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Tecnologia

A invasão dos celulares chineses na América Latina: Huawei, Xiaomi e Realme

O domínio histórico na América Latina não assusta as rivais do outro lado do mundo, que começam a fincar suas bandeiras com mais força nos países da região

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Não demorou muito para que a China se transformasse de mera fábrica de  smartphones de marcas estrangeiras para celeiro de marcas próprias com alcance e ambições globais. Empresas como Huawei, Xiaomi, Oppo, Vivo e Realme já estão entre as que mais vendem smartphones no mundo — e querem mais. Para isso, terão que conquistar o exigente público latino-americano, em especial o brasileiro, que até agora tem resistido aos atraentes celulares “made in China”. 

Marcas chinesas já formam maioria nos rankings globais do mercado de  smartphones de consultorias como a Counterpoint Research e a IDC. Nos últimos divulgados, com dados referentes ao terceiro trimestre de 2020, três delas aparecem no top 5, com destaque para Huawei (2ª colocada) e Xiaomi (3ª) em ambos, e Oppo (5ª na  Counterpoint) e Vivo (5ª na IDC). Nos dois relatórios, os smartphones de marcas chinesas já são mais da metade dos vendidos no mundo inteiro. 

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O cenário na América Latina não está perfeitamente sintonizado com o global. No último relatório específico da região divulgado pela Counterpoint, do segundo  trimestre de 2020, duas marcas da China — Huawei e  Xiaomi — aparecem em terceiro e quarto lugares, mas com um asterisco  relevante: a Xiaomi foi a única a crescer em volume absoluto de vendas no período, que ainda traz reflexos da pandemia de COVID-19. 

Desafiando as líderes  

Por ora, Samsung e Motorola, marcas mais tradicionais do setor, ainda reinam na América Latina, o que não significa que tenham vida fácil. O calor dado pelas  marcas chinesas nos últimos anos, com suas investidas constantes na região e crescimento explosivo no globo, mexeu com as estratégias das líderes em todos os lugares. 

Ideias originárias do mercado chinês, como acelerar o ciclo de lançamentos e antecipar recursos inéditos em modelos intermediários em vez de concentrá-los nos topos de linha, foram incorporadas pela dupla. A manutenção de suas posições na América Latina, e até saltos como o da Motorola no segundo trimestre, que aumentou sua participação de mercado em 7,1 pontos percentuais (via Counterpoint), atestam o brilhantismo da maneira chinesa de se fazer e vender smartphones e a esperteza das incumbentes em copiá-las. 

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O domínio histórico na América Latina não assusta as rivais do outro lado do mundo, que começam a fincar suas bandeiras com mais força nos países da região. 

A Huawei, a despeito das sanções impostas pelo governo norte-americano e que  limitam seu acesso a componentes vitais dos smartphones e ao Android do Google, ainda detém a vice-liderança, atrás apenas da Samsung, segundo a Counterpoint.

A Xiaomi, após uma passagem desastrada pelo Brasil em 2015, voltou no ano passado fazendo o dever de casa a fim de tentar oficializar o vasto  mercado cinza, de importações diretas e quase sempre sem tributação, que  floresceu no país. Já é top 5 no Brasil, quarto lugar no México, terceiro no Chile e no Peru e vice-líder no Equador e na Colômbia. E a Realme, mais jovem dessas marcas, já chegou à Colômbia e prepara-se para desembarcar em outros países com metas ambiciosas. 

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Crystal Gong, diretora de marketing da Realme Brasil, disse em entrevista ao LABS que o objetivo da empresa é estar entre as cinco maiores marcas de tecnologia da América Latina e entre as três maiores no Brasil num prazo de cinco anos. Além da Colômbia, a Realme está prestes a entrar oficialmente no México, Peru e Chile, além do Brasil — neste último, com um e-commerce próprio no início de 2021. 

