Em 2014, com o nascimento de Olívia, sua primeira filha, Fabiana Jafif tomou uma grande decisão: abrir mão de seu emprego na gigante Google e buscar uma relação mais amigável entre maternidade e vida profissional. “Foi difícil organizar a logística diária com a minha filha, que tinha, na época, oito meses de idade. Priorizei ficar em casa com ela”, conta.
Formada em Relações Públicas, Fabiana é brasileira e mora na Buenos Aires há 19 anos. No currículo, tem passagem por grandes nomes da indústria, como LG Electronics e Teletech, além da Google. Já em casa para acompanhar mais de perto o crescimento de Olivia, Fabiana decidiu compartilhar suas experiências e dar dicas para mães que estivessem passando pela mesma situação que ela.
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“Criei um blog para falar sobre os desafios da maternidade e sobre o lado B que não te contam antes de você ser mãe. Aí nasceu o De Madre a Madre, que é, hoje, um dos blogs mais bem rankeados na Google Argentina”, destaca.
Além do material sobre a maternidade em geral, Fabiana começou a produzir um conteúdo voltado especificamente para mães empreendedoras – e elas não são poucas. De acordo com a Associação de Empreendedores da Argentina (ASEA), as mulheres lideravam 40% os empreendimentos do país no final de 2018. A tarefa de oferecer orientação e dicas às leitoras se expandiu para além do blog e, hoje, Fabiana trabalha como mentora de mães, é colaboradora da Vital Voices Argentina e é mentora na Cherie Blair Foundation for Women.

Fabiana Jafif, mentora de mães e criadora do blog De Madre a Madre. Foto: Arquivo pessoal.
Nas minhas redes sociais, faço muitos posts sobre ser mãe, e digo que não devemos ver a maternidade como uma desculpa para não fazer coisa, e sim como motivação
Fabiana Jafif
Como mentora particular, Fabiana ajuda mães a transformarem as ideias de negócios em ações concretas e exitosas, ponderando sobre os riscos e os potenciais de cada empreendimento. Com uma agenda lotada como palestrante sobre empoderamento materno e empreendedorismo, ela criou, há quatro anos, o evento “Mulher, mãe e empreendedora”, que reúne mais de 200 mães em Buenos Aires para fazerem networking e potencializarem seus projetos.

Fabiana Jafif e outras mães empresárias no evento “Mulher, mãe e empreendedora”, em Buenos Aires. Foto: Martina Rolandi
Fabiana procura mostrar, em suas palestras e projetos, que a jornada empreendedora requer boas doses de insistência e organização. “Superar os obstáculos exige planejamento, compromisso com o empreendimento e entender que é necessário encarar isso como trabalho, criar tempo na agenda. Dizer que não temos tempo é fácil. Quando a gente realmente quer algo, achamos o tempo em dois segundos”, afirma.
O desafio de ser duas em uma
A história de Fabiana não é a única em que a maternidade e o empreendedorismo se encontram devido a aspectos do mercado de trabalho que precisam melhorar para garantir a participação efetiva das mães no mundo dos negócios. Em uma pesquisa feita com 3.000 empresárias argentinas, Fabiana identificou que 53% delas começaram a empreender depois da maternidade, indicando que, para muitas mulheres, ser mãe e trabalhar em uma empresa pode não ser uma tarefa muito fácil.
Essa realidade não se limita às fronteiras da Argentina. No México, a Victoria 147, uma academia de negócios que auxilia empreendedoras na expansão de suas empresas, também lida de perto com a realidade das mães no ambiente empresarial. Para a Diretora Geral da Victoria 147, Ana Victoria García, a presença cada vez mais expressiva das mulheres no mercado de trabalho está demandando uma profunda reorganização das companhias.

