Sal Khan, fundador da Khan Academy
Sal Khan, fundador da Khan Academy. Photo: Khan Academy/Courtesy
Tecnologia

COVID-19 é teste de fogo para o ensino online; e professor, segredo do sucesso das boas ferramentas

Em painel da Brazil Silicon Valley, Jorge Paulo Lemann e Sal Khan falaram sobre como o isolamento forçado durante a pandemia está acelerando a adoção de ferramentas de aprendizagem online, e qual o segredo daquelas que estão, de fato, triunfando: o professor

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Segundo um relatório de 36 agências e entidades internacionais, entre elas Unesco e Banco Mundial, e divulgado nesta quarta-feira (13), cerca de 1,6 bilhão de estudantes foram afetados pelo fechamento de escolas em 192 países em função da COVID-19. Muitos deles estão tendo de buscar ferramentas de aprendizagem online pela primeira vez, e lidar com dificuldades estruturais como a falta de acesso à Internet de banda larga e a computadores. Apesar dessas dificuldades, quem é do ramo diz que o momento, de adoção acelerada em função da pandemia, é um teste de fogo para as ferramentas disponíveis. Aquelas pensadas com e para os professores tendem a triunfar mesmo nos ambientes mais difíceis, e depois que a pandemia passar.

Foi diante desse cenário que o empresário, investidor e filantropo brasileiro Jorge Paulo Lemann conversou com Sal Khan, fundador da Khan Academy, no segundo painel da Brazil at Silicon Valley (BSV), conferência idealizada por estudantes brasileiros das universidades de Stanford e Berkeley e que nesta terceira edição virou digital em função da pandemia.

Segundo painel da Brazil at Silicon Valley deste ano aconteceu na quarta-feira (13) e foi transmitido pelo canal do evento, neste ano digital, no YouTube.

A Khan Academy é uma ONG que nasceu no Vale do Silício em 2005, e que hoje, patrocinada por entidades como a Bill & Melinda Gates Foundation, tem suas ferramentas usadas por 18 milhões de alunos, de 190 países, todos os meses. Globalmente, são mais de 100 milhões de usuários inscritos na plataforma. No Brasil, a Khan Academy tem 4 milhões de usuários cadastrados. Ao lado da Índia, o país latino-americano é hoje um dos destaques internacionais da plataforma.

No ensino público brasileiro, onde 86% dos estudantes do país estudam, a ONG trabalha em parceria com 49 Secretarias Estaduais de Educação no país, atendendo 391 escolas e 2,6 mil professores cadastrados.

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Com o isolamento em meio à pandemia, a ONG viu as visitas a sua plataforma disparar. Só o número de cadastros de pais cresceu 20 vezes em relação ao período anterior à COVID-19. “Percebemos que aquilo que tudo aquilo em que vínhamos trabalhando há oito, nove anos, cai como uma luva para o momento atual”, disse Khan.

Isso só foi possível porque as aulas e as ferramentas da ONG foram feitas tendo o professor como figura central. “O online não é um substituto para offline. Se eu tivesse que escolher entre uma ferramenta incrível ou um professor incrível, eu escolheria o último. Mas isso não nem precisa acontecer se você tiver uma ferramenta a serviço do professor”, ressalta ele.

O interesse de Sal pela educação começou quando ele era estudante de graduação no MIT. Enquanto estava lá, ele desenvolveu um software de matemática para crianças com TDAH e orientou alunos de escolas públicas da quarta e sétima série em Boston, Massachusetts. Com o tempo a atividade paralela virou a principal, e, resistindo a ofertas de investidores, Sal criou a Khan Academy como uma ONG.

Eu queria algo que pudesse sobreviver por gerações. As empresas geralmente não são as mesmas após duas gerações. Quais são as instituições capazes de fazer isso? Museus, universidades são. Por isso, há época, tomei essa decisão

Sal Khan, fundador da Khan Academy.

Khan explicou que foi a organização de Lemann, a Fundação Lemann, que pró-ativamente sugeriu que a ONG viesse para o Brasil, ainda em 2014, e que mesmo em cenários adversos como o brasileiro, ele acredita que após a crise poderá haver um equilíbrio maior entre ensino presencial e online. Para ele, o que pode realmente “mudar o jogo” rapidamente, principalmente em países emergentes como o Brasil, é o amplo acesso à Internet de banda larga. 

Ele ressaltou que com essa adoção acelerada das ferramentas o que todos estão percebendo é que o professor é tão importante no ensino online quanto no presencial. E isso vale não só para uma organização não lucrativa como a Khan Academy, mas para as edtechs, as startups da área de educação. 

Uma nova fase para as edtechs também

Um pouco antes do painel com Lemann e Khan, o LABS conversou com Iona Szkurnik, presidente do Conselho da Brazil at Silicon Valley (BSV) e especialista em tecnologia e educação que, há pelo menos sete anos, tem sido uma ponte entre investidores e empreendedores do Brasil e do Vale do Silício. Ela explicou que, de fato, as edtechs que estão crescendo agora têm um perfil diferente daquelas do início das startups desse segmento. 

“Os primeiros anos das edtechs, entre 2012 e 2017, mostraram que elas não estavam apresentando resultados satisfatórios. As ferramentas surgiam da cabeça dos desenvolvedores ou com base nos alunos. Quando elas chegavam no market fit (grau em que um produto satisfaz uma forte demanda do mercado), tinham falhas estruturais, eram pouco amigáveis ou demoravam muito para serem implementadas. As ferramentas que estão crescendo agora têm um perfil diferente, têm o professor como centro de tudo”, explicou Szkurnik.

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Essa nova fase das edtechs é regida pela experiência personalizada, na qual o professor vê a tecnologia como um recurso importante, mas não se sente refém dela.

Segundo o mapeamento da ABStartups de 2020, o Brasil tem 449 edtechs ativas, contra 364 em 2018. Dessas, 70,6% são do segmento de educação básica. Mas não só: o Descomplica, por exemplo, ingressou no mercado de educação superior em 2019, com cursos de pós-graduação, e, no início desse ano, a Faculdade Descomplica foi credenciada com nota máxima do MEC. Em abril, o CEO da Faculdade Descomplica, Daniel Pedrino, conversou com o LABS sobre como a pandemia pode mudar a percepção sobre educação digital no Brasil e da meta ousada da edtech de ser a maior pós-graduação digital do país em 2021.

Além do professor como centro de desenvolvimento e inovação, Iona também diz que essa nova fase das edtechs tem mais uma característica: a aquisição de talentos e ferramentas. “Na primeira fase era muito comum pensar em desenvolvimento interno das ferramentas. Hoje os empreendedores já percebem que é mais fácil incorporar uma ferramenta e trazê-la para dentro do seu guarda-chuva”, salienta ele.