Pedro Castillo presidente Peru Ariel Palacios
Pedro Castillo chega ao congresso para a cerimônia de posse. Foto: CHINE NOUVELLE/SIPA/Shutterstock
Sociedade

Novo presidente do Peru inicia mandato sob saraivada de incertezas

Pedro Castillo, sem maioria parlamentar, terá que enfrentar pandemia e crise econômica… tudo isso com um Congresso Nacional que pegou gosto por "impeachar" presidentes de plantão

Read in englishLeer en español

No histórico prédio do Parlamento em Lima, cenário de tantos momentos turbulentos da política recente peruana, José Pedro Castillo Terrones recebeu a faixa, o bastão e a placa presidencial (o Peru conta com três símbolos do poder presidencial). Homem fervorosamente religioso (ele reza sempre antes de qualquer refeição), jurou por Deus, pelos camponeses, pelos docente e por uma nova constituição que ele diz que o país terá no futuro, em um prazo a ser determinado.

Ideologicamente, Castillo é de esquerda na área econômica. No entanto, na área de Direitos Humanos, é um ultra-conservador. Ele é visceralmente homofóbico, contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, contra a adoção de crianças por homossexuais, afirma que a família só pode ser composta “por esposo e esposa” e que vai eliminar o ensino de gênero das escolas. Também é categoricamente contra a legalização do aborto. Castillo afirma que em sua família ele aprendeu “a ter valores e cortar as unhas”. 

Castillo, que volta e meia anda a cavalo, meio de transporte comum no interior do Peru, aparece sempre usando um chapéu alto de palha branco chamado “bambarquino”, típico de sua região, feito de forma artesanal, que leva de três semanas até dois meses para ser feito. Na posse, usava um.

Em seu discurso, afirmou que esta é a primeira vez que o Peru será governado por uma pessoa que foi lavrador (na infância e juventude) e professor rural (em toda sua vida adulta). Para acalmar os ânimos em relação a eventuais estatizações de empresas e confiscos de propriedades privadas (assuntos que ele próprio havia citado no início da campanha eleitoral), Castillo afirmou que se tratam de mentiras e boatos. 

Com o slogan eleitoral “No más pobres en un país tan rico” (Não mais pobres em um país tão rico), o novo presidente assustou os mercados e a elite peruana nos últimos meses. A moeda nacional desvalorizou, a Bolsa de Valores de Lima caiu. Além disso, foram registradas saídas de capitais estrangeiros e nacionais. Milhares de pessoas da classe média alta e alta do país começaram a abrir contas no exterior. Não é à toa que ficaram famosos no Youtube vídeos explicando como abrir contas fora do país. 

Castillo fez questão de ressaltar que pretende uma economia previsível, que não estatizará empresas nem controlará o câmbio. Mas destacou que quer projetos de mineração para incrementar as economias regionais e aumentar a receita do Estado.

O novo presidente sustentou que criará um sistema para que as grandes empresas não driblem a Receita Federal e que o Estado assumirá ativamente “a defesa do ambiente e dos direitos dos consumidores”.

LEIA MAIS: Haiti: o caos político e social que culminou no magnicídio de Jovenel Moise

Vale lembrar que o partido de Castillo defendia explicitamente a estatização de empresas. Eleito, ele deixou claro que sua ideia – a princípio – é a de que o Estado tenha mais participação na gestão da economia, especialmente para reverter a desigualdade que afeta o Peru desde os tempos em que o conquistador espanhol Francisco Pizzarro iniciou a exploração do desmantelado império inca.

Polêmicas discursivas 

De início previsível, o discurso de posse tomou outro rumo quando Castillo abordou um tema polêmico: seu plano de uma assembleia constituinte. Ele afirma que enviará um projeto de lei ao Parlamento para que seja convocado um referendo para a realização de uma constituinte com o intuito de formular uma nova carta magna. Em defesa do projeto ele argumenta que o Peru é “prisioneiro” da atual constituição. Mas, para isso, Castillo precisará do respaldo do novo Parlamento, algo que desponta como improvável. O temor dos mercados é que Castillo encontre uma via alternativa para convocar a assembleia constituinte.

