Que os gêneros latinos têm dominado as paradas musicais americanas não é grande novidade. Desde que Despacito, do porto-riquenho Luis Fonsi, e Mi Gente, do colombiano J Balvin, entraram nas listas da Billboard, em 2017, uma gigantesca onda de artistas pop latinos cantando em espanhol ganhou evidência, turbinada por plataformas de streaming de áudio.
Devido ao tamanho gigantesco do mercado americano, os músicos latinos vêm recebendo muita atenção em todo o mundo, e mesmo em lugares onde não são considerados apropriadamente mainstream, os estilos em voga – leia-se reggaeton, gêneros e subgêneros relacionados – estão influenciando uma série de outras cenas locais. A On Da Beat, selo musical de Londres com raízes no rap britânico, notou uma demanda latente e sua equipe agora está trabalhando no desenvolvimento de artistas de origem latina na Grã-Bretanha.
De acordo com Anthony Larbi, sócio fundador da On Da Beat, a música latina ainda não vende muito no Reino Unido. “No entanto, vemos o mercado crescendo exponencialmente em termos dee novos artistas que estão gravando em nosso estúdio, então pensamos que o Reino Unido acabará produzindo um artista que será destaque no cenário global”, disse ele ao LABS.
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Nos EUA, a música latina continua em forte ascensão, e 2019 foi o terceiro ano consecutivo de receitas crescentes para o gênero, que agora representa 5% de todo o mercado americano. A Associação da Indústria Fonográfica dos EUA (RIAA) divulgou recentemente que o gênero faturou US$ 554 milhões, um aumento de 28% em relação ao ano anterior – enquanto o mercado musical dos EUA cresceu 13% em média. Curiosamente, o grande motor da música latina é o streaming, que representou 95% da receita total da música latina em 2019.

Larbi diz que o sucesso de artistas latinos no mercado musical britânico precisa superar desafios, com as barreiras de idioma e infraestrutura ainda pesando contra. A estratégia da On Da Beat, ele explica, é conectar os artistas a uma audiência global, mas concentrando-se em seus países nativos e nas comunidades latinas espalhadas pela Europa e América do Norte.
“Uma equipe foi formada para responder aos desafios e necessidades dos criativos e executivos latinos que trabalham na indústria da música no Reino Unido. A missão é destacar a cultura e dar voz aos artistas de língua espanhola e portuguesa e, assim, conectar suas histórias à diáspora mais ampla”.
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A On Da Beat já gravou faixas de artistas novos do reggaeton, como os colombianos Valenciz e a italiana-venezuelana Steffani Milan. Ainda não são nomes conhecidos como Bad Bunny, J Balvin e Ozuna, mas isso pode ser uma questão de tempo – ou, mais precisamente, de encontrar a tal conexão com o público.

