A pandemia da COVID-19 está acelerando o uso de cartões de débito no e-commerce brasileiro. É natural que isso aconteça em um país onde o número de pessoas sem banco ainda é grande e o acesso ao crédito ainda é restrito. Segundo o Banco Central, o país encerrou 2019 com 132 milhões de cartões de débito ativos (14% a mais que em 2018) e 123 milhões de cartões de crédito (18% a mais que no ano anterior). Os dados consolidados para 2020 devem trazer um quadro diferente, com ainda mais cartões de débito, devido à revolução em curso nas fintech e ao aumento do número de contas digitais lançadas por essas empresas no país.
O uso deste meio de pagamento no ambiente online começou a ser promovido de forma mais eficaz no país em 2018 quando o consórcio mundial de etiquetas de cartões, EMVco, começou a testar um novo protocolo de autenticação, denominado 3DS 2.0. Mais completo que os outros sistemas disponíveis no mercado e muito mais simples que sua primeira versão, lançada no final dos anos 90, esse protocolo promete fazer disparar a utilização do cartão de débito no e-commerce no Brasil. Paralelamente ao esforço das marcas, os emissores também estão lançando cartões de débito virtuais com suas próprias soluções de autenticação.
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A Caixa Econômica Federal foi um dos primeiros emissores a fazê-lo, e em meio a um processo significativo de inclusão: o repasse do auxílio emergencial por conta da COVID-19 para mais de 68 milhões de desempregados, micro empresários e trabalhadores informais. Mais de 100 milhões de contas digitais foram criadas para esse fim no país. Todas essas contas digitais possuem um cartão de débito virtual vinculado a elas.
A diligência do setor privado, especialmente varejistas, supermercados e concessionárias de serviços públicos, para integrar seus modelos de pagamento a essas contas digitais foi ainda maior do que a do próprio governo na criação do programa de auxílio emergencial. Em poucos meses, alguns dos maiores varejistas do país, como Americanas.com, Magazine Luiza e Mercado Livre , já aceitavam o cartão de débito virtual da Caixa. Essa corrida teve um motivo muito claro: de abril a dezembro, foram pagos mais de R$ 266 bilhões por meio do programa de auxílio emergencial no País.
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Enquanto muitos estão preocupados com o que acontecerá com a economia brasileira a partir de janeiro, quando o auxílio não estará mais disponível, outros, principalmente a Caixa e as fintechs, buscam formas de integrar esses milhões de brasileiros financeiramente incluídos graças ao programa.
A adoção do cartão de débito para compras online não é apenas um movimento recente do setor privado local. Desde o ano passado, grandes fornecedores de produtos digitais, como Uber, Spotify, Netflix, Rappi e iFood, começaram a aceitar pagamentos online com cartões de débito no Brasil.
O valor gerado pelas compras com cartão digital e outros meios, como carteiras digitais, cresceu 49,3% no terceiro trimestre de 2020 no Brasil, para R$ 126,2 bilhões, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs). Neste ano, de janeiro a setembro, as chamadas transações com cartão não-presente aumentaram 31,4% em relação ao mesmo período do ano passado, para quase R$ 307 bilhões.
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O diretor da Abecs, Pedro Coutinho, acredita que em 2021 o avanço na utilização do cartão de débito, assim como nos pagamentos por aproximação, será ainda maior, não só pela mudança nos hábitos de consumo, mas também pelo trabalho do setor para melhorar a segurança e a experiência dos usuários com esses meios de pagamento. A Abecs estima que o cartão de débito tenha potencial para gerar R$ 160 bilhões por ano no comércio digital.
Dos R$ 198,4 bilhões gastos com cartões de débito no terceiro trimestre deste ano, 12,9% vieram de transações remotas. E dentro do universo total das compras remotas, 20,3% do volume transacionado foi proveniente de pagamentos com cartão de débito.
O que está faltando, então, para que o uso de cartões de débito dispare no e-commerce?
