A C&A acaba de lançar o seu programa de aceleração com a Endeavor. Foto: Shutterstock
Tecnologia

Brasil gerou 17 mil empregos via programas de aceleração de startups em 2019

De IBM, Visa e Oracle, a fabricantes como Votorantim. É cada vez maior o número de empresas apostando nisso para inovar mais e mais rápido

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Uma série crescente de programas de apoio a startups vem oferecendo inúmeras oportunidades para empresas que precisam ganhar tração–e para trabalhadores e empreendedores que querem colocar seu talento em prática. O movimento começou por volta de 2015 no Brasil, mas ganhou força nos últimos dois anos. No ano passado, mais de 17 mil empregos foram gerados por meio de programas de aceleração. A Endeavor, sozinha, conduziu 27 programas em oito estados, resultando na aceleração de 227 empresas e mais de 500 empreendedores apoiados. 

Segundo a Endeavor, as corporações que se abriram para esses programas apresentaram crescimento de 76% em seu faturamento entre 2018 e 2019. “Algumas companhias estão procurando atuar com empresas mais maduras, mas isso não inviabiliza o trabalho com startups”, diz Pedro Almeida, gerente de aceleração da Endeavor.

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São companhias dos mais variados setores, com programas que oferecem mentoria, acesso à base de clientes, incorporação das soluções das novatas no portfólio de produtos e serviços e, eventualmente, aporte de capital ou compra de participação.

Em parceria com a Endeavor, a C&A, recebeu inscrições para o seu primeiro programa de aceleração, o Conecta C&A, no começo deste ano. A empresa optou por selecionar dez scale-ups, as “irmãs mais velhas” das startups, por terem um nível maior de maturidade e com expertise no desenvolvimento de soluções inovadoras para o varejo.

“Há uma clara tendência e movimento muito forte nos últimos dois anos de aproximação entre startups ou scale-ups e grandes corporações. O Brasil está passando por um amadurecimento de seu ecossistema de startups, que estão ganhando musculatura. Já as corporações perceberam que não basta criar inovação dentro de casa e estão partindo para o modelo de inovação aberta”, analisa Almeida.

A aposta contínua da IBM e da Visa nas startups

Outra que optou pelo modelo de scale-ups foi a IBM, que em dezembro anunciou o programa de inovação aberta IBM Open Ventures. A empresa identificou 40 scale-ups com soluções que resolvem os desafios mais urgentes de negócios para diferentes indústrias, das quais 12 foram pré-selecionadas por um board de executivos. Na seleção final, Growth Tech, Tangerino, TNS e Elaw foram escolhidas para ter acesso às tecnologias IBM, incluindo mais de 190 APIs da nuvem, serviços IBM Watson, Blockchain e IoT, disponíveis em IBM Cloud e serviços e portfólio da Red Hat.

Foto: IBM/Divulgação.

As scale-ups estão em estágio mais maduro, têm modelo de negócios rentável e replicável, com alguma tração no mercado, e mais prontas para interagir com grandes corporações, tarefa nada fácil para quem está começando

Marcelo Salim, head de Open Ventures na IBM.

O ciclo para identificar novas scale-ups será constante, com outras classificatórias acontecendo ao longo do ano. A IBM global tem uma área que cuida de casos de fusões e aquisições, mas, no Brasil, o Open Ventures não tem esse foco. “Vamos trabalhar com as scale-ups em nossos projetos. Uma vantagem adicional, porque não há amarras, conflitos de interesse e não esperamos tomar equity por aquilo que estamos dando”, esclarece Salim. Entre os diferenciais das empresas de tecnologia como a IBM, está o acesso a soluções e tecnologias que seriam inviáveis para as startups pagarem. 

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A Visa iniciou seu programa de aceleração em 2017 e já está indo para a quarta edição anual. Nesse período, acelerou 66 startups, das quais 17% já fecharam negócio com a empresa ou algum cliente parceiro.

