Um participante tem uma Samsung Electronics Co. Galaxy Fold durante um evento de inauguração em Nova York, EUA, na segunda-feira, 15 de abril de 2019. A Samsung anunciou o telefone em fevereiro e ele vai à venda em 26 de abril ao preço de $1.980. Fotógrafo: Jeenah Moon/Bloomberg
Tecnologia

As empresas de mídia irão prosperar em um mundo sem “cookies”

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Os cookies existem desde a criação da web. É um mecanismo utilizado pelos navegadores para facilitar a experiência dos usuários. Em 2019, o Google anunciou que iria eliminar gradualmente a partir de 2022 os cookies de terceiros – que visam rastrear a navegação dos usuários e seguir seus passos pela internet – e depois adiou a eliminação gradual para 2024, pois o mundo ainda estava se recuperando na nova era pós-Covid-19.

Existem dois tipos de cookies: os primários (ou 1st party), coletados quando os usuários preenchem proativamente um formulário com informações como nomes, empresas, localização, nível de educação e outros; e de terceiros (3rd party), que seguem e rastreiam um usuário pela web e não solicita nenhuma informação, mas depende de um simples clique em “Aceitar”. Os cookies 3rd party foram a espinha dorsal da indústria de ad tech durante os últimos 10 anos, período curiosamente conhecido como a “década perdida” no marketing digital.

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Entre 2012 e 2020, a estratégia de Marketing para qualquer CMO era simples: destinar 15% do orçamento para exibir anúncios de display, comprar muitas impressões com baixo rendimento, e apoiá-las com modelos de audiência “lookalike” fazendo lances com a indústria de anúncios programáticos. Usando essas medidas lhes permitiria reivindicar “performance“. A partir da atividade de cliques nos anúncios, pesquisadores estimam que 40% são derivados de um robô, ou um “bot”, que aumenta a taxa de cliques e, presumivelmente, o alcance e a performance, mas dificilmente prova qualquer eficiência na vida real. Conhecidas como “métricas de vaidade”, elas eram utilizadas por CMOs para justificar gastos durante apresentações para o boards, quando, de fato, as conversões on-line estavam crescendo em todo o espectro devido à penetração digital global, sem uma correlação factual de um modelo específico de atribuição.

Marqueteiros de todo o mundo gastaram bilhões de dólares contando com modelos baseados em cookies 3rd party para encontrar audiências online semelhantes a aquelas que consideravam seu target, bem como consumidores do mesmo grupo de perfil que uma vez visitaram seus sites, com a esperança de reduzir os custos de prospecção e por sua vez, conversões. Com isso, os modelos de atribuição “criativos” ganharam vida para justificar a possibilidade de que o dinheiro era gasto de forma eficiente. No final das contas, os cookies 3rd party estavam ditando gastos com publicidade on-line, com pouca base ou auditoria, já que qualquer empresa de ad tech poderia construir um modelo adequado às suas necessidades, cumprindo assim com qualquer atribuição que um anunciante procurasse. O setor de ad tech dependeu desse modelo por quase uma década sem qualquer inovação significativa que movimentasse as coisas.

O setor pode ser descrito por meio da analogia de que o Google é um grande elefante com centenas de milhares de formigas que caminham ao seu lado. Se o elefante decidir tomar um caminho diferente, ele pode esmagar as formigas sem perceber. Nessa analogia, as formigas seriam as centenas de empresas de ad tech e agências de mídia criadas devido a cookies de terceiros que ficaram em suas zonas de conforto até que o Google anunciou que a festa estava acabando.

O “grande elefante” controla mais de 65% do mercado de navegadores em todo o mundo, e se juntou ao Safari (que detém de 18% de participação no mercado) quando decretou que não permitiria mais o rastreamento de usuários por cookies 3rd party em 2020. As formigas estão agora em uma situação de perigo, saindo rapidamente da “era digital”, quando ganharam bilhões com publicidade programática durante uma década perdida, e tomando um novo rumo que, com sorte, pode evitar sua extinção.

Então, neste território inexplorado, para onde ir?

Os anúncios de display são uma indústria de US$ 140 bilhões nos Estados Unidos (quase três vezes mais que a televisão), e espera-se que a indústria fature US$ 219 bilhões até 2026, com uma queda no ritmo do crescimento, que foi de dois dígitos ano a ano nos últimos 10 anos, para um dígito (de acordo com o eMarketer). O fato é que o crescimento deve desacelerar porque os anunciantes procurarão menos canais de display, mais eficiência na interação humana, e experiências orientadas por branded content e conversões reais em vez de métricas de vaidade.

As empresas que explorarem dados primários – 1st party data– como nomes de consumidores, seus e-mails e atributos pessoais e profissionais, estarão em uma ótima posição. Elas conseguirão anunciar diretamente a seus públicos sem depender de modelos complicados para encontrar públicos semelhantes aos que buscam. Isso torna o anúncio mais eficiente, com menos bots e menos focado em modelos, e mais transparente. Resumindo, vai impulsionar mais conversões.

De acordo com uma pesquisa do Pew Research Center, 86% dos americanos consomem notícias on-line, e mais de 92% consomem conteúdo em vídeo. Isso significa que as empresas de mídia que carregam dados 1st party, e que costumavam depender amplamente da receita de publicidade programática, serão donas da narrativa. Dados 1st party exigem a intenção de uma pessoa de fornecer seus dados e são menos abundantes que os 3rd party, que podem ser multiplicados por bilhões de linhas usando modelos de Excel e não precisam de muitas permissões para serem coletados. 1st party utilizam dados inseridos pelo próprio usuário e, portanto, são mais escassos. Em um mundo no qual os consumidores estão acostumados a se registrar em sites para consumir conteúdo em mídia, quem puder oferecer conteúdo de qualidade vai ser bem-sucedido.

Os anunciantes buscarão canais em que os usuários passem tempo consumindo conteúdo e buscarão empresas que possam oferecer um público 1st party. Em última instância, isso vai aumentar os CPMs, pois o branded content de qualidade e as experiências de marca podem ter um inventário de anúncios é limitado. Os anunciantes estão dispostos a pagar o preço por conversões. No final das contas, é melhor ter dez clientes com um valor útil de US$ 20 mil do que mil clientes com um valor de US$ 2.

Quem será bem-sucedido em um mundo cookieless? Quem tiver conteúdo de qualidade, cuidar sabiamente de seus cookies primários e entregar resultados reais a seus anunciantes. Os dias das métricas de vaidade acabaram.

Kaio Philipe é co-fundador e executivo que já trabalhou para o Google, Baidu, Kayak, Bloomberg.