Ana Victoria García, Diretora Geral da Victoria 147. Foto: Arquivo pessoal
“O mundo do trabalho foi criado dos homens para os homens. Quando a mulher chega, tudo começa a mudar, porque não se havia pensado em todas essas necessidades que a mulher tinha, incluindo o fato de ser mãe”, afirma. Para ela, o primeiro passo para superar esses obstáculos é falar sobre eles. “Na Victoria 147, nós fazemos fóruns, escrevemos e conversamos sobre isso, o que é muito importante, porque isso começa a nos sensibilizar”, conta.
Se a participação das mulheres no mercado de trabalho e no mundo dos negócios está transformando os ambientes organizacionais, ela também insere novos paradigmas no âmbito familiar. A divisão igualitária das responsabilidades familiares também é vista por Ana Victoria como um ponto central quando o assunto é a carreira profissional das mulheres.
Acredito que o maior desafio é a falta de divisão equitativa das responsabilidades familiares
Ana Victoria García
“Hoje, a mãe trabalha as mesmas horas que um homem e também faz tarefas domésticas e cuida dos filhos. Se começássemos a dividir as responsabilidades da família igualmente, teríamos um melhor desempenho das mulheres no mercado de trabalho”, destaca.
Independentemente do motivo que as levaram ao empreendedorismo, o fato é que um número cada vez maior de mulheres é protagonista de seus próprios negócios no México. Ana Victoria ressalta a importância de círculos de convivência e compartilhamento de experiências entre essas empresárias. “Uma das maneiras de enfrentar os obstáculos é a criação de grupos de afinidade e a reunião de mães empreendedoras nesse círculo de confiança, onde podem sentir-se acompanhadas, sentir que não são as únicas”,diz.
Ser mãe sem culpa
Cada história tem particularidades, mas, para Ana Cecilia Pérez Cristo, Diretora de Empreendedorismo da Victoria 147, os desafios que as mães empreendedoras enfrentam são, em sua maioria, de duas naturezas: logística e emocional. Ela foi mãe recentemente e, na sua visão, o primeiro passo que as mulheres precisam dar é definir que tipo de mãe empresária querem ser.

Ana Cecília Pérez Cristo, Diretora de Empreendedorismo da Victoria 147. Foto: Arquivo pessoal
“Prepare-se pessoalmente sem definir se existe uma maneira certa ou errada de ser mãe. Por exemplo, decidir se deve ou não deixar seu filho em um berçário, ou com uma babá, ou levá-lo ao escritório. Tudo depende muito da sua decisão e da maneira como você deseja educá-lo”, diz.
Acredito que uma mãe feliz cria um bebê feliz e, se parte da sua felicidade é trabalhar, a questão é encontrar uma solução
Ana Cecília Pérez Cristo
Para Ana Cecília, é preciso muita dedicação para exercer, ao mesmo tempo, as funções de mãe e empresária, e a organização do fluxo de trabalho e a agilidade fazem toda a diferença. “Para isso, tenha uma equipe de trabalho à qual você possa delegar atividades e torne as coisas mais eficientes usando a tecnologia. Aproveite a conectividade para receber chamadas e melhorar a dinâmica fora do escritório”, orienta.
Ana Victoria lembra que a chegada do bebê gera incertezas e exige, das mães, um esforço permanente de equilíbrio entre as funções. “Sempre há eventualidades e, de repente, as prioridades da mulher como empresária e como mãe não se alinham. O desafio da mãe é ter muita clareza sobre as responsabilidades dos desses dois âmbitos e poder conciliá-las de uma maneira harmoniosa para evitar frustrações”, orienta.
Igualdade
A temática da igualdade de gênero está, sem dúvidas, em alta. As marcas compreenderam a importância de dar visibilidade ao tema, as empresas se conscientizaram sobre a importância de garantir ambientes mais igualitários, e não é diferente no ecossistema empreendedor. Há esforços cotidianos e permanentes para torná-lo mais adequado à realidade das mamães que empreendem.
Para Ana Cecília, a construção de um ambiente mais acolhedor para mães no mundo dos negócios requer um trabalho coletivo de empatia. “É preciso estarmos muito conscientes de que, durante um determinado período de tempo, as mães estarão mais ausentes, mas que isso não significa que elas sejam menos eficientes”, destaca.
Ela cita, também, medidas estruturais simples, mas que fazem toda a diferença para as mães empresárias. “Com relação aos eventos e atividades, ter uma espaço reservado para amamentação. Além disso, para viabilizar o networking materno, as manhãs são mais simples para as mães do que as tardes e noites”, aponta.
Perguntamos a Fabiana o que precisa avançar no ecossistema empreendedor para que as mães sejam mais acolhidas. Para ela, essa resposta vai muito além do mundo dos negócios. “A tradição social de que as mães têm que ficar em casa unicamente cuidando dos filhos está démodé. Não é mais assim”, diz.

A mentora de mães e criadora do blog De Madre a Madre, Fabiana Jafif, e suas filhas. Foto: Arquivo pessoal
O mais importante é entender que ser mãe é maravilhoso, mas não deve ser a única coisa nas nossas vidas
Fabiana Jafif
Por fim, construir um ecossistema empreendedor cada vez mais amigável vai muito além de cobrar ações de terceiros: envolve também o esforço para ser um exemplo a ser seguido. “Na Victoria 147, nós tentamos entender quais são nossos desafios e como superá-los internamente com a nossa equipe. Tivemos exercícios bem-sucedidos e é essa maneira que estamos aprendendo a resolver essas necessidades”, conta Ana Victoria.