As foodtechs no mercado da América Latina
As foodtechs no mercado da América Latina
Tecnologia

A revolução das foodtechs no mercado da América Latina

Os presidentes da Fazenda Futuro e da NotCo falam sobre como a tecnologia tornou-se a principal arma para trazer inovação à indústria alimentícia

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O Brasil é um país de dimensões continentais, que tem mais cabeças de gado (213 milhões) do que pessoas (pouco mais de 210 milhões, segundo as últimas estimativas do IBGE). Esta é a realidade de um país que, historicamente, sempre valorizou e manteve fortes laços com o segmento agropecuário e que hoje possui o maior rebanho comercial do mundo. No que depender das foodtechs, no entanto, tudo isso está prestes a mudar.

O comportamento do consumidor mudou. Opções mais saudáveis e também mais equilibradas ambientalmente estão em pauta, assim como a busca por experiências cada vez mais surpreendentes. É este novo público-alvo, não restrito a vegetarianos ou veganos, que está abrindo cada vez mais espaço para as foodtechs. 

O movimento que melhor exemplifica isso é a chegada dos hamburgueres de base vegetal às grandes redes de fast food, que representam o caminho mais rápido para a popularização de novo modo de produzir e comer. O Burguer King lançou recentemente o hambúrguer “Impossible Whoper’, prometendo o sabor da carne em um produto criado a partir de proteína vegetal.

As análises realizadas pela empresa após o lançamento do produto nos Estados Unidos mostraram um crescimento de 18% nas unidades que ofertam o produto.

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No Brasil, a Fazenda Futuro é uma das empresas que está seguindo o mesmo caminho e desafiando a atual soberania da indústria de carnes em prol de uma solução igualmente saborosa, porém mais sustentável.

Marcos Leta, fundador da Fazenda Futuro. Foto: Divulgação

“O fato é que o consumo de carne, hoje, gera um impacto ao planeta, fazendo com que, cada vez mais, as pessoas tomem consciência desses fatos e optem por mudanças na alimentação. E é para essas pessoas, que querem ter uma vida mais equilibrada, mas não querem abdicar do que amam comer, que a Fazenda Futuro foi criada, por exemplo”, revelou Marcos Leta, fundador da empresa que aposta nos hambúrgueres vegetais para começar a mudar a realidade do seu país, em entrevista para o LABS

Lançada em abril deste ano, empresa recebeu sua primeira rodada de investimentos externos dois meses depois. Um aporte de US$ 8,5 milhões do fundo de investimentos Monashees, o mesmo que já apostou em startups como Rappi e Loggi, fez com que a empresa atingisse um valor de mercado de US$ 100 milhões. 

Neste mês, a rede de supermercados Pão de Açúcar revelou que “os hambúrgueres que parecem carne, mas são 100% feitos de proteína vegetal” já respondem por 30% das vendas da categoria. O supermercado oferece duas marcas deste tipo de produto, a Fazenda Futuro é uma delas. 

Uma revolução para além da proteína animal

Mas a revolução das foodtechs não é restrita à indústria de carnes. A chilena NotCo é outro exemplo de foodtech que está mudando completamente o mercado latino-americano e já atraiu a atenção de um dos maiores e mais inovadores empresários do mundo: Jeff Bezos. O fundador da Amazon está entre os nomes responsáveis pelo aporte de US$ 30 milhões recebido pela empresa no início deste ano.

Com um portfólio de produtos que vai desde sorvete até maionese e leite, sem esquecer também do tradicional hambúrguer, a empresa conta com um grande diferencial: a inteligência artificial como aliada para criar as fórmulas perfeitas e os melhores sabores usando apenas ingredientes a base de plantas.

Luiz Augusto Silva, presidente da NotCo no Brasil
Luiz Augusto Silva, country manager da NotCo no Brasil. Foto: Divulgação

“A NotCo chega para mostrar que essa mudança para produtos alternativos aos tradicionais pode ser muito mais fácil quando os alimentos, além de serem funcionais e sustentáveis, também são saborosos”, revela Luiz Augusto Silva, country manager da NotCo no Brasil.