“Há startups que já fecharam quatro negócios diferentes. Temos um radar de startups divididas em segmentos que vão desde analytics, crédito, CRM, empréstimos e gestão financeira, a criptomoedas, entretenimento, inteligência artificial, mobilidade, seguros e varejo, entre outras áreas. Estamos fechando contrato com duas empresas, cujas soluções serão incorporadas pela Visa, inclusive uma delas já se integrou com as APIs da Visa na Califórnia”, diz Beatriz Montiani Carvalho, diretora de Inovação e Engajamento da Visa.

Beatriz Montiani Carvalho, diretora de inovação e engajamento da Visa. Foto: Marcelo Soubhia/Visa/Divulgação

Na Oracle, o programa começou em 2017, com o nome de Oracle Startup Cloud Accelerator (OSCA), e lecionou 12 startups  para trabalhar, no período de seis meses, em conjunto com time Oracle para mentoria e receber créditos de Oracle Cloud, conexão com clientes locais, regionais e globais, espaço de coworking, uso do Oracle Innovation Customer Labs e conexão com investidores.

Em 2019, o programa passou a se chamar Oracle for Startups, com formato online e mantendo os mesmos benefícios. A empresa contabiliza mais de 600 startups participantes em nível global, sendo aproximadamente 130 na América Latina.

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Marie Timoner, líder de Oracle for Startups para América Latina.

Na TOTVS, o programa iDEXO existe desde 2017 e é o braço de inovação aberta, criado para conectar startups a grandes empresas. Segundo Juliano Tubino, vice-presidente de Negócios da TOTVS, foram avaliadas mais de 300 empresas em dois anos. Hoje são 69 startups B2B, com soluções como reembolso de gastos de funcionários, prescrições médicas e padronização visual de vitrines de lojas, atendendo a 12 verticais.

O foco é a geração de negócios. Não há aportes financeiros e nem edições anuais, e sim um fluxo contínuo de prospecção, seleção e trabalho com as startups, que podem ser de fora do país. “Oferecemos prototipação no UX Labs, mentoria para integração técnica e comercial com TOTVS, eventos de networking entre as startups da comunidade, descontos ou gratuidade em softwares e serviços, apresentação para clientes e espaço de coworking”, elenca Tubino.

Breno Barros, diretor global de Inovação e Negócios Digitais da Stefanini, conta que a empresa lançou o programa de inovação aberta Open Startup em 2015, para buscar startups que pudessem complementar e modernizar o seu portfólio. Na primeira edição, foram avaliadas 500 startups, e o critério de seleção visou escolher as que já tivessem produtos complementares e faturamento acima de R$ 500 mil. 

“Chegamos a uma short list de 40 startups dos mais variados setores e selecionamos 20 de maior aderência. Mas conseguimos fazer negócios com apenas duas, o que nos ensinou que não precisávamos selecionar tantas empresas”, conta Barros. Na segunda edição, em 2016, a empresa selecionou 10 startups segmentadas em finanças, seguros, indústria e varejo. “Dessas, oito geraram negócios com um crescimento de venda de 60%”, ressalta Barros.

O programa foi ampliado para dois anos, e, em 2018, foi realizada a terceira edição com 15 empresas e mais um segmento: media e comunicação. Em breve, serão abertas as inscrições para 2020. “O programa é uma aliança estratégica, gerando uma força de vendas para elas em 41 países e ajudando as empresas a se internacionalizarem. Além disso, disponibilizamos, em nossa base, desenvolvedores sem custo”, conta Barros.

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A inovação no setor da construção: Votorantim, AkzoNobel e Vedacit

Outro setor bastante ativo é o da construção, de olho nas inovações que estão sendo geradas pelas construtechs. Humberto Shida, CIO global da Votorantim Cimentos, diz que a empresa revisou toda a estratégia de inovação em 2016, para criar um ecossistema de inovação aberta, sem deixar de considerar a cultura da empresa, que tem perfil conservador.  A empresa mapeou todos os atores com os quais queria se relacionar: startups, investidores, centros de pesquisa, fundos e governo, questionando-os sobre o que os atraía e o que os repelia.

