Mulheres em cargos de liderança na América Latina enfrentam muitos desafios (algo que também é verdade nos Estados Unidos). Essa é apenas uma razão pela qual continuamos a destacar as histórias de latinas que encaram esse desafio e constróem uma trajetória de sucesso.
Embora as mulheres respondam por quase metade da força de trabalho nos Estados Unidos, elas representam apenas cerca de 27% dos profissionais e trabalhadores do setor de STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, em Português), de acordo com o Censo dos EUA. E apesar de as mulheres hispânicas ou latinas representarem quase 7% da força de trabalho, elas representam pouco menos de 2% de todos os trabalhadores de STEM em todo o país.
A jornada rumo à liderança, especialmente nesse setor, é frequentemente tão variada quanto as mulheres que “chegam lá”, mas seria difícil encontrar um caminho tão incomum como aquele que levou Rosalba Reynoso a tornar-se co-fundadora e CEO da Blue Trail Software. Fundada em 2014, a Blue Trail é uma empresa de desenvolvimento de software sediada em São Francisco, Califórnia, com escritórios também na Argentina, Bolívia, México, Peru, Espanha e Uruguai.

O estilo de liderança de Reynoso – que enfatiza a oferta de oportunidades e capacita os funcionários para terem sucesso – é um reflexo direto de suas primeiras experiências de vida. Ela cresceu no México rural, sendo uma das oito filhas de um pai conservador e a única em sua família a freqüentar nove anos de escola.
Depois de emigrar para os EUA aos 18 anos, como esposa e mãe, e falando quase nada de inglês, Reynoso procurou trabalho para sustentar sua família durante os meses de inverno, período em que o setor de construção, em que seu marido atuava, costumava desacelerar. Batendo de porta em porta, ela conseguiu seu primeiro trabalho como faxineira de casas de alto padrão em São Francisco. “Ela teve dificuldade para explicar o que queria que eu fizesse na casa. Então, ela se ofereceu para me ensinar inglês”, lembrou Reynoso. “Toda terça-feira de manhã, ela fazia café e passava uma hora me ensinando o básico”.
Seu negócio como faxineira autônoma começou a crescer graças ao boca-a-boca, já que cada cliente conquistado indicava os serviços de Reynoso para amigos. Foi quando o tino de Reynoso para os negócios e a habilidade em capacitar e criar oportunidades não apenas para si, mas também para os outros, afloraram: a demanda por faxina era tanta que ela decidiu chamar algumas amigas que também estavam em busca de oportunidades e montou uma espécie de rede de colaboradoras para dar conta da lista crescente de clientes.
“Comecei a ajudar minhas amigas com o inglês, e as ensinei a dirigir para que elas pudessem obter suas carteiras de motorista”, disse Reynoso. “Depois disso, eu lhes dei um cliente por dia e as ajudei a criar seus próprios negócios”.
Quando seu casamento de 22 anos terminou em divórcio – resultado de violência doméstica – e ela se viu em meio a uma pilha de dívidas, Reynoso expandiu seu negócio e incluiu serviços de catering, serviços de limpeza comercial e até mesmo de pet sitter. “Eu disse sim a qualquer oportunidade”, disse Reynoso. “As outras mulheres da minha empresa eram mães solteiras ou em situação semelhante à minha, e o negócio trouxe um bom dinheiro para todas nós”.
O nascimento da Blue Trail Software
Reynoso foi bem sucedida em sua primeira investida como empreendedora, mas como, de um negócio na indústria de serviços, ela passou a CEO de uma empresa de desenvolvimento de softwares, sem um diploma nem experiência com tecnologia?
É aí que entra Remi Vespa, CEO de uma empresa de software em dificuldades com quem Reynosa se casou cinco anos após seu divórcio. “Aprendi sobre engenheiros de QA, sobre desenvolvimento de front-end e back-end – todo o sistema”, disse Reynoso. “Aprendi também que para ser um desenvolvedor de software excepcional não é necessário ter um diploma de ciências da computação. Sua história e os clientes com os quais eles trabalharam é o que mais importa”.
Reynoso, que se define como uma sonhadora, acreditava que poderia usar o que aprendeu construindo o seu negócio de serviços domésticos no desenvolvimento de um software. O casal bancou a ideia e fundou a Blue Trail Software em 2014. Enquanto ela passou os primeiros cinco anos focada em construir equipes na América Latina e atrair e reter talentos. ele se concentrou na construção da visão, negócios e finanças da empresa. “Inicialmente, meu papel era mais o de COO. Eu me concentrei nos funcionários e em nossa estratégia de gestão”, disse Reynoso. “O tempo que passei com nosso pessoal me ajudou a refinar nossa visão da empresa, e a eventual transição para CEO evoluiu naturalmente”.
