O termo Teoria Crítica da Raça (CRT, em inglês) tem aparecido com frequência nas notícias, tonando-se um assunto mal compreendido por muitos, não só em razão da polarização política em torno do termo, mas também em razão da desinformação alimentada por líderes e meios de comunicação da extrema-direita.
Para esclarecer alguns dos equívocos em torno dessa teoria, conversamos recentemente com Kevin Johnson – um respeitado líder latino que atua como reitor da UC Davis School of Law, membro do conselho do MALDEF (um fundo de defesa dos direitos civis da população latina nos EUA) e acadêmico renomada na área da Teoria Crítica da Raça.
Johnson explica: “A Teoria Crítica da Raça é o estudo de como a lei replica, reforça e garante a supremacia branca nos Estados Unidos – uma forma de olhar para a lei e seus impactos nas parcelas subjugadas da sociedade”.

E enquanto os negros e o conceito histórico de escravidão servem como principais exemplos de subordinação racial sistemática nos EUA, Johnson e outros acadêmicos – como Richard Delgado e Ian Haney-Lopez – Vem trabalhando para mover a Teoria Crítica da Raça para além do paradigma negro/branco no diálogo político atual dos direitos civis. Em vez disso, eles se concentram em como a subjugação étnica afeta diferentes grupos que vivem em nossas comunidades.
Johnson sustenta que as leis e os políticos não dizem abertamente “queremos deportar todas as pessoas de uma determinada raça”. Mas os fatos falam por si: 90% das pessoas deportadas pertencem a etnias específicas.
Olhando para o passado para “ligar os pontos”
As leis de exclusão chinesa de 1800 nos EUA eram, por exemplo, expressa e descaradamente racistas e consistentes com as leis Jim Crow do país em vigor na época. Para ilustrar ainda mais esse ponto, Johnson conta a história de uma viagem que fez a Truckee, Califórnia – na qual ele notou uma divergência interessante na composição étnica da cidade. Ele observou que muitos dos habitantes e comerciantes da área eram descendentes de mexicanos e, a princípio, ele pensou que isso significava uma influência positiva na área. No entanto, com o tempo ele começou a questionar a ausência de trabalhadores chineses.
Sabendo, a partir de seus estudos anteriores, que os habitantes chineses deveriam representar uma parcela maior da população da região, devido ao trabalho anterior na ferrovia, ele passou a esquadrinhar a história racial da cidade.
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Em sua investigação, Johnson descobriu que a cidade de Truckee – que fica a algumas horas da baía de São Francisco – estava essencialmente envolvida em uma limpeza étnica local de residentes chineses. Por meio de boicotes econômicos e violência, a cidade conseguiu reduzir sua população de descendentes chineses de 30% em 1872 para menos de 1% da população local em 2010.
De acordo com Johnson, as coisas ficaram tão tensas que, no auge do movimento, um grupo de moradores brancos colocou fogo em uma residência de uma família de origem chinesa. Enquanto os membros da família tentavam escapa da casa em chamas, o grupo atirava neles. Eles mataram um chinês e feriram vários outros, mas o júri reunido para julgar o caso acabou por absolver todos os réus em uma audiência de apenas nove minutos.
O caso, que ficou conhecido como Trout Creek Outrage, ainda terminou com uma celebração de tiros de canhão, em uma sinalização clara de que tal ação tinha a aprovação da comunidade.
Essa onda histórica de sentimento anti-chinês provou-se tão arraigada nessas pequenas cidades da Califórnia, que um conhecido advogado e membro da assembleia que aconselhou os réus na ocasião passou a propagar o que chamou de “Método Truckee” em outras jurisdições do estado que é hoje o populoso hoje nos EUA. Em 1886, San Jose, localizada no coração do que hoje é o Vale do Silício, sediou a primeira Convenção Não-Partidária Antichinesa, endossando o Método Truckee como uma solução para lidar o “problema chinês”.
Para Johnson, entender a história e seu impacto no presente continua sendo importante no processo de erradicação do racismo da vida moderna. E, embora acredite que estamos caminhando na direção certa, ele observa que o progresso continua anêmico.
Quando perguntado sobre os piores momentos de sua vida acadêmica, Johnson revelou que a batalha consistente e árdua para conscientizar as pessoas sobre as verdades da subordinação racial em nossos sistemas sociais, legais, educacionais e políticos provou ser uma tarefa e tanto. E embora ele também tenha suas críticas em relação a Obama e mesmo Biden, o ódio dirigido aos negros durante o governo Trump persiste hoje e é um desafio inigualável na América moderna.
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Ao contrário da retórica de Trump, Johnson explicou, a Teoria Crítica da Raça não diz que devemos odiar os brancos, ou que devemos avaliar as pessoas com base na cor de sua pele versus julgá-las pelo “conteúdo de seu caráter”, como Dr. Martin Luther King Jr. pediu, na década de 1960. Em vez disso, a CRT tem um olhar sério, rigoroso e acadêmico sobre a interseccionalidade de como diferentes desigualdades, como aquelas comumente atribuídas a raça, gênero, classe ou deficiência, são influenciadas pela dinâmica institucional muitas vezes sutil do direito.
Em essência, a CRT estuda os rumos que o clima jurídico impõe às populações subjugadas, com base na legislação instituída, na forma como nossa sociedade faz valer suas leis e na expressão desses elementos em nossas estruturas e discursos sociais.
Johnson descreve apaixonadamente um exemplo da interseção da Teoria Crítica da Raça com pessoas de ascendência latina: “Nossas leis de imigração são repugnantemente racistas e isso me faz querer chorar. Temos mexicanos e centro-americanos morrendo dia após dia, e ninguém dá a mínima. Temos lugares no Arizona onde não há necrotérios ou refrigeradores suficientes para manter os cadáveres… Temos um sistema onde centenas de milhares de pessoas são detidas ao longo da fronteira e 100 morrem todos os anos”.
Mas, embora muitas conexões possam ser traçadas entre a CRT e os interesses da comunidade latino-americana, a principal razão pela qual os descendentes de latinos devem manter o interesse no assunto está nos ganhos que os grupos sociais subordinados podem alcançar trabalhando uns com os outros.
“Unir-se é uma maneira de empoderar-se”, explicou Johnson. “Latinos (e latinas) devem se opor ao perfil racial em toda a legislação, e os afro-americanos devem fazer o mesmo.” Como esses grupos têm interesses semelhantes, Johnson acredita que a cooperação é uma das principais armas na luta para remover as desigualdades de nossas leis e instituições.