacionadas com a parte de tecnologia que a gente não pode esquecer de um aspecto importante: humanização. Como as pessoas querem e gostam de trabalhar, este é o ponto.
Carlos Ogliari, vice-presidente de RH e assuntos corporativos da Volvo.
“Vamos ter que buscar um ponto de equilíbrio entre a questão da flexibilidade para se trabalhar de qualquer lugar, pode ser na casa, como também pode ser no ambiente coletivo, compartilhado de trabalho. Eu ganho engajamento quando eu vejo outras pessoas engajadas no ambiente de trabalho,” complementa Ogliari.
Se de um lado, não só o home-office, como também os escritórios não fixos ou as jornadas de trabalho flexíveis ganharam os holofotes, do outro, os espaços de trabalho cuja natureza dificulta a execução das atividades de forma remota, evidentemente, não vão desaparecer.
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“Algumas empresas vão construir experiências de trabalho que irão misturar espaços virtuais de trabalho, opção para os funcionários trabalharem de casa, e meio-período nos escritórios. Para algumas indústrias, o escritório pode se tornar um lugar para socializar, para interagir, onde experiências compartilhadas são curadas para que os funcionários possam trabalhar juntos de uma determinada forma,” explica Jennifer Magnolfi Astill, fundadora da Programmable Habitats, consultoria de P&D especializada no desenvolvimento estratégico dos futuros ambientes de trabalho high-tech.
“Já outras empresas podem precisar do espaço para algo muito específico, que tem a ver com o trabalho. Pense em qualquer empresa que tenha que lidar com equipamentos grandes, como servidores ou qualquer outra tecnologia, robótica, ela necessariamente terá que estar em uma instalação de trabalho, simplesmente porque esses ambientes são projetados especificamente para esses tipos de máquina,” exemplifica a pesquisadora. Jennifer atuou como consultora em projetos de sedes e espaços de trabalho de empresas como Google, Microsoft, PepsiCo e BBC.
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Mas se os espaços de trabalho de setores que carecem de instalações específicas não vão sofrer grandes mudanças – que espaços, efetivamente, vão?
“A pandemia fez com que experimentássemos trabalho sem a variável do escritório,” argumenta a especialista. “Muitas empresas começaram a se perguntar de quais aspectos desse contexto – vamos chamá-lo de pacote do escritório – eu realmente preciso? Com quais posso viver sem? Se você percebe que sua produtividade durante essa experiência não foi muito afetada, então você começa a se perguntar para quais aspectos precisamos do ambiente físico.”
No passado, considerávamos todo o escritório como algo certo, presumíamos que uma empresa e um negócio simplesmente teriam um escritório. Agora isso não é necessariamente um axioma, provamos que não precisa ser assim. Mas existem muitas razões importantes pelas quais um escritório é necessário
Jennifer Magnolfi Astill, fundadora da Programmable Habitats.
A analogia utilizada por Jennifer quando evoca o conceito de “pacote do escritório”, encara o espaço de trabalho como uma compra ou uma experiência semelhante àquela que se tem quando se vai a uma conferência. “Você compra o ingresso para ir a uma conferência, mas quando você acessa esse espaço, há palestras, sessões de break, jantares, recepções, entrevistas informais… Diferentes tipos de clientes da conferência talvez se interessem por duas coisas, mas definitivamente não farão necessariamente o programa inteiro e a conferência inteira o tempo todo. O escritório tem a mesma lógica,” explica, salientando que a experiência do escritório é composta também por uma série de camadas.
Se essas camadas antes passavam despercebidas, agora, elas tendem a ocupar um papel central – acelerado pela pandemia. “O nosso escritório físico é um dos nossos ativos para a gente entregar nossa missão, que é fomentar o empreendedorismo tecnológico no Brasil,” diz Pedro Prates, co-head do maior hub de empreendedorismo da América Latina, o Cubo Itaú, fundado em 2015 pelo banco em parceria com o fundo de investimento Redpoint eventures.
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Depois de quase cinco meses fechado, o hub retomou em agosto as atividades em sua sede física, um edifício localizado na Vila Olímpia, em São Paulo. A reabertura veio acompanhada de um novo modelo de membership.
Se antes, o Cubo dividia as startups entre físicas e digitais, a depender do uso da instalação de co-working do espaço, no novo formato, a startup admitida no processo de seleção do hub passa a ter acesso às conexões organizadas pela instituição, assim como eventos, programas internos e desafios de negócios de potenciais clientes. Para ter acesso ao espaço físico, a startup poderá adquirir pacotes em formatos variados: um ou mais assentos, salas privadas e até mesmo diárias para serem utilizadas por seus colaboradores de acordo com a necessidade.
“A gente vai testar produtos com base nas vocações de uso do prédio”. Pedro explica que se, por um lado, a estratégia do Cubo é desatrelar, cada vez mais, sua entrega de valor do espaço físico; por outro, as instalações diversas do edifício passam a servir a uma série de necessidades. “Plannings a cada duas semanas, reuniões de sprint. Ou ainda: eu quero que CEO e time comercial estejam no Cubo porque é uma vitrine, ou quero usar o prédio para a geração de eventos,” elenca.