Parece que quanto mais jovem a empresa, mais audacioso é seu posicionamento. A Realme foi fundada em 2018 pelo ex-vice presidente da Oppo, outra grande  fabricante de smartphones e produtos inteligentes da China. Nesse curto intervalo, a Realme se tornou a sétima fabricante que mais vende smartphones no mundo  — no terceiro trimestre de 2020, segundo a Counterpoint, foram 14,8 milhões de aparelhos, um salto de 45% em relação ao mesmo período de 2019 e de  assombrosos 132% em relação ao segundo trimestre. (Esse expediente, de marcas estabelecidas gerando outras menores, é muito  comum. A mais recente do tipo é a Poco, gestada na Xiaomi. A Honor, que nasceu dentro da Huawei, acabou de se tornar independente numa tentativa de ganhar  novamente acesso às tecnologias norte-americanas alvos da sanção imposta à  Huawei.) 

A ousadia das novatas também se faz presente no discurso. Crystal, da Realme, diz que a receita para se diferenciar em países competitivos e menos receptivos a entrantes, como o Brasil, é ter bons produtos a preços justos. Até aí, nada muito novo — é, afinal, a promessa de muitas marcas de apelo popular, como a rival doméstica Xiaomi. Mas ela afirma que essas outras empresas ainda não entregam o que é possível: “O preço dos produtos Xiaomi no Brasil é alto demais para seu desempenho. Traremos produtos melhores com preços melhores,” promete a  executiva.

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Também sobram alfinetadas em marcas rivais de fora da China: “Nosso  objetivo no Brasil é desafiar a Motorola como fizemos em outros mercados. Já ultrapassamos a Motorola e LG em muitos mercados e em outros já  ultrapassamos a Samsung. A Realme chega aqui com uma estratégia de longo prazo.” 

É disso que o povo gosta 

Para a sorte das chinesas, ou resultado do trabalho delas, o consumidor latino americano está mudando. “Ele está no quarto, quinto celular, e já saiu da categoria low-end, a dos produtos baratos,” explica Renato Meireles, analista de consumer devices na categoria de smartphones da IDC. “Ele sabe que um  produto com memória, processador melhor, custa mais, e está disposto a pagar  mais por isso.”  

A IDC monitora o comportamento do consumidor e descobriu, em pesquisas  recentes uma mudança de prioridades no público brasileiro que vai às compras. Se antes marca e preço eram os critérios mais decisivos na tomada de decisões  de compra, explica Renato, hoje o que importa mais ao consumidor é especificação, em especial memória interna e tamanho de tela, não por acaso aspectos em que os celulares chineses costumam investir pesado, entregando mais por preços mais acessíveis. A ascensão de Huawei e Xiaomi na América Latina confirma a nova tendência. 

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Outra mudança comportamental tem beneficiado as chinesas: a da percepção dos  produtos projetados por marcas locais. A associação que se fazia até uns poucos anos atrás, entre produtos vindos da China e baixa qualidade, está se dissipando.  

“O público jovem é muito presente no cenário tecnológico,” explica Renato, “e tem essa percepção de uma indústria chinesa que traz novidades ao mercado.”  

Celulares arrojados, como os da linha Mi Mix, da Xiaomi, e os modelos da Huawei com câmeras avançadas feitas em parceria com a Leica, ajudam a firmar essa imagem. É uma mudança multisetorial, e que as fabricantes trabalham bem ao expandirem suas linhas de produtos para áreas correlatas, como acessórios de internet das coisas e lojas próprias em shoppings de grandes cidades.  

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A chegada e a consolidação das marcas chinesas de smartphones na América Latina é uma boa notícia para o consumidor. Em 2021, o 5G deverá ser realidade aqui; combinado à esperada retomada do consumo após a vacinação em massa do coronavírus, analistas como Renato acreditam que o setor de smartphones passará por um novo ciclo de alta nas vendas. 

Será a hora das fabricantes, chinesas ou não, mostrarem suas melhores apostas cobrando o mínimo possível por elas. “Temos, como consumidores, muito a ganhar com essas novas tecnologias; a briga entre fabricantes é boa para nós,”  diz Renato, “por uma questão de preços e especificações competitivas, marcas  que terão que brigar para ter um posicionamento interessante ao consumidor, e no final uma oferta maior de produtos para uma demanda que ainda está acontecendo.”