Quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anunciou memorandos de entendimento com plataformas digitais para combater a desinformação nas eleições de outubro, uma ausência se fez notar: a do Telegram.
Não foi por falta de tentativa de contato do TSE. O silêncio do Telegram nessa ocasião não foi a primeira vez que o aplicativo de origem russa, hoje sediado nos Emirados Árabes Unidos, ignorou em absoluto uma autoridade brasileira. Era a praxe. Por aqui, valia o entendimento de que o Telegram era terra sem lei.
Esse vácuo foi percebido e já era explorado por atores que, em eleições passadas, abusaram de outras plataformas digitais, como o WhatsApp. Essas, ao constatarem os estragos e o risco institucional que ensejavam, passaram a colaborar com a Justiça brasileira a fim de coibir tais práticas, dificultando tais abusos.
Com as redes ultra-partidárias (Gab, Gettr) fracassando, o Telegram virou a tábua de salvação da estratégia digital dos quadros mais ruidosos e extremistas da política nacional, transformando-se em protagonista e fonte de preocupação da Justiça eleitoral para o próximo pleito.
Esse cenário virou do avesso no último fim de semana. Na sexta (18), veio a público uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) e próximo presidente do TSE, determinando o bloqueio do Telegram em território brasileiro e a remoção do aplicativo das lojas de aplicativos da Apple e do Google por não cumprir integralmente a ordem de bloquear canais do blogueiro bolsonarista foragido Allan dos Santos.
O bloqueio total de um aplicativo em território nacional não é medida pacífica entre juristas e especialistas em direito digital. Ainda que seja interpretado como medida válida, é medida extrema e, como tal, arriscada — pode dar muito certo, mas pode dar bem errado. Há quem diga que Alexandre de Moraes estava fazendo um teste, ou que estava jogando xadrez com o Telegram. Ou que foi uma espécie de aposta, do tipo quem pisca primeiro.
Qualquer que tenha sido a motivação, o ministro Alexandre saiu vitorioso do imbróglio — uma vitória tão irretocável quanto improvável, considerando o histórico do Telegram em relação ao Brasil.
Com uma desculpa para lá de esfarrapada, no sábado (19), o CEO do Telegram, Pavel Durov, reconheceu a negligência para com a Justiça brasileira até então, alegando que o STF estava enviando suas ordens a um endereço de e-mail antigo, que ninguém olhava. “O e-mail não chegou” está longe de ser uma desculpa original, mas é a primeira vez que se viu ser dada a uma corte suprema.
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Acredite quem quiser, mas fato é que o Telegram enfim parou de ignorar as autoridades brasileiras e cumpriu as determinações impostas, ainda que parcialmente. Por isso, no mesmo dia uma nova decisão de Alexandre de Moraes cobrou o cumprimento integral delas em 24 horas. A essa altura, o bloqueio já estava em vigor em alguns provedores regionais e agendado em pelo menos uma grande operadora móvel para começar a valer nesta segunda (21).
Às 14h45 do domingo (20), faltando duas horas para o fim do prazo dado pelo STF, o Telegram cumpriu tudo o que lhe fora ordenado:
1) Apontou um representante no Brasil;
2) Informou novos mecanismos de combate à disseminação de notícias falsas na plataforma, como a criação de um sistema de monitoramento dos 100 canais mais populares do país (responsáveis por 95% das mensagens visualizadas em canais públicos), monitoramento do noticiário e outras redes sociais em matérias que lhe dizem respeito, e parcerias com agências de checagem de fatos brasileiras;
3) Bloqueou o canal do servidor público e bolsonarista Claudio Lessa; e
4) Excluiu um material antigo do canal do presidente Jair Bolsonaro (PL), com links para um inquérito sigiloso da Polícia Federal referente ao ataque hacker sofrido pelo TSE em 2018.
A resposta fez com que o ministro Alexandre suspendesse a decisão de bloquear o Telegram no Brasil.
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Foi uma vitória completa: o STF conseguiu a atenção e compromissos firmes do Telegram, transformando o aplicativo de dor de cabeça a aliado para as eleições de outubro, e o bloqueio nem chegou a entrar em vigor para a maioria dos usuários.
Nada disso garante que as eleições serão limpas no ambiente digital, mas a colaboração do Telegram elimina uma ampla avenida por onde a desinformação poderia correr solta.
Em entrevista à Jovem Pan nesta segunda (21), o presidente Jair Bolsonaro alegou que Alexandre de Moraes, a quem já chamou de “canalha” no ato golpista de que participou em setembro de 2021, estaria em uma “perseguição implacável” contra ele. A carapuça serviu.