Em 2017, a Votorantim lançou o programa Digital Cement, hoje chamado de VC Connect, usando a plataforma da 100Open Startups e o tema Indústria 4.0, recebendo mais de 100 inscrições. Dessas, 12 foram pré-selecionadas até chegar a sete, que conduziram provas de conceito em campo. A vencedora foi a Geoinova, voltada para gestão de territórios – um dos principais desafios da Votorantim, que tem muitas terras. 

“Depois, criamos nossa própria plataforma porque queríamos abrir o leque de startups. Hoje empresas de qualquer segmento e tamanho participam de programas contínuos de testes. Além disso, estruturamos os processos internos – jurídico, suprimentos, faturamento – para atuar com as startups que não podiam ser tratadas com os processos anteriores, voltados para grandes empresas. Evoluímos para um programa de P&D com a Embrapii e o Senai Cimatec”, conta Shida.

A AkzoNobel, fabricante das Tintas Coral, criou, no ano passado, o programa global Paint The Future, que terá uma edição regional em 2020. Entre os mais de 150 países em que a multinacional holandesa atua, o Brasil foi escolhido para realizar essa primeira edição. As inscrições começam em março e visam a abrir portas para novas soluções, propondo desafios para atender necessidades mapeadas localmente. Na primeira edição, o programa recebeu 160 inscrições ao redor do mundo, e 21 startups pré-selecionadas tiveram a chance de colaborar com especialistas do setor e aprimorar suas soluções.

“O programa representa uma oportunidade única de exposição internacional junto a uma organização global como a AkzoNobel. Na primeira edição, cinco empresas selecionadas tiveram contratos de negócios, acordos de desenvolvimento conjunto ou acordos de fornecimento”, diz Elaine Poço, diretora de sustentabilidade da AkzoNobel para América Latina.

Também na área de construção, o Vedacit Labs é o primeiro programa de inovação aberta do mercado de impermeabilização. O programa já está em sua segunda edição, com R$ 2 milhões de investimentos. Na primeira – em parceria com a Liga Ventures –, em 2018, foram 442 inscritas, com 30 pré-selecionadas. Quinze foram para o pitch day, e cinco foram escolhidas em duas verticais: digitalização da indústria da construção e construções sustentáveis.

São elas: NETResíduos, para gestão dos resíduos dos canteiros, Obra Azul, marketplace que funciona como um “ifood” de pequenos lojistas e “uber” dos pedreiros, ambas de Belo Horizonte (MG); Programa Doce Lar, de Navegantes (SC), que vai se chamar EDPA e oferece reforma de moradia para baixa renda, com 11 franquias; Lógica-e, de São José (SC), que desenvolve sensores para a cadeia da construção, como solução de verificação de aplicação de manta asfáltica; e Construcode, de Salvador, especializada em digitalização das plantas do projeto com QRCode espalhados nos canteiros de obras.

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“Oferecemos oportunidades de negócio (a eles) como fornecedores internos – NetResíduos e Obra Azul –, mas o foco principal é o mercado. Queremos oferecer soluções, serviços e tecnologia para a cadeia da construção e não apenas produtos”, resume Luís Fernando Guggenberger, gerente de Inovação e Sustentabilidade da Vedacit.

Em 2 de março, serão anunciadas as cinco selecionadas da segunda edição, que recebeu 456 inscrições e teve como foco em sensores de IoT e construções sustentáveis. “Estamos aguardando a rodada de negociações, porque o programa oferece um Seed Money no valor de R$ 100 mil reais, em troca de até 5% de participação, além de seis meses de residência no WeWork em São Paulo e quatro meses de aceleração na Liga Ventures”, sinaliza Guggenberger.

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