homem abre carteira com algumas cédulas de reais
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Sociedade

O jeitinho brasileiro de gastar

E porque desejo que as crianças das novas gerações cresçam estranhando a canção de Paulinho da Viola

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A maior parte dos problemas financeiros dos brasileiros não está associada à falta de dinheiro ou à falta de conhecimento sobre o que fazer com o dinheiro que se tem. A dívida – e tudo o que vem junto com ela, como o estresse e a ansiedade – ainda nasce de comportamentos contestáveis. Trata-se, portanto, de uma questão comportamental. É o que eu ousaria chamar de o jeitinho brasileiro de gastar.

Por óbvio, temos de considerar variáveis e não cair na tentação de generalizar, enfiando 209,3 milhões de pessoas em uma mesma caixinha. Mas, vamos lá: dispenso gráficos e uma infinidade de dados econômicos para afirmar que o brasileiro, em geral, ainda gasta mal, muito mal. Permito-me fazer esse juízo de valor partindo do princípio de que rolar a dívida do cartão de crédito, abusar do cheque especial, viver amarrado em financiamentos e não ter condições de poupar, por exemplo, são coisas más.

Para escrever esta coluna, escutei dois renomados especialistas em educação financeira e que entrevistava quase que semanalmente ali entre 2010 e 2013. Não me espantei ao ouvir dos dois que a avaliação que fazem do perfil do consumidor brasileiro mudou muito pouco de lá para cá.

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“Continuo achando que não é falta de conhecimento. Quase todos os brasileiros da chamada classe média já sabem o que fazer, a informação já chegou a eles, mas eles não as colocam em prática”, disse Álvaro Modernell, sócio-fundador da Mais Ativos, mestre em finanças com um vasto currículo acadêmico, além autor de diversos livros na área.

É simples assim: o bê-a-bá para se ter uma vida financeira minimamente confortável não é mistério, mas basta o dinheiro pingar na conta para a visão ficar turva e as decisões serem tomadas visceralmente.

Não falta informação financeira. Falta educação financeira.

Álvaro Modernell, sócio-fundador da Mais Ativos.

O debate em torno da reforma da Previdênciaaquela que, na minha avaliação, já passou – incomoda muita gente das classes média e alta no Brasil também por este motivo: quem vive com seu confortável salário em um emprego estável será forçado a repensar planos e atitudes. Com a reforma aprovada, não será mais uma questão de querer ou não se educar financeiramente. A nova realidade – apesar de privilégios que algumas corporações conseguiram manter – imporá igualmente uma nova forma de os brasileiros lidarem com o conceito de gastar e, consequentemente, de poupar.

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Um deputado que participou das discussões em torno do texto final da proposta me contou, em reservado, que um integrante da alta cúpula do Judiciário chegou ao seu gabinete angustiado com as novas regras de aposentadoria.

Por quê? Ele tinha planejado uma vida tranquila na Europa depois de parar de trabalhar, mas as contas estavam sendo feitas com a garantia do dinheiro acumulado com as regras atuais. Pois é.

O consultor financeiro da Libratta Rogério Olegário me disse estar convencido de que, antes de ensinar regras financeiras, é preciso “trabalhar o comportamento financeiro” dos brasileiros. E comportamento, sabe-se, não se modifica da noite para o dia. É por isso que Olegário e sua esposa, com quem trabalha, decidiram investir nas próximas gerações, lançando livros voltados especialmente para os pequenos e liderando projetos de educação financeira em escolas e em parceria com as famílias.

Não é à toa que uma das músicas de maior sucesso do consagrado músico brasileiro Paulinho da Viola diz que “dinheiro na mão é vendaval na vida de um sonhador”. E mais: “Quanta gente aí se engana e cai da cama com toda a ilusão que sonhou. E a grandeza se desfaz, quando a solidão é mais, alguém já falou”. O brasileiro é, por essência, um sonhador.

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Juntar o dinheiro necessário para só depois comprar um bem ou serviço é, quase sempre, pedir demais a um consumidor brasileiro.

O brasileiro quer hoje, quer agora. Ele não sabe esperar.

Rogério Olegário, consultor financeiro da Libratta.

Uma boa explicação – não justificativa – para esse comportamento é a marca que anos de superinflação, antes do Plano Real, deixaram no país. Com o dinheiro corroído pela carestia diariamente, era preciso consumir o mais rápido possível.

“Tem de começar pelas crianças. Porque os adultos não se convenceram de que regras simples mudam a vida da gente. E percebo que, em muitos casos, não adianta convencer a pessoa de que fazer financiamento no Brasil, com spreads bancários nas alturas, é um tiro no pé. Não adianta. Ele sempre fez isso e acha que tem de continuar fazendo”, emendou Olegário. “É algo enraizado, que foi passando de pai para filho”, concluiu.

De pai para filho, o jeitinho brasileiro de gastar faz até com que renda extra, ao invés de virar solução ou ao menos diminuir problemas, gere novas dores de cabeça: basta observar como o 13º salário, pago a todos os brasileiros com carteira assinada, é historicamente usado. Que as crianças brasileiras das próximas gerações cresçam estranhando a canção de Paulinho da Viola.