Esse período de ruptura forçou as empresas a buscarem esse conhecimento [transformação digital] para já, e o que todo mundo está entendendo, é um negócio que para a gente já estava claro há bastante tempo: transformação digital é prioridade para todas as empresas.
Pedro Prates, co-head do hub de inovação Cubo Itaú.
Se o espaço deixa de ser um fator limitador para a organização do trabalho nessas empresas, ele passa, por sua vez, a ser um fator de conexão. “Nossos times, que passaram bom tempo trabalhando remotamente, acumularam alguns aprendizados, com destaque para o desempenho à distância de uma das nossas atividades core, que é justamente a de construção e engajamento de Comunidade.” conta Lucas Mendes, da WeWork.
“As equipes nos surpreenderam na criatividade, organizando uma série de eventos, criando novos canais de comunicação e implementando atividades online em diferentes formatos – e o retorno de membros tem sido muito positivo. Temos a convicção de que nada substitui o contato e interações que acontecem nos nossos espaços, que inclusive já renderam muitas parcerias e negócios.”
Segundo a empresa, o segmento de Enterprise (empresas com mais de 500 funcionários) representou mais de 50% da receita da WeWork globalmente pela primeira vez no segundo trimestre de 2020. Já as vendas no segmento, triplicaram nos últimos três anos, passando de 13 mil posições no primeiro trimestre de 2017, para 39 mil posições no mesmo período deste ano.
As empresas certamente estarão olhando para o espaço de trabalho para cumprir aquelas funções que são otimizadas quando acontecem no ambiente físico. Duas dessas funções são óbvias para mim: a primeira é a tomada de decisão de alto nível, que requer assistência de tecnologia; e a outra é a aprendizagem contínua.
Jennifer Magnolfi Astill, fundadora da Programmable Habitats.
Entre o fim da fórmula Vale do Silício e a ascensão do co-working
Produtividade, cultura, colaboração, aprendizado. São muitos os elementos que fazem parte do conceito de trabalho – e que, tradicionalmente – se associaram aos seus espaços físicos. Mas se esses espaços estão sendo ressignificados de forma acelerada pela adoção de modelos como o teletrabalho, as mudanças concretas nas arquiteturas dos escritórios vão chegar em ritmo mais lento.
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“A maioria dos escritórios modernos de hoje foram, de uma forma ou de outra, inspirados pelos espaços de trabalho de sucesso dos últimos 30 anos, que geralmente vêm dos exemplos do Vale do Silício,” lembra Jennifer. “Esses ambientes originalmente não foram projetados para o distanciamento social; na verdade, foram projetados exatamente para o oposto. Colisão, encontro, colaboração, para aproximar as pessoas, o ambiente foi pensado para este tipo de interação social. Ter de introduzir essa variável de distanciamento social é simplesmente incompatível, inconsistente com a forma como esses ambientes foram projetados.”
Para a especialista, as modificações que os escritórios vêm adotando para cumprir com orientações de distanciamento social, são, na verdade, soluções temporárias. Com o tempo, as empresas vão sentir o que funciona e o que não funciona.
Do ponto de vista da construção, tantas mudanças estão acontecendo. Vai demorar um pouco mais para que essa mudanças comecem a aparecer nos edifícios, mas com certeza irão, não temos escolha. É um caminho sem volta.
Jennifer Magnolfi Astill, fundadora da Programmable Habitats.
“Falando do setor de maneira mais ampla, no curto prazo, entendemos que empresas devem procurar alternativas com prazos mais flexíveis e mais opções para distribuir os funcionários entre vários locais, em vez de ter apenas um local específico,” pontua Lucas Mendes, salientando que isso é uma oportunidade para a WeWork.
Quem também compartilha da mesma lógica é Sebastián O’Ryan, CEO do co-working latino-americano Co-Work LatAm, que conta com cerca de 30 espaços distribuídos por Santiago (Chile), Colômbia, Uruguai e Miami (EUA).
“A médio e longo prazo, as empresas vão se questionar várias vezes antes de fazer grandes investimentos em escritórios e assinar contratos de muito longo prazo, a opção de escritórios flexíveis deve se tornar uma alternativa para todas as empresas,” defende o executivo. “Soma-se a isso a possibilidade de entregar às equipes de trabalho uma solução híbrida que permita a flexibilidade que precisam para seu estilo de vida e um espaço físico para promover a cultura, a criatividade e a inovação.”
“Nos primeiros dias de agosto, os pedidos de orçamento se multiplicaram por cinco em relação aos primeiros dias de maio, superando inclusive os meses pré-Covid. Isso acontece porque hoje as empresas que desejam mudar para um modelo híbrido entre trabalho remoto e escritórios se somam à equação,” relata O’Ryan. Ele diz que a empresa espera retomar o ritmo de crescimento em 2021, prevendo mais de 15 inaugurações entre Chile, Colômbia e Estados Unidos. “Esperamos chegar a 150 locais (140.000 m² em 4 anos,” revela o CEO do Co-Work LatAm.