Gerando Falcões
Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Foto: Shutterstock
Sociedade

Gerando Falcões aposta na inovação social para combater a miséria no Brasil

Em dois meses, a Gerando Falcões arrecadou R$ 52,8 milhões para combater a fome; agora, quer escalar uma solução para “desfavelizar" o Brasil, a “Favela 3D"

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Transformar a pobreza da favela em peça de museu. É assim que as lideranças da Gerando Falcões (GF) definem o objetivo da organização social. Chamando empresários, sociedade civil e poder público, a Gerando Falcões arrecadou, em apenas dois meses, R$ 52,8 milhões para a campanha de combate à fome “Corona no paredão, fome não”, uma campanha 100% digital. 

Grandes empresas uniram-se à iniciativa com doações volumosas, como a Accenture, que doou R$ 11 milhões, o banco Bradesco, com R$ 3,4 milhões, e a XP Inc., com mais de R$ 1 milhão. Embora os doadores institucionais respondam pela maior fatia do volume total de doações, a Gerando Falcões conseguiu mobilizar 96.465 doadores, sendo a imensa maioria pessoas físicas. 

A campanha da Gerando Falcões prevê distribuir mais de 352 mil cestas básicas digitais para famílias carentes de 21 estados brasileiros, atendendo 176.187 famílias e garantindo alimentação para mais de 880 mil pessoas. Os beneficiados recebem um cartão equivalente a um vale-alimentação em que é depositado um valor mensal para a compra de alimentos e itens de higiene. 

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“A fome massacra as pessoas que estão nas favelas, no campo e em áreas rurais. A cesta digital está chegando nesses lugares. O terceiro setor conseguiu chegar antes nesses lugares,” diz Alex dos Santos, o Lemaestro, diretor de expansão da Gerando Falcões e um dos fundadores da organização social ao lado de Edu Lyra, CEO; Mayara Lyra, diretora administrativa financeira e Amanda Boliarini, multiplicadora de tecnologias sociais. 

Amanda Boliarini, Lemaestro, Edu Lyra e Mayara Lyra, cofundadores da Gerando Falcões. Foto: Instagram/Edu Lyra

Para que a logística dê certo, a Gerando Falcões criou um sistema de atuação em rede: as cestas digitais são direcionadas para as unidades próprias ou para ONGs e líderes comunitários conveniados, que se encarregam de distribuir os cartões para as famílias mais necessitadas de cada favela. Todo o processo segue um programa de excelência e é detalhado em relatórios de transparência.

De acordo com Lemaestro, o sucesso da campanha de arrecadação é resultado da relação de confiança construída pela Gerando Falcões com a iniciativa privada e a sociedade civil, baseada em transparência, dados e resultados. 

Houve uma maior sensibilização devido à pandemia e nós usamos nosso poder de mobilização para trazer a sociedade para a discussão e aumentar o senso de responsabilidade da iniciativa privada, mas esse resultado é fruto de uma relação de confiança.

Lemaestro, diretor de expansão da gerando falcões

Ele diz que a organização sempre considerou a atuação dos doadores junto às comunidades tão ou mais importante do que o dinheiro doado. “Procuramos conectar os doadores com os líderes sociais das comunidades, levar a iniciativa privada para dentro da favela.”

A campanha de combate à fome ilustra bem a fórmula de empreendedorismo social da Gerando Falcões, que soma atuação em rede e em escala, participação da sociedade civil e da iniciativa privada e um tanto de tecnologia. Assim, a Gerando Falcões se transformou em uma espécie de hub de inovação social focado em desenvolver soluções escaláveis para redução da miséria.

