Em 14 de novembro de 2014, agentes da Polícia Federal acordaram alguns dos homens mais poderosos do Brasil. Era a sétima fase da famosa Operação Lava Jato, batizada de “Juízo Final”. Entre os 25 alvos, presidentes e executivos de grandes empreiteiras do país, que acabaram presos.
Com base em apreensões, diligências, quebras de sigilo e depoimentos de outros investigados, a Polícia Federal estava certa de que as empresas daqueles senhores faziam parte de um grandioso esquema de corrupção montado para desviar recursos da Petrobras, a maior estatal brasileira. Os contratos suspeitos somavam quase 60 bilhões de reais.
Com a arrogância típica de quem, cego pelo poder e certo da impunidade, se acha “dono do mundo”, alguns desses empreiteiros entraram em crise quando chegaram à carceragem da Polícia Federal naquele dia da prisão. Alguns choravam em pânico, outros diziam que não iriam aceitar a “humilhação” da cadeia, segundo relatos de policiais descritos em livros e em cenas de filmes sobre a Lava Jato.
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Com todas as críticas que possam ser feitas a qualquer operação policial, era um momento inédito no Brasil. Nunca gente tão rica e tão poderosa, e em grupo, havia entrado em camburão de viaturas. Tratava-se de uma mudança de paradigma, portanto, que rompia com a perversa lógica brasileira de que crimes de colarinho branco não são punidos.
Alguns desses empreiteiros presos naquele novembro de 2014 já foram condenados, outros viraram réus e outros ainda estão sendo investigados. Boa parte deles preferiu colaborar com o Ministério Público Federal para obter benefícios. O que ficou claro: empresários corruptos, donos das maiores construtoras do Brasil, se juntaram a agentes públicos e políticos para saquear os cofres públicos.
É claro que as empresas seriam duramente golpeadas pelos atos praticados por seus gestores. Se antes o dinheiro – muito dinheiro – circulava a partir dos contratos superfaturados e, claro, os negócios avançavam, depois da deflagração do esquema conhecido como petrolão os grandes grupos empresariais sofreram as consequências do caminho optado por seus donos: demissões, cancelamentos de contratos, fechamento de unidades.
Funcionários de uma das empresas investigadas chegaram a fazer atos públicos em defesa do chefe. Por um compreensível instinto de sobrevivência, era tentar defender o indefensável. As empresas acabaram firmando acordos de leniência, espécie de delação premiada para empresas. Somente uma delas se comprometeu a devolver mais de 800 milhões de reais de dinheiro desviado da petrolífera Petrobras, também, obviamente, atingida pelo esquema.
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Ora, a mim parece evidente que a corrupção levou essas empresas a uma nova situação de mercado, não o combate à corrupção. Mas Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, em evento em junho deste ano, disse o seguinte, segundo registro em diversos sites: “Às vezes, até, para certo tipo de corrupção, você tem que ser leniente”. E mais: “Em alguns estados extremamente burocratizados, com alto custo da economia, há uma tese de que um certo nível de corrupção funciona como graxa nas engrenagens e bota a economia para funcionar”.
Aragão não é o único a pensar assim. Ao criticar a Lava Jato, o deputado federal Elmar Nascimento, líder do partido DEM na Câmara dos Deputados, desenvolveu o seguinte raciocínio em recente entrevista à Revista Crusoé: “As empresas quebraram. O modelo de punição do Ministério Público não foi bom para o país”. Não, não é uma interpretação deste colunista, é um fato: agentes públicos brasileiros e formadores de opinião decidiram questionar a punição a corruptos, dizendo-se preocupados com a economia.
É preciso enumerar o que, na verdade, “trava a economia”: a relação inescrupulosa entre empresários e políticos, o superfaturamento de obras, as licitações fraudulentas, o pagamento de propinas em dinheiro vivo e por meio de contas offshore no exterior, os contratos fictícios, as empresas de fachada, os departamentos criados exclusivamente para administrar a corrupção empresarial e, principalmente, a impunidade.
Ou o Brasil – e aqui incluo a imprensa, o mercado, a sociedade, os políticos – decide enfrentar a histórica e sistêmica corrupção com responsabilidade e firmeza, assumindo as consequências indesejáveis, ou insiste em ser mais do mesmo: um país que deixa corruptos poderosos agirem livremente. É também uma decisão econômica.