O atual presidente da Argentina Mauricio Macri
O atual presidente da Argentina, Mauricio Macri, que tenta a reeleição, saiu derrotado das primárias.
Sociedade

O mágico banguela de Macri e o neoliberalismo

Como um dos mascotes da campanha do presidente argentino virou símbolo da derrota dele nas primárias

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Enquanto apresentadores atônitos tentavam explicar a esmagadora derrota do atual presidente do país, o neoliberal Mauricio Macri, para a chapa que tem Cristina Kirchner como vice nas primárias, uma imagem, primeiro icônica e, logo depois, melancólica, despontava nas redes sociais, canais de televisão e sites de notícias de todo o mundo.

Os argentinos vinham do que lá é conhecido como as “PASO”, eleições primárias abertas, simultâneas e obrigatórias. Etapa que, na prática, vem se tornando uma grande pesquisa eleitoral, indicando o humor para as eleições presidenciais de outubro.

Era esperado que a chapa de Alberto Fernández e Cristina Kirchner teria certa vantagem. O que ninguém antecipava era que fosse tão grande a diferença entre as duas chapas (15%) e que a província de Buenos Aires, com 15 dos 40 milhões de argentinos, essencial para a governabilidade, também optasse pelo kirchnerismo.

Os “hermanos” lidam com uma inflação que já chega a 55% ao ano, juros anuais que superam 74% e outros dados que não são exatamente alentadores. Um em cada três argentinos é pobre e quase 7% da população, de indigentes. Em 2017, o PIB caiu 2,5%, mesmo com empréstimo de US$ 57 bilhões do FMI.

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Macri, uma espécie de João Dória, em quatro anos não conseguiu entregar sua principal promessa de campanha: uma chuva de investimentos estrangeiros que supostamente alavancaria a economia. Um dos mais respeitados cientistas do país afirmou recentemente que, nesse cenário, a reeleição seria virtualmente nula. O neoliberalismo, menina dos olhos do establishment de 1990 a 2000, e que tem sido revisitado, parece ter fracassado.

Em meio a este cenário, o passado parece ser o futuro da Argentina.

Enquanto no comitê “Todos”, da chapa de Cristina e Fernández, se entoava a marcha peronista e o clima era de festival, no domingo, após as PASO, os cinegrafistas captavam uma cena inusitada no comitê de Macri.

mágico em meio a um evento vazio
Pablo Cabaleiro, o mágico banguela e mascote de Macri.

Tratava-se de um homem sentado numa cadeira em um salão vazio, vestido de mágico, cartola posta, cabeça baixa deslizando os dedos sobre a tela do celular. A imagem desoladora que representa o provável fim de uma era.

Não demorou muito para que a imprensa o identificasse. Pablo Cabaleiro, conhecido como o mágico banguela, é uma espécie de mascote de Macri e está sempre presente nos atos do partido. Sorri, mas não tem dentes.

A Argentina nunca foi um “case de sucesso”

Os Kirchner estiveram no poder por 12 anos consecutivos, com um mandato do ex-presidente falecido Néstor Kirchner e dois de Cristina. Coincidência ou não, durante o último mandato de Cristina Kirchner, o bordão para explicar o ela chama de “década ganha” era “não foi magia”. A expressão se refere ao esforço que ela considera ter feito para reerguer o país desde 2001, quando a Argentina foi à bancarrota, afastando o país do neoliberalismo, re-estatizando empresas privatizadas na era Menem, mantendo controle do sistema financeiro e subsídios sociais.

A Argentina nunca foi, digamos assim, nem na era de Cristina, nem na de Macri, “um case de sucesso”. O que eles chamam de “gretas” ideológicas fazem com que o país raramente tenha políticas de Estado, em contraste ao que decide o governo vigente. Quando Macri entrou, em 2015, estabeleceu como política fazer exatamente o oposto do governo anterior, sem considerar nem o bom, nem o mau deixado pela gestão que o antecedeu.

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Se ganhar, Aberto Fernández e Cristina Kirchner deverão adotar esse sistema de mudança radical. Por isso, quando o mágico banguela apareceu na televisão, era difícil não fazer um contraponto com pouco menos de quatro anos antes, quando a euforia tomava conta dos mercados com a entrada de Macri.

Os jornais chegaram a escrever, naquela ocasião, que empresários  “faziam fila” para falar com Macri no Foro de Davos, na Suiça, dois meses depois de eleito, interessados em investir na Argentina.

Um comediante local, meses depois, brincava, em vídeo, com a esperança dos argentinos de que o neoliberalismo iria inundar o país com os dólares. No vídeo, ele apontava aos aviões de linhas comerciais que passavam e dizia “olha lá os investimentos estrangeiros chegando”.

Em outra cena, passava um carro velho, com um megafone anunciando “dólares, dólares”. A condição era que, aquele que quisesse dólares deveria, soprar um amendoim até a esquina. Uma sátira às escandalosas concessões que investidores pediam para investir no país.

Brasil: um aglutinador ou um decantador de relações?

No Brasil, a notícia caiu como uma bomba no governo de Jair Bolsonaro, abertamente cabo eleitoral de Macri. As declarações ofensivas do presidente revoltaram os argentinos e o mandatário pôs em xeque a sobrevivência do bloco Mercosul, caso a chapa de Cristina Kirchner ganhe as eleições.

Outra vez, o continente passa por uma prova de união. Seguiremos juntos? Brigaremos no condomínio? A Argentina é o terceiro maior sócio comercial do Brasil e o Brasil o primeiro para os argentinos. Lá se diz que se “O Brasil espirra, a Argentina tem pneumonia”.

O impacto do Brasil na região não pode ser ignorado. Nesta comarca do mundo, o Brasil serve tanto como aglutinador, como decantador. No Peru, escândalos com a Odebrecht derrubam presidentes, os leva ao suicídio. Lá até Jesus Cristo pode cair por causa de escândalos que começaram no Brasil. O “Cristo do Pacífico”, em Lima, doado pela Odebrecht, virou uma pedra no sapato do governo, pois simboliza a corrupção.

Pesa sobre nós aceitarmos as eleições soberanas de um país vizinho.

Nem a magia de Cristina, nem o mágico banguela podem tirar bom senso da cartola. Não existem milagres, mas podemos torcer para que a América Latina não fique banguela, com um país sim e outro não na arcada da união que nos é requerida.

O ex-presidente José Mujica costuma dizer em entrevistas que não existem nem vitórias, nem derrotas eternas, e que a história do mundo é pendular. Esperemos que o pêndulo aponte a um centro, nem para a direita, nem para esquerda, apenas para o equilíbrio de governos que consigam conciliar crescimento econômico com justiça social. Sem muitos truques na cartola além de sensatez.