Mark Zuckerberg, CEO da Meta (ex-Facebook) no evento anual da empresa, o Facebook Connect 2021. Foto: Captura de tela.
Tecnologia

Facebook/Meta usa pequenas empresas para lavar sua reputação

O Facebook/Meta tem razão quando diz que as PMEs dependem da sua máquina de publicidade. Ocorre que a empresa conta apenas metade da história: o sucesso das PMEs com anúncios "que funcionam" decorre de práticas antiéticas na coleta de dados pessoais

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É difícil emplacar a tese de que uma empresa que faturou quase US$ 118 bilhões e lucrou quase US$ 40 bilhões no último ano fiscal esteja em crise, mas talvez seja o caso do Facebook/Meta. 

Novos recursos de privacidade dos sistemas operacionais dominantes e apertos regulatórios no horizonte tanto na Europa quanto nos Estados Unidos obliteraram metade do valor de mercado (meio trilhão de dólares) e jogaram um chave de boca nas engrenagens da máquina de fazer dinheiro do Facebook/Meta, a publicidade segmentada.

Pequenas e médias empresas (PMEs), que há muito confiam no Facebook/Meta para alcançarem seu público, têm sofrido também, dependentes por tabela do aparato de vigilância sem paralelo criado pela gigante de tecnologia norte-americana. O abalo em sua capacidade de segmentar anúncios encareceu a entrega dos que sobraram. Em muitos casos, porém, o custo de aquisição das PMEs aumentou tanto que passou a não compensar mais.

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Desde que a pressão contra o modelo de negócio do Facebook/Meta começou, a empresa recorre a esses pequenos comerciantes como escudo. Ferir o sistema de segmentação de anúncios, alerta Mark Zuckerberg e seus generais, significa ferir pequenos e médios negócios do mundo inteiro.

Quando a Apple tornou obrigatório o recurso Transparência no rastreamento em apps (ATT, na sigla em inglês), no início de 2021, dando aos usuários a opção inédita de decidir se queriam compartilhar seus dados com aplicativos que até então os coletavam sem perguntar, o Facebook/Meta lançou uma campanha estrelando pequenos negócios, com direito a anúncio de página inteira nos principais jornais norte-americanos. A campanha, sem surpresa, continha um punhado de imprecisões e interpretações forçadas, como reportou o Harvard Business Review.

É um esforço continuado. O Relatório Global Sobre a Situação das Pequenas Empresas, publicado pelo Facebook/Meta em setembro de 2021, notou um aumento no percentual delas que recorrem ao digital, de 81% em fevereiro para 88%. No Brasil, 59% disseram fazer 1/4 ou mais das vendas online, e 73% usavam anúncios na internet, número maior que a média global (60%).

É fácil sustentar a retórica contrária a uma big tech quase trilionária e com um histórico no mínimo questionável de práticas comerciais. Contra o restaurante caseiro e o cabeleireiro do bairro, não. Ao colocar as PMEs na linha de frente da sua defesa, o Facebook/Meta tenta se blindar contra as críticas e, ao mesmo tempo, posicionar-se como responsável pelo sucesso dos pequenos. É uma lavagem de reputação que acontece diante dos nossos olhos.

O Facebook/Meta tem razão quando diz que as PMEs dependem da sua máquina de publicidade. Qualquer um que abra o Instagram por poucos minutos constata o volume e a capilaridade de empresas que anunciam na plataforma. Ocorre que o Facebook/Meta conta apenas metade da história.

A outra metade da história é que esse ecossistema tão importante ora em risco só se tornou viável pela devassa de dados pessoais que o Facebook/Meta promove desde os seus primórdios.

O sucesso das PMEs com anúncios “que funcionam” nas plataformas do Facebook/Meta decorre de um pecado original: práticas antiéticas na coleta de dados pessoais que, enfim, começam a ser questionadas e combatidas por reguladores e outras empresas que têm menos a perder com o fim desse abuso.

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O fato de o Facebook/Meta estar em maus lençóis, em grande parte, devido à negativa da maioria dos usuários do iOS em compartilhar seus dados, explicita de modo inequívoco o arranjo estranho em que nos metemos. Dada a escolha, as pessoas preferem não serem rastreadas pelas empresas. Às PMEs caberá adaptar-se — mais uma vez, como sempre fazem.

Há poucos dias, o Google anunciou que seguirá um caminho similar no Android — mais lento e com muitos asteriscos, pois o Google também depende de publicidade segmentada. De qualquer maneira, fica a sensação de que entramos num caminho sem volta. Ao Facebook/Meta, restará o metaverso. Boa sorte.