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Novos hábitos dos consumidores – algo que a pandemia está ajudando a acelerar – e a integração de mais emissores (bancos e fintechs que decidem efetivamente conceder um cartão a um usuário) e varejistas às novas soluções de cartões virtuais e o protocolo 3DS 2.0. A crescente oferta desse meio de pagamento por fintechs que fazem a ponte entre lojas virtuais e consumidores também é estratégica. Como é o caso do EBANX, que é dono da LABS e faz isso para lojistas internacionais, que viu as transações online com débito mais do que dobrarem nos últimos 12 meses, e do PayPal, que passou a aceitar cartões de débito para compras online no Brasil em setembro.
Como funciona o 3DS 2.0?
O 3DS 2.0 nada mais é do que um protocolo para transações online com cartões de débito e crédito. A cada transação, o 3DS analisa mais de 100 tipos de dados, que são criptografados e enviados ao banco para autorizar transações com menor risco. O cliente pode confirmar a sua identidade com um código enviado por SMS ou com um token, entre outras formas.
Quanto mais simples e rápida a transação, maior a chance de o consumidor levar a compra até o fim. Além disso, quanto mais familiarizado com os serviços digitais em geral, mais fácil é para o consumidor fazer compras online com cartão de débito. E os brasileiros estão chegando lá: pesquisa da consultoria Fujitsu, encomendada pela agência Valor Investe, mostra que um em cada quatro brasileiros já usa tanto bancos quanto fintechs no dia a dia.
A má experiência com a primeira versão do 3DS também precisa ser superada. Na primeira versão, de 1999, o usuário era levado para outra janela, fora do site do varejista e dentro do ambiente do banco emissor, para finalizar a compra. Isso gerou desconfiança e fez com que muitos consumidores abandonassem a compra.
No caso dos emissores, os principais bancos brasileiros (Itaú, Bradesco, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Santander), além de algumas das principais fintechs, como o Nubank, já aderiram ou estão em processo de adesão ao 3DS 2.0 – entre os bancos, o Bradesco foi o último a iniciar o processo, em março deste ano.
E esse processo, segundo a Mastercard, é um processo de médio prazo. O fato é que a compra por débito virtual envolve uma dinâmica de risco diferente da transação física, onde o risco pode recair sobre o estabelecimento. No 3DS é o emissor que verificará se o usuário do cartão é realmente o usuário e é o vendedor que solicitará a autorização da transação.
“Acho que a questão do risco foi um grande componente para (o setor) não adotar o cartão de débito com o volume (que poderia ter sido adotado) anteriormente. O mundo dos cartões ausentes hoje é principalmente usado para transações muito pequenas. Mas a entrada desse novo protocolo de autenticação, com emissores, também participando, impondo suas próprias regras, muda essa perspectiva ”, destacou Hugo Costa, diretor executivo da Visa Brasil, em entrevista ao LABS em agosto passado. “Em uma transação que foi autenticada e depois autorizada, a chance de fraude é mínima, pois as duas partes da cadeia trocaram informações”, acrescenta Costa.
Aparentemente, o maior desafio no momento é a integração de mais varejistas e plataformas em geral ao novo protocolo 3DS 2.0. Neste caso, a dúvida está na diferença que a oferta deste tipo de pagamento pode fazer na captação de novos consumidores versus os custos (de integração da plataforma e também nas transações) para isso.
Para aderir ao 3DS 2.0, o varejista deve solicitar ao seu credenciador (adquirente) a inclusão da tecnologia em sua plataforma de vendas. Cada adquirente possui um processo e, portanto, os custos de integração e por transação com o 3DS também variam. Mastercard e Visa acreditam que conforme o volume de vendas aumenta, mais varejistas oferecerão cartões de débito como método de pagamento online.
Mesmo as soluções fora do protocolo 3DS 2.0 ganharam terreno durante este período pandêmico e podem ajudar o uso de cartões de débito no e-commerce a partir de 2021. No caso do cartão de débito virtual da Caixa a autenticação nos sites que aceitaram o dispositivo é feita com um CVV, número de segurança do cartão dinâmico, que muda a cada utilização. Em setembro, o Nubank também lançou um cartão de débito virtual com o mesmo modus operandi.