LG G7 ThinQ em exposição numa loja
LG G7 ThinQ em exposição numa loja. Foto: Grzegorz Czapski/ Shutterstock.com
Tecnologia

Fim da linha para os celulares da LG

É difícil encontrar uma explicação exata para o que aconteceu com a LG em um setor tão competitivo e homogêneo. Para a gigante sul-coreana, a hora de parar foi no 23º trimestre seguido de prejuízos

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Uma das maiores dificuldades do mundo corporativo é saber a hora de parar. Prejuízos pontuais fazem parte do jogo, bem como a competição acirrada. Reviravoltas (ou turnarounds, no jargão do meio) são sempre uma possibilidade e os bons momentos são apenas isso, momentos — dá para ir do céu ao inferno em questão de meses.

Para a sul-coreana LG Electronics, a hora de parar foi no 23º trimestre seguido de prejuízos. Após perder US$ 4,1 bilhões nesses pouco menos de seis anos, o chaebol (como são chamadas as grandes companhias pertencentes a famílias na Coreia do Sul) anunciou, na última segunda-feira (5), que encerrará a fabricação de celulares no próximo dia 31 de julho.

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A notícia não pegou ninguém de surpresa. Desde janeiro rumores indicavam que a LG estava tentando se desfazer dessa unidade, a única deficitária do conglomerado. (A atuação da LG vai muito além de TVs e linha branca, com presença nos setores de telecomunicações, energia e químico.) Com o fracasso das negociações, o encerramento da operação de celulares tornou-se inevitável.

Em um setor tão competitivo e, ao mesmo tempo, homogêneo, é difícil encontrar uma explicação exata para o que ocorreu à LG. Afinal, a empresa usava o mesmo Android dos bem-sucedidos Galaxy da Samsung e os mesmos chips da Qualcomm e Mediatek que equipam todos os celulares vendidos no Ocidente que não se chamam iPhone. Às vezes ela errava a mão na precificação, na escolha de componentes, nos diferenciais exclusivos, no marketing. Talvez tenha sido esse o problema, ou os problemas; algo de circunstancial, uma sucessão de pequenos erros, mas estratégicos. Talvez o diabo esteja nos detalhes. 

A LG fabricava celulares havia 26 anos e atingiu o auge entre 2009 e 2010, não com smartphones, mas com feature phones, aqueles celulares mais simples, sem tantos recursos como os que temos hoje. Foi um momento especialmente curioso.

Embora a LG e outras marcas tradicionais do setor, como Nokia e BlackBerry, estivessem vendendo celulares como se fosse pão quente, nos bastidores toda a indústria já estava mobilizada pelo abalo sísmico chamado iPhone, lançado em 2007. Era questão de (pouco) tempo, os executivos dessas empresas sabiam, para que os feature phones virassem peças de museu.

Os anos que se seguiram foram turbulentos, mas em 2013 a LG acertou o tom com o Android, fez bons lançamentos em sua linha G e se tornou a terceira maior fabricante do mundo, atrás apenas de outro chaebol, a Samsung, e da Apple.

Seus celulares eram ok, eventualmente excepcionais, com frequência inovadores — o G2 de 2013, por exemplo, foi um dos primeiros a abolir os botões físicos da área frontal, algo que hoje é lugar comum até mesmo em modelos de entrada. Vez ou outra, a LG inovava até demais — o “Hand ID” do G8, de 2019, fez um monte de jornalistas (e, talvez, só eles) balançarem a mão na frente do celular de um jeito bem ridículo para tentar desbloquear o aparelho. Sem surpresa, esse recurso não colou.

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Depois de 2013, parece que faltou fôlego à LG. Não por coincidência, o início do seu declínio coincidiu com a expansão global de marcas chinesas super agressivasXiaomi, Huawei, Oppo, OnePlus. Hoje, a LG ainda detém alguns rincões de relevância moderada. No Brasil, ocupa o quinto lugar em volume de vendas, com 7,2% do mercado, atrás da Xiaomi. Nos Estados Unidos, onde as chinesas não têm vez, ela segue no pódio, em terceiro lugar, com 10% de participação. Os dados são da consultoria Euromonitor, via Folha de S.Paulo.