Apoiadores de Castillo pedem por uma nova constituição. Foto: Fotoholica Press/Shutterstock

Castillo também declarou que não irá morar no Palácio Pizarro, a sede da presidência, ao contrário dos presidentes peruanos anteriores. Ele considera o edifício neobarroco um resquício do passado colonial do país. Não explicou onde residirá e onde ficará seu escritório de trabalho. O Pizarro será destinado ao “Ministério das Culturas”.

Castillo chamou a atenção com um plano que poderia soar um tanto quanto “bolsonarista”: “Os jovens que não trabalham nem estudam terão que fazer o serviço militar!” Além disso, declarou algo que recordou o ex-presidente Donald Trump: prometeu expulsar em 72 horas os imigrantes estrangeiros que cometam delitos dentro do Peru. Até agora, os imigrantes que cometiam delitos eram julgados e eventualmente cumpriam penas nas prisões do país, tal como qualquer residente.

Um primeiro-ministro homofóbico começa a dar o tom

Um dia após sua posse, Castillo anunciou o nome de seu primeiro-ministro: Guido Bellido Ugarte, de 42 anos, praticamente desconhecido até esta quinta-feira. Bellido é obediente ao presidente do partido Peru Livre, Vladimir Cerrón, que foi inabilitado na Justiça por seus processos de corrupção e não pôde disputar as eleições presidenciais (motivo pelo qual Castillo – um recém-chegado no partido – teve espaço para sua candidatura neste ano). 

A designação de Bellido, um radical que declara admiração pelos regimes de Cuba e Venezuela, e que está sendo processado na Justiça por apologia do delito ao elogiar as ações do extinto grupo guerrilheiro Sendero Luminoso, é um claro sinal que de Castillo teve que ceder mais espaço para os integrantes do Peru Livre. 

Bellido também é um notório homofóbico. Nos últimos meses ele declarou que acredita na existência de um lobby gay. Segundo ele, os “maricas” (gíria chula no mundo hispano-falante para homens homossexuais) são um tipo de “degeneração”. E cita como exemplo o que Fidel Castro dizia sobre os homossexuais em 1963: “A revolução não precisa de cabeleireiros”. Bellido afirmou: “Não vejo lésbicas e gays que organizem manifestações”.

LEIA TAMBÉM: O revival tropical de expressões fascistas e nazistas

O novo primeiro-ministro, tempos atrás, perguntou: “Por qual motivo querem ‘mariconizar’ os peruanos a qualquer custo?” O presidente brasileiro Jair Bolsonaro já tem um colega peruano com o qual rivalizar em matéria de homofobia.

Durante a campanha, Castillo teve como principal assessor econômico o moderado Pedro Francke, economista respeitado pelos empresários e pela academia. Ele era a pessoa apontada como virtual futuro ministro da Economia. No entanto, com a designação de Bellido como primeiro-ministro, Francke preferiu ficar de fora do governo.

Ao longo da sexta-feira (30), o país viveu um dia de tensões no mercado. A Bolsa caiu e a agência qualificadora Moody’s declarou que seria difícil manter a classificação do Peru em A3 devido às incertezas sobre as políticas públicas.

Ao fim, Castillo convenceu Francke a aceitar o convite para ser o novo ministro da Economia e a expectativa é de que sua presença possa acalmar os ânimos sobre os rumos do atual governo peruano.

LEIA TAMBÉM: Nicarágua: quando a revolução engole a própria revolução

Francke inclusive deu uma alfinetada no primeiro-ministro Bellido ao prestar juramento: “Pela igualdade de oportunidades, sem diferenciação de gênero, de identidade étnica nem identidade sexual, pela democracia e pela conciliação nacional, sim, juro!”. Horas depois marcou território perante Bellido, indicando pelas redes sociais que combaterá a homofobia.

