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Sociedade

Trabalho remoto veio rápido e para ficar – e a América Latina não é exceção

Adoção do home office na região será mais irregular, seguindo fatores econômicos e as disparidades locais, mas a antiga centralidade dos escritórios não voltará a existir

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A tendência é inegável: o trabalho remoto veio para ficar. O progresso tecnológico não apenas o tornou mais simples e acessível, mas a pandemia de COVID-19 acelerou um processo que já estava em andamento, embora de forma muito lenta e gradual. As empresas, principalmente do setor de serviços, já há algum tempo vêm percebendo que não fazia muito sentido, do ponto de vista econômico, manter o custo das instalações com o único objetivo de reunir trabalhadores lado a lado. Como qualquer mudança importante, no entanto, a adoção em massa do trabalho remoto ocorrerá mais rapidamente para algumas pessoas do que para outras. E na América Latina, essa diferença será ainda mais evidente.

Um estudo recente dos pesquisadores Isaure Delaporte e Werner Peña , da Organização Global do Trabalho (GLO), constatou que os países do chamado Cone Sul da região estão relativamente bem posicionados para a transição. Nessas economias, mais de um quarto de todos os empregos poderiam adotar o home office.

Estima-se que 31% das ocupações possam ser realizadas remotamente na Argentina, índice semelhante ao verificado no Chile (27%), Brasil (27%) e Uruguai (26%). Embora seja uma realidade um tanto distante de países como Luxemburgo, Suíça, Reino Unido ou Estados Unidos, onde mais de 40% dos empregos podem ser realizados remotamente, ela se aproxima de economias de renda média na Europa, como Espanha, Grécia e Eslováquia.

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Geraldo Góes, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão vinculado ao Ministério da Economia do Brasil, explica que estudos apontam forte correlação entre a renda per capita e o potencial para teletrabalho.

“Mesmo dentro das economias há uma variação forte, que segue principalmente a renda e a escolaridade do trabalhador. Quanto maiores forem elas, maior o potencial para o teletrabalho”, explicou Góes ao LABS. O pesquisador, junto com os colegas Felipe Martins e José Antonio Nascimento, adotou a mesma metodologia para medir as disparidades entre as regiões do Brasil.

A informalidade atrapalha o trabalho remoto

A composição de cada economia, seja ela nacional ou regional, influencia a capacidade de migração da força de trabalho para a situação de home office permanente. Num extremo, estão os serviços de informática, no outro, as fábricas, ou mesmo as atividades agrícolas e extrativistas, em que a adoção do teletrabalho não é viável.

Estima-se que o percentual de trabalhadores informais que não poderiam fazer home office é superior à dos trabalhadores formais. Se um país depende mais deste último ou da manufatura, seus profissionais continuarão tendo que se deslocar diariamente para ganhar o pão de cada dia.

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Na América Latina, países como Guatemala, Nicarágua, Bolívia e Equador têm menor potencial para trabalho remoto, com taxas entre 14% e 19% do total de profissões que podem adotá-lo. 

“Identificar quais tarefas não podem ser realizadas em casa é útil, pois os legisladores tentam direcionar os pagamentos do auxílio social para aqueles que mais precisam deles”, explicou ao LABS Jonathan Dingel, professor de economia e co-autor da metodologia para classificar a viabilidade de trabalhar remotamente,  em estudo para o Escritório Nacional de Pesquisa Econômica dos EUA. “No entanto, não se deve usar esses valores para estimar a parcela da produção que seria possível sob políticas rígidas de permanência em casa.”

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Esses aspectos nos remetem aos enormes desafios que os países da América Latina enfrentam para se adaptar às novas formas de trabalho. Embora trabalhar remotamente seja uma opção para muitos trabalhadores, nem todos os países possuem a infraestrutura e a tecnologia adequadas. Segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) das Nações Unidas, embora 67% da população da região use a Internet, há disparidades significativas entre os países e dentro de cada país, de acordo com fatores como nível socioeconômico e localização geográfica.