Ainda assim, ela enfrentou alguma resistência, especialmente de clientes, que assumiam que ela só havia assumido o cargo de CEO porque era a esposa de Vespa. “Já é difícil para as mulheres com experiência em tecnologia serem aceitas em papéis de liderança. Imagine para uma mulher que até pouco tempo antes fazia faxina”, disse Reynoso. “Foi difícil, mas uma vez que me viram em ação, não demorou muito para convencê-los de que eu poderia liderar a empresa”.
Funcionários em primeiro lugar e acima de tudo
A filosofia da Blue Trail é tão básica quanto radical: o bem-estar de seus funcionários é mais importante do que o lucro. A premissa desse princípio norteador é a de que funcionários que são treinados, orientados, remunerados adequadamente e ouvidos serão mais felizes e terão um desempenho melhor. O melhor desempenho aumenta a satisfação do cliente e isso impulsiona a receita. É exatamente a mesma filosofia que Reynoso aplicou em seu negócio de serviços domésticos por 25 anos.
O segredo é ouvir os funcionários e ter certeza de que eles estão bem. Eu lhes pergunto como podemos mudar, ou como podemos melhorar”, disse Reynoso. “Eu quero a melhor empresa, não a maior. Não quero números; quero pessoas. Não quero uma empresa de software; quero uma família de software.
Rosalba Reynoso, cofundadora e CEO da Blue Trail Software
Um exemplo dessa filosofia de trabalho na vida real é um programa piloto que define, entre outras coisas, um processo pelo qual os funcionários elegem membros de um conselho consultivo chamado Titãs – inspirado nos Cavaleiros da Távola Redonda do Rei Arthur. “Às vezes os Titãs agirão como minha consciência, outras vezes como meus conselheiros”, disse Reynoso.
“Eles se tornarão a equipe executiva encarregada de garantir que tudo na empresa funcione bem, e que todos sejam tratados com justiça. Se alguém da equipe administrativa, inclusive eu mesmo, fizer algo errado, os Titãs poderão identificar o problema para que possamos resolvê-lo”.
Criando oportunidades
Uma das primeiras apostas estratégicas da Blue Trail envolveu a localização de seus escritórios em cidades menores em toda a América Latina – longe dos tradicionais centros de negócios. Reynosa acredita que faz mais sentido para as empresas se instalarem em cidades menores que têm talentos e menos oportunidades.
As famílias latino-americanas são muito unidas, mas, com freqüência, profissionais experientes se mudam para cidades grandes para ganhar mais dinheiro ou aceitam empregos com uma remuneração menor ou fora de sua profissão apenas para que possam ficar perto de casa.
“Nossa empresa tem boas oportunidades de remuneração”, disse Reynoso. “É uma segunda chance de aprender uma nova profissão, ficar com suas famílias e desfrutar de uma melhor qualidade de vida. A única ferramenta necessária é a Internet. Especialmente agora com a COVID, todos podem trabalhar em casa”.
A Blue Trail contrata desenvolvedores seniores e o que ela chama de desenvolvedores “semi-sênior” para trabalhar em projetos com grandes empresas como Samsung, HP e outras, bem como empresas de médio porte e startups de tecnologia. A empresa também criou um programa de estágio remunerado para oferecer oportunidades e treinar pessoas que de outra forma poderiam não ter a chance de conseguir um emprego em tecnologia. Os estagiários recebem um salário completo que lhes permite focar no aprendizado sem se preocupar em pagar aluguel, disse Reynoso.
“Nós treinamos nossos próprios desenvolvedores juniores através do programa de estágio, e colocamos cada funcionário junior com um mentor da empresa”, disse Reynoso. Desde a implementação do programa de estágio, a Blue Trail já treinou e orientou sete grupos. A estratégia valeu a pena em termos de retenção de talentos, em comparação com a taxa de rotatividade típica dos desenvolvedores que varia entre um e três anos.
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Esse estilo de liderança de Reynoso, muito ligada a um compromisso de criar oportunidades para seus funcionários, também impacta a forma como a Blue Trail se posiciona quanto à diversidade de gênero – como não poderia ser diferente. Dos 178 funcionários da Blue Trail, 30% são mulheres. Por porcentagem, estes são o número de mulheres em várias funções em toda a empresa. “Quase nunca dizemos não às candidatas femininas porque elas não tiveram o mesmo nível de formação que os homens. Podemos aumentar seu potencial através de treinamento e orientação no trabalho, e esse é um investimento que gera grandes retornos”.
Reynoso se refere à Blue Trail como seu “fazedor de sonhos”. É seu veículo para criar oportunidades que fortalecem e melhoram a qualidade de vida de todos os seus funcionários. É também sua maneira de mostrar às mulheres o que é possível.
Não se limite a buscar tecnologia – ou qualquer outro campo – simplesmente porque lhe falta experiência. Não importa de onde você venha, você pode alcançar seu objetivo se trabalhar nele.
Rosalba Reynoso, cofundadora e CEO da Blue Trail Software
(Traduzido por Carolina Pompeo)