Outra pasta crucial, a das Relações Exteriores, será comandada pelo sociólogo, Héctor Béjar, de 85 anos, que foi guerrilheiro em Cuba no trecho final da Revolução cubana no final dos anos 50. Admirador incondicional de Fidel Castro, ao voltar a seu país em meados dos anos 60, Béjar fundou seu próprio grupo guerrilheiro. No entanto, nunca teve sucesso nesse empreendimento e foi detido. Béjar é um importante acadêmico, embora considerado como integrante de uma esquerda anacrônica.

O gabinete de Castillo conta com 18 ministérios. Desses, apenas duas pastas são comandadas por mulheres, o que indica que é um dos gabinetes mais misóginos da América do Sul, algo que se esperava devido ao perfil conservador e religioso do presidente. A defesa da equidade e o combate à discriminação não são prioridades da nova gestão.

Nenhuma mulher ocupa pastas como Defesa, Relações Exteriores, Interior, Transporte ou Agricultura. As duas mulheres designadas por Castillo ficaram com o Ministério da Mulher e o Ministério da Inclusão. Na realidade, Castillo reaproveitou sua vice-presidente, Dina Boularte, para a pasta da inclusão. Grupos feministas consideram que, desta forma, no que concerne à luta pelos direitos de gênero, o país retrocedeu 15 anos com o novo governo.

Um Congresso (afeito à impeachments) de oposição

Uma das primeiras tarefas que o novo governo terá será a de entregar até o dia 30 de agosto o projeto de lei do Orçamento Nacional para 2022. Além disso, terá que definir o que fazer com todas as regras fiscais que foram temporariamente suspensas devido à pandemia. 

Mas, há um fator crucial para qualquer medida de Castillo na área econômica: ele não tem maioria parlamentar atualmente. E o Peru tem um sistema institucional semi-presidencialista (ou semi-parlamentarista), no qual o Parlamento tem muito poder e o presidente está mais limitado do que seus colegas presidentes dos países vizinhos. 

LEIA TAMBÉM: Em El Salvador, o millennial que amplia sua base autoritária e deseja “bitcoinizar” o país

Inclusive, Castillo sofreu o primeiro revés nessa seara no início da semana, quando uma aliança de partidos conservadores da oposição elegeram como presidente do Parlamento a deputada Maria del Carmen Alva Prieto, do partido Ação Popular. Os 2º e 3º postos de comando do Parlamento também ficaram nas mãos da direita.

Trata-se de uma dura derrota para Castillo, que planejava colocar no comando do Parlamento um deputado de centro-direita junto com um de centro e um de centro-esquerda. Castillo tem minoria no Parlamento. Seu partido conta com apenas 37 cadeiras. Ele conseguiu somente 8 aliados adicionais. Desta forma, possui somente 34% das cadeiras no Parlamento.

Após anos como exemplo de estabilidade macro-econômica, a queda 

Hoje a quinta maior economia da América Latina, o Peru foi, desde a virada do século, uma espécie de aluno caxias da estabilidade macro-econômica.

Na última década, o PIB peruano cresceu em média 4,8% ao ano e a inflação oscilou entre 1% e 3% (menos do que a inflação mensal argentina, por exemplo). O déficit fiscal em 2019, véspera da pandemia, foi de 1,6%. As reservas internacionais do Banco Central equivalem a 36,7% do PIB. E a pobreza vinha em queda de forma persistente, passando de 60% em 2001 para 21%.

A pandemia, no entanto, fez seus estragos. A pobreza voltou a crescer e atualmente assola 30% dos peruanos. Mais de dois milhões de pessoas perderam seus empregos durante a crise sanitária. A economia ficou semi-paralisada durante mais de 10 dias entre o 15 de março e o dia 1º de julho do ano passado, fato que mergulhou o país na recessão. O déficit fiscal foi a 8,9%. O PIB despencou 11,1%, a pior queda em 2020 na América do Sul (e o pior desempenho da economia peruana desde os anos 80).

