Há muito se fala sobre o “apagão de talentos”, a famosa escassez de profissionais capacitados em tecnologia no Brasil. Mas nos últimos anos e devido ao processo de digitalização dos negócios intensificado e acelerado pela pandemia em todo o mundo, a falta de profissionais se tornou uma questão ainda mais crítica para o desenvolvimento do país.
É fato: o mercado tem demandado cada vez mais profissionais qualificados nas chamadas STEMS (sigla em inglês que compõe as áreas de ciências, tecnologia, engenharia e matemática). Mas a capacidade brasileira de formação de profissionais nestas áreas não tem acompanhado a demanda.
Somado a isso, vivemos de forma cada vez mais intensa a fuga de cérebros, saída de profissionais qualificados para outros países, nos quais há ambientes que favorecem mais o desenvolvimento de carreiras nestas áreas. Na pandemia, esse movimento também foi acelerado, já que muitos talentos nacionais vem sendo contratados por empresas estrangeiras para trabalharem remotamente.
Para se ter uma ideia do tamanho do “apagão”, dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontam que há atualmente no país dois milhões de profissionais nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática, o que corresponde apenas a 1,9% da força de trabalho. Porém, a necessidade de profissionais capacitados nestas áreas do conhecimento é muito maior.
A Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), estima que em 2024 haja um déficit de 290 mil profissionais de TI no país e um estudo da consultoria McKinsey aponta que esse déficit chegará a 1 milhão de vagas não preenchidas até 2030.
A pandemia exigiu das organizações a capacidade de realizar transformações profundas que envolvem cultura, modelo de liderança e gestão, processos e modelos de negócios — a chamada transformação cultural e digital. Mas para que as empresas possam efetivar essa transformação, precisarão contar com profissionais qualificados em todos os níveis hierárquicos. São esses homens e mulheres que vão gerir e operacionalizar essa transformação, tornando os negócios mais competitivos em nível global, mais relevantes para a sociedade — que por sua vez, também sofreu mudanças comportamentais e tem exigido cada vez mais responsabilidade e transparência das empresas que a atendem.
É preciso ainda entender que o contexto tecnológico também vem gerando um movimento de automação e mecanização com uso de inteligência artificial, sensores, robôs e algoritmos de inteligência artificial, que tendem a substituir empregos, especialmente os com atividades mais operacionais e repetitivas, que requerem baixa qualificação. Portanto, a falta de qualificação profissional na área não apenas faz com que o país perca oportunidades de geração de emprego, renda e competitividade, mas também alimenta um processo de substituição de empregos de baixa qualificação locais por vagas qualificadas no exterior.
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Tentando desenvolver os profissionais necessários, empresas, universidades, instituições especializadas e ONGs têm criado programas de capacitação em tecnologia. Mas e no nível estrutural?
Que políticas públicas podem ser construídas para criar condições necessárias para o desenvolvimento dessas competências em nível nacional e de forma consistente?
Não é difícil entender que um mercado com mão-de-obra qualificada diminui as desigualdades, promove o crescimento da economia do país e é essencial para a qualidade do ecossistema de inovação e empreendedorismo. Difícil mesmo é compreender o que poderia ser feito para minimizar ou solucionar este problema complexo, que envolve os setores de educação, mercado, governo e sociedade civil.
Pensar e construir políticas públicas sobre um tema tão multifacetado e complexo, que envolve diversos atores e aspectos socioeconômicos, é um desafio que todos os países do mundo enfrentam. A situação se torna ainda mais complexa em países em desenvolvimento, como o Brasil, que atualmente enfrentam um contexto extremo de recessão econômica e escassez de investimentos em educação, tecnologia e inovação.
O Grupo Dínamo, do qual sou cofundador e vice-presidente, entende que é justamente devido à complexidade e relevância deste desafio que a articulação entre diferentes atores envolvidos na questão é essencial para a formulação e implementação destas políticas e por isso elaborou um conjunto de propostas de políticas públicas que possam contribuir para esse diálogo, buscando solucionar o “apagão de talentos” e gerar desenvolvimento para o país.
4 eixos principais de políticas públicas para evitar o apagão de talentos no Brasil:
- Educação
É preciso aumentar e melhorar a qualidade das ofertas de cursos nas áreas de STEM (science, technology, engineering, and mathematics), nos níveis livre, básico, técnico e de ensino superior. Ao mesmo tempo introduzir temas ligados ao empreendedorismo no currículo, especialmente nos níveis médio e superior.
Também é importante modificar as regulações dos fundos de incentivo a PD&I (Lei de Informática e programas setoriais de incentivo de P&D).
- Internacionalização
É de extrema relevância a ampliação da oferta e melhoria na qualidade do ensino de inglês em todos os níveis da educação. Também o incentivo à criação de cursos superiores e de pós-graduação ministrados em inglês para atrair talentos internacionais e aumentar o intercâmbio de conhecimento e cultura.
- Marcos regulatórios e propriedade intelectual
É preciso fortalecer os trabalhos de conscientização sobre a importância dos Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) para o sistema de inovação. Assim como a consolidação e melhoria dos quadros dos NITs.
Importante destacar o INPI para aceleração da concessão de patentes e propriedade intelectual. E reforçar um atendimento especializado para startups e universidades públicas na concessão de Propriedade Intelectual.
Também é necessária a modernização da Lei de Inovação e o estabelecimento de condições mais favoráveis à criação de startups no Brasil.
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- Qualificação do talento e trabalho
A necessidade de incentivos fiscais para startups que tenham mestres e doutores, além da regulamentação de stock options. Também, a ampliação para startups e do tempo de contratos de trabalho temporário.
Essas e outras ideias e discussões fazem parte da coleção Playbooks Dínamo – edição Talentos, um manual de boas práticas em políticas públicas de apoio às startups que o Dínamo publica nesta sexta-feira.