Enquanto mais de 80% da população tinha uma conexão de Internet móvel no Chile, Brasil, Costa Rica e Uruguai até 2017, o número cai para 30% na Guatemala, Haiti, Honduras e Nicarágua.

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Em países onde o trabalho remoto já era regulamentado, seu uso está sendo incentivado e normas foram emitidas para facilitar sua implementação. Isso também significa que esse modo de trabalho perdeu sua natureza meramente voluntária. No Brasil, a implantação do teletrabalho foi simplificada, reduzindo para 48 horas o prazo de antecedência de aviso ao funcionário. Chile, Panamá e Costa Rica, entre outros, também são exemplos de países onde existe uma regulamentação adequada, afirma a CEPAL – o que incentiva a tendência de implantação de home office. 

Mas é interessante notar que, mesmo em lugares onde tais regras não existem, a crise sanitária proporcionou a oportunidade de aprovar disposições ad hoc que provavelmente serão mantidas em um cenário pós-pandêmico. É o caso do Paraguai e do Equador, por exemplo.

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Traços culturais influenciarão na adoção do teletrabalho

Os aspectos culturais também são um fator-chave para a adoção de mudanças nos hábitos e padrões de trabalho. O mais recente World Trade Index, da Microsoft, baseado em uma pesquisa da Harris Poll conduzida com mais de 2.000 trabalhadores remotos em seis países (EUA, Reino Unido, Alemanha, Itália, China e México), sugere isso

Os mexicanos são os que têm mais dificuldade em equilibrar as demandas domésticas enquanto trabalham em casa. Essa carga foi sentida mais fortemente pela geração millennial, bem como pelos mais novos ingressantes na força de trabalho, a Geração Z. “Isso pode ocorrer porque este grupo é provavelmente mais  encarregado de cuidar de crianças mais novas ou compartilhar espaços de trabalho com colegas de quarto enquanto gerencia um emprego de tempo integral”, explica o relatório. Os entrevistados europeus tendem a não se incomodar tanto com a questão.

Fonte: Work Trade Index / Microsoft

Portanto, sim, gigantes do Vale do Silício, como Facebook, Google e Twitter, podem ser as empresas que fizeram a transição mais facilmente para o novo modo padrão de trabalho. No entanto, é notável a rapidez com que empresas de diversos setores da América Latina se adaptaram. E é compreensível. Onde pode ser realizado, o home office apresenta inúmeras vantagens e benefícios econômicos.

Vantagens e benefícios econômicos

Para muitos empregos, trabalhar remotamente é tão produtivo, se não mais, do que trabalhar no escritório. “Os trabalhadores remotos foram considerados mais produtivos do que seus colegas co-localizados em estudos experimentais e quase experimentais”, cita Matthew Clancy, pesquisador sobre economia da inovação na Universidade Estadual de Iowa.

Segundo ele, existem ao menos três outros motivos para estarmos otimistas com o trabalho remoto, onde quer que seja implementado: primeiro, porque é mais fácil combinar trabalhadores e empregadores que estão fisicamente distantes um do outro; em segundo lugar, ele elimina o custo de deslocamento e moradia perto de empresas produtivas; e, por fim, uma melhor tecnologia de comunicação facilita o acesso ao conhecimento, sem a necessidade de aglomeração em cidades grandes, congestionadas e poluídas.

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“Uma vez que a produtividade remota seja boa o suficiente, e uma vez que as vantagens da proximidade física com colegas e pares diminuam o suficiente, as vantagens de um mercado de trabalho maior e a capacidade de atrair trabalhadores a custos mais baixos passa a ser decisivo”, escreve Clancy.

A adoção do trabalho remoto, teletrabalho ou home office, como decidamos chamá-lo, veio de repente. Muito mais rápido, na verdade, do que o surgimento de fábricas e grandes escritórios, após a Revolução Industrial. A América Latina não é exceção neste fenômeno. E não se engane: ele introduziu uma nova era na maneira como as empresas, especialmente no campo de serviços, se organizam.