LEIA TAMBÉM: No Equador, um presidente de direita governará com uma base de esquerda, mas não é só isso

Depois de um ano de baixas econômicas, agora começam a aparecer alguns sinais positivos: em maio a economia registrou um crescimento de 47,80% em relação ao mesmo mês de 2020 graças à recuperação da maioria dos setores produtivos. O FMI, na véspera da posse de Castillo, anunciou que prevê que o Peru terá um crescimento de 8,5% nesse ano. Entre janeiro e maio o PIB cresceu 19,69% em comparação com o mesmo período do ano passado. E o acumulado entre junho de 2020 e maio de 2021 foi de 2,5%.

Esse é o cenário econômico que Castillo encontra ao assumir a presidência do país que, segundo sua constituição de 1993, tem uma “economia social de mercado”. 

A posição de Castillo sobre como administrar a economia peruana já teve idas e vindas. No ano passado, ele afiliou-se ao partido Peru Livre, partido que se denomina marxista-leninista. Meses atrás Castillo dizia que iria estatizar empresas de serviços públicos. Depois, deixou esse discurso de lado e afirmou que somente iria criar uma lei que estipularia que as multinacionais teriam que reinvestir boa parte de seus lucros no país.

Nos últimos tempos, suavizou mais o tom. “Não somos chavistas. Não somos comunistas. Não vamos retirar as propriedades de pessoa alguma”, explicou Castillo dias antes da posse.

Castillo afirma que quer uma “economia popular com mercado”. Esse termo não existia antes. O próprio presidente eleito nunca explicou exatamente do que se trata. Os analistas deduzem que seja uma espécie de política protecionista, com um Estado mais presente na economia – mas ainda uma economia capitalista. 

Escândalos da pandemia 

Não bastasse o revés econômico do último ano, Castillo assume um país abalado por escândalos relativos à gestão da pandemia.

Embora no início, o então presidente Martín Vizcarra tenha aplicado um rigoroso protocolo sanitário, com lockdown em todo o país (e posteriormente quarentenas em regiões específicas), não tardou para escândalos de toda ordem começarem a aparecer. O maior deles foi o que ficou conhecido como “Vacuna-gate”, uma corruptela do famoso caso Watergate, que resultou na queda do presidente americano Richard Nixon. 

Vacinação de idosos no Peru. Foto: Fotos Públicas

No “Vacuna-gate” peruano, um lote de 600 doses de vacina foi desviado para ser secretamente aplicado como “cortesia” para diversos políticos, em vez de serem destinadas a profissionais da saúde ou idosos. A lista dos VIPs era composta por 487 pessoas, entre elas o Núncio Apostólico Nicola Girasoli, isto é, o embaixador do Vaticano (o representante no Peru do representante de Deus na Terra para os católicos), que de forma nada cristã passou na frente de idosos para ser vacinado. Monsenhor Girasoli, sem encontrar um argumento bíblico ad hoc para a situação, alegou que foi vacinado na categoria de “consultor de assuntos éticos”. 

Para complicar mais, veio à tona que Martín Vizcarra, que nos últimos conturbados anos havia se tornado o “líder anti-corrupção”, foi vacinado quando ainda era presidente. Ironias da vida, o slogan da campanha publicitária de Vizcarra quando estava na presidência para que as pessoas tomassem cuidado com a pandemia era “Em primeiro lugar, minha saúde” (o slogan passou a ter outra interpretação depois do “Vacuna-gate”). 

LEIA TAMBÉM: Um mini-guia para entender os mega-imbróglios políticos da Bolívia

Os peruanos testemunharam outras polêmicas desde o início da pandemia, da escassez de oxigênio nos hospitais à tentativa do governo de bloquear a divisa com o Equador e brecar a entrada permanente de migrantes não-autorizados que supostamente poderiam trazer novas cepas do coronavírus para o Peru, passando pela divulgação, pela classe política, de remédios “milagrosos”, na contra-mão da ciência. 

