Transformar a pobreza da favela em peça de museu. É assim que as lideranças da Gerando Falcões (GF) definem o objetivo da organização social. Chamando empresários, sociedade civil e poder público, a Gerando Falcões arrecadou, em apenas dois meses, R$ 52,8 milhões para a campanha de combate à fome “Corona no paredão, fome não”, uma campanha 100% digital.
Grandes empresas uniram-se à iniciativa com doações volumosas, como a Accenture, que doou R$ 11 milhões, o banco Bradesco, com R$ 3,4 milhões, e a XP Inc., com mais de R$ 1 milhão. Embora os doadores institucionais respondam pela maior fatia do volume total de doações, a Gerando Falcões conseguiu mobilizar 96.465 doadores, sendo a imensa maioria pessoas físicas.
A campanha da Gerando Falcões prevê distribuir mais de 352 mil cestas básicas digitais para famílias carentes de 21 estados brasileiros, atendendo 176.187 famílias e garantindo alimentação para mais de 880 mil pessoas. Os beneficiados recebem um cartão equivalente a um vale-alimentação em que é depositado um valor mensal para a compra de alimentos e itens de higiene.
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“A fome massacra as pessoas que estão nas favelas, no campo e em áreas rurais. A cesta digital está chegando nesses lugares. O terceiro setor conseguiu chegar antes nesses lugares,” diz Alex dos Santos, o Lemaestro, diretor de expansão da Gerando Falcões e um dos fundadores da organização social ao lado de Edu Lyra, CEO; Mayara Lyra, diretora administrativa financeira e Amanda Boliarini, multiplicadora de tecnologias sociais.

Para que a logística dê certo, a Gerando Falcões criou um sistema de atuação em rede: as cestas digitais são direcionadas para as unidades próprias ou para ONGs e líderes comunitários conveniados, que se encarregam de distribuir os cartões para as famílias mais necessitadas de cada favela. Todo o processo segue um programa de excelência e é detalhado em relatórios de transparência.
De acordo com Lemaestro, o sucesso da campanha de arrecadação é resultado da relação de confiança construída pela Gerando Falcões com a iniciativa privada e a sociedade civil, baseada em transparência, dados e resultados.
Houve uma maior sensibilização devido à pandemia e nós usamos nosso poder de mobilização para trazer a sociedade para a discussão e aumentar o senso de responsabilidade da iniciativa privada, mas esse resultado é fruto de uma relação de confiança.
Lemaestro, diretor de expansão da gerando falcões
Ele diz que a organização sempre considerou a atuação dos doadores junto às comunidades tão ou mais importante do que o dinheiro doado. “Procuramos conectar os doadores com os líderes sociais das comunidades, levar a iniciativa privada para dentro da favela.”
A campanha de combate à fome ilustra bem a fórmula de empreendedorismo social da Gerando Falcões, que soma atuação em rede e em escala, participação da sociedade civil e da iniciativa privada e um tanto de tecnologia. Assim, a Gerando Falcões se transformou em uma espécie de hub de inovação social focado em desenvolver soluções escaláveis para redução da miséria.
Tecnologia para transformação social em escala
A Gerando Falcões começou como um projeto de palestras em escolas públicas de São Paulo e oficinas de hip hop e skate. Em 2013, a organização recebeu o primeiro investimento semente do Instituto PDR e foi aí que começou a se profissionalizar. “Foi o ponto de virada. Aprendemos a fazer gestão de processos, trabalhar com dados e captar de recursos. Montamos um polo de cultura e esporte e uma frente de qualificação profissional. Foi quando começamos a testar soluções com tecnologia e negócios sociais,” lembra Lemaestro.
A Gerando Falcões, que se define como uma organização social orientada a dados, adotou um modelo de gestão com metas, indicadores de performance, rituais de gestão, plano de carreira e gratificação para colaboradores. Hoje, a Gerando Falcões capta recursos para seus projetos por meio de vários tipos de parceria: patrocinadores da rede, patrocinadores incentivo fiscal, investidores sociais, apoiadores e doadores pessoa física.
O passo seguinte foi a expansão para levar o conhecimento adquirido para que outros líderes comunitários e organizações sociais possam reproduzir o modelo de atuação e gestão. Foi aí que a Gerando Falcões começou a construir sua rede de ONGs aceleradas e conveniadas, inclusive com investimento financeiro inicial para custeio de projetos e equipe. Hoje, a Gerando Falcões acelera 28 ONGs e espera chegar ao fim do ano com 36 no portfólio.
“Resolvemos capacitar líderes e ONGs que já atuavam, mas não tinham as ferramentas e o conhecimento para unir a iniciativa privada com o terceiro setor para alavancar seus projetos”, conta Lemaestro.
Desse desse processo nasceu a Falcons University, um programa de formação para líderes sociais. São doze módulos que englobam toda a trilha empreendedora da Gerando Falcões, desde antes do CNPJ até virar uma rede de ONGs, e focam em pilares como expertise de favela, expertise do setor privado, políticas públicas, tecnologia e inovação.
Desde 2019, a Falcons já formou 102 líderes e espera formar 540 até o fim de 2023. Ao fim da formação, os líderes podem permanecer na rede Gerando Falcões como unidade acelerada ou como unidade parceira.

A estratégia de crescimento da Gerando Falcões engloba o fortalecimento da rede de ONGs e líderes comunitários conveniados, a formação de líderes comunitários por meio da Falcons University e a expansão da frente de negócios sociais, como forma de tornar a organização um negócio sustentável e financeiramente estável. De olho em novas oportunidades de negócios sociais, em novembro passado a Gerando Falcões lançou seu bazar de produtos doados, cujo valor arrecadado é revertido para os projetos sociais. Em abril, o bazar virou e-commerce.
Nós estamos caminhando para um modelo sustentável, para uma independência financeira que vai nos permitir testar novos modelos de negócios sociais e desenvolver mais tecnologias sociais para combater a pobreza. Queremos o mesmo para as outras ONGs.
LEMAESTRO, DIRETOR DE EXPANSÃO Da GERANDO FALCÕES
Favela Digital, Digna e Desenvolvida
O projeto mais recente da Gerando Falcões, o “Favela 3D – Digital, Digna e Desenvolvida”, foi lançado nessa semana em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. Trata-se de um projeto piloto para transformar a favela da Vila Itália, atualmente uma área de ocupação onde vivem 240 famílias em barracões de madeira e lona sem acesso à água tratada, em uma comunidade desenvolvida, com infraestrutura básica (saneamento, água e energia elétrica) e mobiliário urbano.
Para isso, a Gerando Falcões novamente recorreu à atuação em rede: convocou o terceiro setor, iniciativa privada e o setor público a participar do projeto. De acordo com o projeto, a prefeitura de São José do Rio Preto vai regularizar o terreno; o governo estadual de São Paulo vai pagar parte da construção das casas e construir praças para esporte e lazer; a Gerando Falcões coordena a arrecadação de doações de pessoas físicas e empresas.
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Além da transformação da área, o Favela 3D prevê ainda um período de acompanhamento com as famílias e a implementação de cooperativas de negócios e projetos de educação, para que os moradores consigam gerar renda.
A ideia da Gerando Falcões é testar o modelo na Vila Itália e, depois, escalar a solução para “desfavelizar o Brasil”. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em dez anos o número de domicílios em favelas quase dobrou no país: em 2010, era 3,22 milhões; em 2019, esse número saltou para 5,12 milhões.