Tecnologia para transformação social em escala

A Gerando Falcões começou como um projeto de palestras em escolas públicas de São Paulo e oficinas de hip hop e skate. Em 2013, a organização recebeu o primeiro investimento semente do Instituto PDR e foi aí que começou a se profissionalizar. “Foi o ponto de virada. Aprendemos a fazer gestão de processos, trabalhar com dados e captar de recursos. Montamos um polo de cultura e esporte e uma frente de qualificação profissional. Foi quando começamos a testar soluções com tecnologia e negócios sociais,” lembra Lemaestro

A Gerando Falcões, que se define como uma organização social orientada a dados, adotou um modelo de gestão com metas, indicadores de performance, rituais de gestão, plano de carreira e gratificação para colaboradores. Hoje, a Gerando Falcões capta recursos para seus projetos por meio de vários tipos de parceria: patrocinadores da rede, patrocinadores incentivo fiscal, investidores sociais, apoiadores e doadores pessoa física.

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O passo seguinte foi a expansão para levar o conhecimento adquirido para que outros líderes comunitários e organizações sociais possam reproduzir o modelo de atuação e gestão. Foi aí que a Gerando Falcões começou a construir sua rede de ONGs aceleradas e conveniadas, inclusive com investimento financeiro inicial para custeio de projetos e equipe. Hoje, a Gerando Falcões acelera 28 ONGs e espera chegar ao fim do ano com 36 no portfólio. 

“Resolvemos capacitar líderes e ONGs que já atuavam, mas não tinham as ferramentas e o conhecimento para unir a iniciativa privada com o terceiro setor para alavancar seus projetos”, conta Lemaestro.

Desse desse processo nasceu a Falcons University, um programa de formação para líderes sociais. São doze módulos que englobam toda a trilha empreendedora da Gerando Falcões, desde antes do CNPJ até virar uma rede de ONGs, e focam em pilares como expertise de favela, expertise do setor privado, políticas públicas, tecnologia e inovação

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Desde 2019, a Falcons já formou 102 líderes e espera formar 540 até o fim de 2023. Ao fim da formação, os líderes podem permanecer na rede Gerando Falcões como unidade acelerada ou como unidade parceira.

Bazar da Gerando Falcões, que recentemente ganhou versão online. Foto: Gerando Falcões

A estratégia de crescimento da Gerando Falcões engloba o fortalecimento da rede de ONGs e líderes comunitários conveniados, a formação de líderes comunitários por meio da Falcons University e a expansão da frente de negócios sociais, como forma de tornar a organização um negócio sustentável e financeiramente estável. De olho em novas oportunidades de negócios sociais, em novembro passado a Gerando Falcões lançou seu bazar de produtos doados, cujo valor arrecadado é revertido para os projetos sociais. Em abril, o bazar virou e-commerce

Nós estamos caminhando para um modelo sustentável, para uma independência financeira que vai nos permitir testar novos modelos de negócios sociais e desenvolver mais tecnologias sociais para combater a pobreza. Queremos o mesmo para as outras ONGs.

LEMAESTRO, DIRETOR DE EXPANSÃO Da GERANDO FALCÕES

Favela Digital, Digna e Desenvolvida

O projeto mais recente da Gerando Falcões, o “Favela 3D – Digital, Digna e Desenvolvida”, foi lançado nessa semana em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. Trata-se de um projeto piloto para transformar a favela da Vila Itália, atualmente uma área de ocupação onde vivem 240 famílias em barracões de madeira e lona sem acesso à água tratada, em uma comunidade desenvolvida, com infraestrutura básica (saneamento, água e energia elétrica) e mobiliário urbano. 

Para isso, a Gerando Falcões novamente recorreu à atuação em rede: convocou o terceiro setor, iniciativa privada e o setor público a participar do projeto. De acordo com o projeto, a prefeitura de São José do Rio Preto vai regularizar o terreno; o governo estadual de São Paulo vai pagar parte da construção das casas e construir praças para esporte e lazer; a Gerando Falcões coordena a arrecadação de doações de pessoas físicas e empresas.

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Além da transformação da área, o Favela 3D prevê ainda um período de acompanhamento com as famílias e a implementação de cooperativas de negócios e projetos de educação, para que os moradores consigam gerar renda. 

A ideia da Gerando Falcões é testar o modelo na Vila Itália e, depois, escalar a solução para “desfavelizar o Brasil”. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em dez anos o número de domicílios em favelas quase dobrou no país: em 2010, era 3,22 milhões; em 2019, esse número saltou para 5,12 milhões.

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