O fato é que um ano e meio desde o início da pandemia, o Peru acumula mais de 2,1 milhões de contaminados e 196 mil mortos. A vacinação começou tarde e acontece a passos de tartaruga. Até o momento só foram vacinados 21% dos habitantes com pelo menos uma dose e 14% com as duas doses.

Os Fujimoris

É impossível falar da história política recente do Peru sem falar dos Fujimoris. 

A própria chegada de Castillo ao poder foi marcada pela rivalidade contra Keiko Fujimori, filha do ex-ditador e ex-presidente Alberto Fujimori. Candidata derrotada pela terceira vez, Keiko tentou desesperadamente impugnar o segundo turno das eleições, pois precisava do foro privilegiado, uma vez que é denunciada na edição peruana da Lava-Jato. Ela inclusive esteve presa na prisão de Chorrillos durante 13 meses. Há poucas semanas o procurador anti-corrupção José Domingo Pérez solicitou ao 4º Tribunal do Crime Organizado a prisão preventiva de Keiko.

Alberto Fujimori, ex-presidente e ex-ditador do Peru, em foto de 2003. Foto: Masatoshi Okauchi/Shutterstock

São três os Fujimoris na política do Peru: Alberto Fujimori, que governou o Peru entre 1990 e 2000; sua filha Keiko Fujimori, chefe do partido do pai e três vezes candidata presidencial; e Kenji Fujimori, filho mimado do ex-ditador, irmão de Keiko e, volta e meia, seu aliado ou seu inimigo.

Alberto Fujimori, um medíocre agrônomo, disputou a eleição presidencial em 1990 contra Mario Vargas Llosa. O escritor começou a campanha despontando como o favorito. Mas Fujimori, com um discurso entre o progressismo e o populismo e apoio das igrejas evangélicas, ganhou terreno rapidamente e venceu a disputa. Dois anos depois deu um auto-golpe: fechou o Parlamento, prendeu opositores, levou ao exílio diversos intelectuais e iniciou uma onda de repressão, respaldada por uma máquina estatal de torturas.

Em 1995, controlando a mídia e o Estado, candidatou-se à reeleição e venceu. A constituição indicava que um presidente só poderia disputar uma reeleição. Mas na segunda metade da década o regime foi desmoronando sob o peso dos escândalos. Sem contar mais com o respaldo dos Estados Unidos, Fujimori fugiu do país.

LEIA TAMBÉM: Um restaurante vegetariano com frango ao molho pardo no menu

Ficou uma década foragido até que, em 2007, foi extraditado pela Justiça chilena e retornou a Lima. Em abril de 2009 ele foi condenado a 25 anos de prisão por assassinatos, sequestro e torturas. Depois, foi novamente condenado a outros sete anos e meio de prisão por desvio de fundos públicos. 

Atualmente ele está sendo julgado pela esterilização forçada em quase 300 mil mulheres indígenas e camponesas nos anos 90.

Apesar dessa sucessão de escândalo e crimes e da condenação, o “fujimorismo” continua forte no Peru. O suficiente para que Keiko tenha sido candidata presidencial em 2006, 2016 e 2021. 

Keiko Fujimori, em foto de junho desse ano. Foto: Geraldo Caso Bizama/SIPA/Shutterstock

Keiko está mergulhada no sistema de poder desde sua adolescência. Com a prisão de seu pai em 2007, assumiu o comando do fujimorismo. Embora derrotada nas urnas, transformou o fujimorismo na principal força opositora no Poder Legislativo. Ela tornou-se uma espécie de “puxadora-de-tapetes serial” dos presidentes peruanos de plantão. 