O problema é que o mundo é maior que Brasil e EUA. Segundo outra consultoria, a Counterpoint, em 2020 a fatia do mercado global da LG era de míseros 2% — tão pequena que a marca acabou engolida pelo item “Outros” no ranking das maiores. Para colocar esse percentual em perspectiva, no período a LG vendeu 23 milhões de unidades enquanto a líder Samsung colocou na rua 256 milhões (onze vezes mais dispositivos).

Apesar de não surpreender, a notícia entristece. No auge da LG na era dos smartphones, tive a oportunidade de testar vários dos seus aparelhos pelo Manual do Usuário. Os topos de linha, como G3 e G4, eram muito bons. Os intermediários, hoje equivalentes à linha K e que acabam sendo o grosso das vendas (da LG e de qualquer fabricante que atue em múltiplas faixas de preço), nem tanto.

Os modelos da linha Nexus, feitos em parceria com o Google, tinham um custo-benefício imbatível — eu tive um Nexus 4 como celular pessoal e gostava dele. E, vez ou outra, os sul-coreanos faziam algumas coisas que pareciam mágicas, como o G Flex , um celular com tela curva cuja carcaça se regenerava, o Wing com suas duas telas em “T”, pois uma delas giratória, e o (agora natimorto?) modelo com tela enrolável exibido na CES deste ano.

É digno de nota a disposição que a LG sempre teve em arriscar-se. Talvez isso tenha contribuído, também, para esse desfecho melancólico. Há quem diga — e os números embasam a hipótese — que o G5, de 2016 descarrilou o trem de celulares da LG: apesar do visual bacana em alumínio, que lembrava o alienígena do filme O dia em que a Terra parou, o sistema de acessórios modulares não só não empolgou como gerou uma recepção fria da crítica especializada e do público. As vendas despencaram desde então.

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A LG é a primeira grande marca de celulares a abandonar esse mercado por completo. (Alguns podem considerar a Microsoft como pioneira no quesito desistência, mas recentemente a empresa voltou ao jogo com o controverso Surface Duo.) Outras, como a japonesa Sony e a taiwanesa HTC, se retraíram bastante ao longo dos anos, mas seguem operando em mercados selecionados. Marcas icônicas, como BlackBerry e Nokia, foram terceirizadas (para OnwardMobility e HMD Global, respectivamente) e continuam vivas. Os celulares da LG, a partir de 31 de julho (ou enquanto durarem os estoques), serão apenas lembrança.

A LG se vai, o mundo segue. Samsung, Motorola, HMD Global e as chinesas vão se banquetear com as fatias de mercado agora sem dono, segundo analistas ouvidos pela Reuters. A Apple, que só vende celulares de alto padrão, provavelmente não se beneficiará.

Para os poucos consumidores que ainda optavam por um celular da LG, pairam dúvidas. No breve comunicado da notícia fatídica, a LG garantiu que “oferecerá serviço de suporte e atualizações de software para consumidores de modelos existentes por um prazo que variará por região”. Questionada por alguns veículos, a subsidiária brasileira não soube responder como isso se dará por aqui.

Para quem está na rua em busca de um celular novo, um LG a essa altura só se vier com um generoso desconto. A falta de perspectivas para atualizações e suporte prolongado é um forte argumento contra a aquisição desses aparelhos, e é pouco provável que a pressão do Procon-SP e outros órgãos de defesa do consumidor surta efeitos além do mínimo necessário para livrar a empresa de dores de cabeça com a Justiça.

Incertezas mais dramáticas têm os funcionários da fábrica da LG em Taubaté, 400 pessoas dedicadas às linhas de celulares, além dos de outras três fábricas da cidade paulista que trabalham exclusivamente para a LG. O clima já estava ruim antes, com um estado de greve vigente devido às incertezas sobre o futuro da companhia, que, agora, más notícias confirmaram. Na terça-feira (6), a LG confirmou que levará a produção de monitores e TVs para Manaus (AM) e manterá apenas serviços administrativos e de suporte em Taubaté.

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