“A tecnologia que empregamos (Inteligência Artificial) nos ajuda a acelerar pesquisa e desenvolvimento dos nossos produtos. Dois dos nossos fundadores, Karim Pichara, doutor em ciência da computação e especialista em machine learning, e Pablo Zamora, doutor em biotecnologia vegetal e especialista em bioquímica e genética de plantas, desenvolveram um algoritmo que apelidamos de Giuseppe. O Giuseppe entende a estrutura molecular de alimentos de origem animal, cruza essas informações com as de vegetais que cadastramos em sua base de dados e sugere uma combinação de vegetais que recria o alimento preservando o seu sabor, textura, aroma e valor nutricional”, complementa. 

O grande ano da inovação

“Este é o grande momento da tecnologia como facilitadora e disruptora para resolver grandes problemas”, define o country manager da NotCo em relação ao crescimento acelerado das foodtechs durante o ano de 2019. E esta quebra de paradigmas nunca foi tão representativa na América Latina nos mais diversos segmentos.

No mercado de mobilidade, o Uber causou uma verdadeira revolução para descentralizar o segmento totalmente dominado pelos táxis, chegando a motivar protestos no Brasil e na América Latina assim que a solução chegou ao país.

Mesmo com toda a resistência, a empresa oferecia uma solução para um problema e satisfazia uma necessidade do consumidor, não a toa hoje São Paulo é um dos principais mercados para a empresa a nível global e as dificuldades em relação a aceitação em cidades latino-americanas já são um capítulo completamente encerrado na história da empresa. 

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Com uma história menos polêmica, mas em um setor tão profundamente burocrático e enraizado no Brasil quanto a indústria alimentícia de origem animal ainda é hoje, o Nubank também enfrentou o desafio de mudar completamente o setor bancário, trazendo inovação para instituições até então desatualizadas e solucionando antigas dores dos brasileiros. O resultado foi uma enorme audiência fiel ao Nubank que provocou uma movimentação completa dos bancos para fazerem frente ao novo modelo de concorrência. Não à toa, o unicórnio brasileiro já é avaliado em 10 bilhões de dólares. 

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Agora, chegou a vez da indústria alimentícia reinventar-se. “Deixamos de ser apenas uma tendência para nos tornamos uma realidade positivamente sem volta”, complementa Marcos Leta em relação a rápida ascensão de soluções tecnológicas no mercado alimentício em 2019. 

As foodtechs na América Latina

Se em 2019 as foodtechs conquistaram seu espaço e abriram as portas do mercado para novas soluções, em 2020 a expectativa é que essas empresas cheguem muito mais longe. “Acho que o mercado de plant based tem muito a crescer ainda. Como estamos falando de tecnologia, tudo acontece muito rápido, fazendo com que a o nível de inovação seja cada vez mais alto”, declara Leto.

Mas ainda que o consumidor latino-americano seja aberto a novas soluções tecnológicas, assim como diversas outras empresas disruptivas de outros segmentos já enfrentaram, as foodtechs também precisam atuar em um ambiente regulatório que não compreende a totalidade de seus modelos de negócio. 

Fundadores da NotCo
Fundadores da NotCo. Foto: Divulgação

Para Silva, mudar esse jogo é o próximo grande passo a ser tomado na região. “As foodtechs de alimentos plant-based na América Latina enfrentam como próximos passos o desafio de ampliar sua escala e de conseguir estar em um setor regulamentado. A NotMayo, por exemplo, por definição técnica não se enquadra na classificação de maionese, já que é feita sem ovos. Regulamentar os produtos plant-based, para que possam ser competitivos frente aos tradicionais, é certamente um desafio”, declara. 

Ainda assim, para os empresários este obstáculo é pequeno em relação a todas as oportunidades na região, “desde o começo a Notco se propõe a ser uma companhia global. O Brasil é o maior mercado da América Latina, então não poderia estar de fora. E temos uma grande oportunidade no país, porque a companhia chega com o diferencial de recriar com ingredientes vegetais qualquer produto que contenha carne, leite ou ovos”, revela o country manager da NotCo, “além de já estar presente em Chile, Argentina e Brasil, estamos estudando novos países para 2020”. 

Hambúrgueres de origem vegetal da Fazenda Futuro. Foto: Divulgação

Enquanto isso, o presidente da Fazenda Futuro também destaca planos otimistas para os próximos passos da empresa, “hoje são mais de 3.800 pontos de vendas, entre foodservices (restaurantes e lanchonetes), varejo e e-commerces. Existe uma parceria fechada com o Spoleto que começa a vender em breve nosso produto e anunciamos um hambúrguer feito especialmente para o Bob’s que inclusive está a venda em mais de 150 lojas da rede e em breve estará em todas as lojas do Brasil”, destaca.