“Nosso objetivo é seguir nossa tradição de abrir cenas de nicho e desenvolver as carreiras dos produtores de música com música latina no Reino Unido, mantendo-nos fiéis às nossas raízes do rap no Reino Unido”, diz Anthony Larbi. O LABS conversou com ele para saber um pouco mais sobre o interesse da empresa pela cena da América Latina e o terreno que ela está abrindo internacionalmente. Abaixo estão trechos da entrevista.
LABS – Qual a importância das plataformas globais de streaming para as produções de On Da Beat?
Anthony Larbi – Para a música urbana latina, é a prova de que uma mudança está acontecendo globalmente. O streaming definitivamente é parte do motivo para o boom do funk, do renascimento do reggaeton e do surgimento de subgêneros como o NeoPerreo. Para o On Da Beat, o streaming é um aspecto importante, especialmente porque a música e os artistas estão alcançando o público global em suas respectivas diásporas, bem como a comunidade local em sua própria cidade.
Parte da motivação do On Da Beat para este ano é compartilhar histórias e envolver as culturas com as quais elas se identificam. O streaming não apenas fornece a plataforma para envolver os fãs na América Latina, na África e no resto do mundo, mas também fornece os dados para saber onde e com quem ter conversas que direcionarão os negócios e gerarão retorno do investimento.
LABS – Quando a música latino-americana chamou sua atenção?
Anthony Larbi – Eu acho que a primeira vez que fui a um show de reggaeton foi em 2006. Era uma sequência de datas de show, o tamanho da casa era para cerca de 3.000 pessoas e os ingressos estavam esgotados. Este não foi um evento pontual. Então, há uma cena musical em Londres para reggaeton e música latina há muito tempo, mas ela é meio underground e muito localizada nas partes de Londres onde a comunidade é mais forte.
Você mencionou que mais artistas de origem latina estão procurando o estúdio.
Mais recentemente, nos últimos 12 meses, houve muito mais artistas gravando em nosso estúdio músicas em espanhol, principalmente. Há uma dinâmica bastante interessante em Londres, porque existem muitos caldeirões culturais. A comunidade afro e a comunidade latina, e muitas outras comunidades, vivem praticamente umas sobre as outras, e isso influencia os sons.
Então você tem artistas afro gravando músicas com influência do reggaeton e, também, artistas de reggaeton gravando músicas que são mais influenciadas pelo dancehall ou pelo afrobeat. E há o toque britânico, uma produção britânica, como posso descrever … É um pouco mais duro. Eu acho que talvez seja por causa do clima, porque está sempre frio aqui.
Você vê ritmos latinos influenciando outros gêneros pop no Reino Unido? Estou pensando no que o reggae e o ska, estilos caribenhos, não latinos, fizeram com o punk durante os anos setenta.
Exatamente. Eu não estava por perto, mas meu pai e meu tio eram da cena. Punk rockers e artistas de reggae, eles estavam nos mesmos clubes, usavam os mesmos locais, no andar de baixo tinha uma noite de reggae e no andar de cima, uma noite punk. E é meio que a mesma dinâmica com afrobeats e reggaeton e dancehall e UK rap . É um tipo de polinização cruzada.

Você pode me falar sobre a estrutura da On Da Beat e suas origens?
Nós não começamos com música latina, começamos com o UK rap, e não começamos com artistas, começamos com produtores e beatmakers, porque pensávamos que eles não recebiam o reconhecimento que mereciam no processo de criação. Por isso, começamos a gerenciar os produtores. Então tivemos um grande sucesso, “Mans Not Hot”, do Big Shaq, que entrou nas paradas do Reino Unido, Alemanha e alguns outros países da Europa. E isso gerou bastante receita. Por isso, nos atualizamos e mudamos de local para um novo estúdio, e isso foi um benefício por duas razões: fomos capazes de oferecer novas instalações de gravação, e a mudança para o sul de Londres nos tornou muito mais próximos da comunidade latina na região.
Você vê a música latina se tornando popular no Reino Unido?
Eu acho que é um desafio. A barreira principal é a língua e a barreira secundária é a infraestrutura, como estações de rádio dedicadas. Isso é algo que não existe atualmente no mercado para artistas latinos na Inglaterra. Fazer sucesso no Reino Unido provavelmente não será a nossa estratégia principal.
Eu acho que a melhor saída é conectar esses caras que estão fazendo música em sua língua materna aos lugares de onde eles são. Portanto, conecte-os ao público na Colômbia, na América do Sul como um todo, e conecte-os às comunidades que estão nos Estados Unidos, às comunidades que estão na Europa.
Isso os levaria a uma audiência global?
Eu acredito que conectá-los a essas audiências lhes dará um alcance global. Eles não dependerão de ser um nome do mainstream no Reino Unido. Mas, ao mesmo tempo, temos a outra estratégia, de investir nas faixas em inglês e acessar os gêneros populares. As parcerias entre artistas de diferentes idiomas estão se tornando mais comuns porque, sendo cínico, se você tem gêneros muito populares que não dependem necessariamente da música em inglês, essa é uma maneira de acessar um mercado totalmente novo.