O outro Fujimori é Kenji, ex-deputado, que controla um setor do fujimorismo. Enquanto Keiko rodeva-se dos “neofujimoristas”, Kenji respaldava-se na velha guarda fujimorista. Há cinco anos, os dois entraram em atrito na hora de votar pelo impeachment do então presidente Pedro Pablo Kuczynski, com acusações mútuas de corrupção e puxadas de tapete entre irmãos dignas de “Games of Thrones”.

A dança das cadeiras na presidência do Peru

Nos últimos 30 anos, o Peru viu cinco presidentes consecutivos envolvidos em problemas graves com a Justiça. O mais antigo é Alberto Fujimori. Depois, com a volta da democracia no ano 2000, vieram Alejandro Toledo, Alan García, Ollanta Humala e Pedro Pablo Kuczynsky – todos acusados de envolvimento no caso Odebrecht. 

Não bastasse, nos últimos cinco anos o Peru teve cinco presidentes, quatro dos quais caíram por impeachments ou por revoltas populares. Começando por Kuczynski, que renunciou em 2018 para evitar um impeachment depois de um escândalo de corrupção de compra de votos. 

Seu primeiro-vice-presidente Martín Vizcarra assumiu. No entanto, ele entrou na mira dos partidos políticos da direita e da esquerda ao convocar um plebiscito para eliminar as reeleições dos deputados. Na ocasião, 85% dos eleitores votaram pela proposta de Vizcarra. 

LEIA TAMBÉM: A esperada crise colombiana (ou como empurrar os problemas com a barriga)

Em 2019, a coisa voltou a ficar algo eletrizante. A vice do ex-vice, Mercedes Aráoz, derrubou Vizcarra em um célere “golpe” parlamentar. 24 horas depois Vizcarra voltou ao poder, para definitivamente em 2020, quando foi removido pelo Parlamento com o argumento de “incapacidade moral” devido a um suposto caso de suborno. 

Vizcarra foi substituído por Manuel Merino, que nem conseguiu completar uma semana no poder. Durou cinco dias no cargo, pois uma série de protestos populares o forçaram a renunciar. Merino foi substituído pelo presidente interino, Francisco Sagasti, que tornou-se o quinto chefe de Estado no Peru em um mandato de cinco anos. Ele se encarregou de passar o poder a Castillo.

Polarização?

Com uma história política recente eletrizante e a eleição de um candidato de esquerda ultra-conservador (pois é), muito se falou em polarização da sociedade peruana. Não foi o caso. 

A polarização existe quando dois grupos concentram o frenesi de dois enormes setores. Mas nem Keiko nem Castillo mobilizaram vastas multidões.  

No primeiro turno houve uma saraivada sem precedentes de candidatos, um total de 18. Além disso, as pesquisas indicavam uma imensa fragmentação nas intenções de voto, já que até uma semana antes da votação ninguém ultrapassava a faixa de 13% dos votos. 

LEIA TAMBÉM: Outsiders e independentes escreverão a nova Constituição chilena

Não bastasse, o cardápio de candidatos era bizarro. Além de Keiko correndo pela direita populista e Castillo pela esquerda populista, havia de tudo um pouco: de empresário milionário investigado por lavagem de dinheiro a advogado denunciado por assédio sexual, passando por ex-jogador de futebol.

Ao fim e ao cabo, no primeiro turno, dos quase 18 milhões de eleitores peruanos que compareceram às urnas, Keiko e Castillo somaram, apenas 4,6 milhões de votos. Isto é, quase 74% dos peruanos optaram por outros candidatos ou votaram em branco ou anularam seus votos. Ou seja, no segundo turno o pleito foi definido pelo voto “anti”: aqueles que não digerem Keiko de jeito algum, votaram em Castillo. E aqueles que não suportam Castillo, votaram em Keiko. 

Agora, resta a Castillo enfrentar – além dos desafios da economia, da pandemia e de um Congresso afeito à impeachments -, a furiosa Keiko tentando puxar seu tapete no Parlamento, e tentar escapar à tradição recente dos presidentes peruanos de plantão, de durar menos que uma série na Netflix.

Keywords