O mercado de jogos em expansão da América Latina se torna novo alvo das grandes empresas de games
Imagem: Free Fire/Wallpaper
Tecnologia

O mercado de jogos em expansão da América Latina se torna novo alvo das grandes empresas de games

Enquanto o governo Chinês adota medidas restritivas contra gigantes do setor de games, mercado em expansão e enorme contingente de jogadores da América Latina tornam região ainda mais atrativa

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Por mais de duas décadas, o governo chinês tentou controlar a influência dos jogos eletrônicos na vida dos cidadãos – mesmo enquanto algumas de suas empresas líderes no setor, como NetEase, Hero Entertainment e Tencent, prosperavam no país e expandiam globalmente. A relação de amor e ódio do governo chinês com a indústria de games começou na virada do século, quando entrou em vigor a primeira proibição de consoles como o PlayStation, da Sony, em 2000, devido à crença de que os jogos exerciam uma influência negativa sobre as crianças. A proibição foi revogada 15 anos mais tarde. 

Setembro de 2021 e uma nova medida controversa para limitar o tempo gasto pelas crianças chinesas com jogos entrou em vigor, mas dessa vez valendo para os jogos on-line, que explodiram durante a pandemia. Pelas novas regras, menores de 18 anos só podem jogar on-line durante três horas por semana, entre 20 e 21 horas, somente às sextas-feiras, sábados e domingos e, adicionalmente, nos feriados. Alguns especialistas das área de games, incluindo aí Grady McGregor, da Fortune, questionaram a China sobre sua nova política, dado o fato de que “o mercado de jogos da China foi erguido sobre jogos gratuitos e viciantes”. 

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A China tem hoje uma indústria de jogos em franca expansão, que só no ano passado arrecadou mais de US$ 44 bilhões e se tornou a maior do mundo – os Estados Unidos ficaram em segundo lugar. O consumo interno de jogos no país também é significativo: quase metade dos cidadãos chineses jogaram videogames no ano passado, de acordo com a Audio-Video and Digital Publishing Association.

A medida adotada por Pequim para limitar o tempo de jogos e associar os videogames a uma espécie de vício social – artigo recente publicado na mídia estatal chamou os videogames de “ópio espiritual” – é coerente com a recente repressão da China contra as Big Techs, incluindo a posição contrária ao IPO do Ant Group, do grupo Alibaba, no ano passado. O resultado imediato dessa investida regulatória do governo chinês foi uma queda brusca nos preços das ações da NetEase e da Tencent, que caíram quase para a metade dos valores registrados no início de 2021.

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Ironicamente, enquanto o tempo de jogos é limitado para jogadores chineses menores de 18 anos, a China continua a investir fortemente na América Latina, ao passo que o mercado de games da região tem avançado a passos largos, tendo sido recentemente avaliado em US$ 3,5 bilhões, de acordo com relatório conjunto do Google e da Newzoo. A chegada do 5G e o maior acesso à internet em todo o continente devem impulsionar ainda mais esse mercado. 

O Brasil é hoje um dos principais mercados mundiais para a indústria de jogos devido ao grande contingente de jogadores – cerca de 72% dos brasileiros afirma jogar jogos on-line, de acordo com a GoGamers, uma unidade de negócios da Pesquisa Game Brasil. Esse percentual é próximo ao de outros países da América Latina e foi alavancado especialmente pelos smartphones. 

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“Atualmente, os smartphones são a plataforma escolhida por 41% de nossos entrevistados no Brasil”, disse Carlos Silva, chefe de jogos da GoGamers. “Temos jogos como o Free Fire, que é um fenômeno. Além de ser gratuito e rodar em diferentes tipos de dispositivo, do mais simples ao mais moderno, o Free Fire construiu um ecossistema robusto para sua comunidade de gamers. Hoje, além de atrair jogadores casuais, conta também com um contingente de jogadores “hardcore”, pois oferece um cenário competitivo e cria boas expectativas para esses jogadores”. 

O Free Fire é um jogo de batalha que se tornou o mais baixado do mundo em 2019. Projetado pelo 111 Dots Studio e disponibilizado pela Garena para Android e iOS, o jogo também recebeu o título de “Melhor Jogo por Votação Popular” da Google Play Store em 2019. A Garena, que declinou o pedido de entrevista para essa matéria, é a divisão de jogos de propriedade da Sea Limited, líder do comércio eletrônico no Sudeste Asiático e com forte presença em mercados da Europa, Índia e América Latina.

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Afterverse, outro líder do setor de games para dispositivos móveis, com sede na América Latina, credita o rápido crescimento de seu título PK XD ao fato de o jogo ser gratuito e projetado para que todos possam jogar em um ambiente seguro. Essa facilidade de acesso ao jogo, sem custos, e a parceria da Afterverse com mais de 350 criadores de conteúdo global, desde nano-influenciadores até mega-influenciadores que interagem e compartilham conteúdos ligados ao jogo com seus fãs em plataformas populares de mídia social, levaram o PK XD a alcançar mais de 50 milhões de jogadores ativos mensalmente em todo o mundo. 

Outra perspectiva sobre os benefícios sociais dos jogos online

Ao contrário da posição atual da China de que os jogos on-line são viciantes e prejudiciais ao desenvolvimento das crianças, a Afterverse oferece uma outra perspectiva. 

“Nosso principal objetivo com PK XD é oferecer uma experiência interativa para aqueles que jogam, na qual eles podem construir amizades e interagir em um lugar seguro”, disse Felipe Hayashida, COO da Afterverse

Acreditamos que os jogos podem ser uma ferramenta importante para o desenvolvimento de habilidades e entretenimento, e estamos sempre encontrando maneiras para que o PK XD possa fazer o melhor uso possível desses valores dentro de seu conteúdo. Com relação à quantidade ideal de tempo gasto com jogos de vídeo, acreditamos que os pais devem estabelecer limites saudáveis para seus filhos, limitando o tempo de tela para evitar excessos e garantindo atividades divertidas off-line.

Felipe Hayashida, COO de Afterverse

Pesquisas recentes sugerem que casos de vício em videogames são raros. Em maio passado, a Universidade Brigham Young publicou um estudo conduzido ao longo de seis anos, o mais longo já feito sobre a questão do vício em videogames, que constatou que 90% dos jogadores não apresentam consequências negativas ou prejuízos no longo prazo associados ao hábito de jogar. Apenas 10% dos jogadores se enquadraram na categoria de “jogador patológico’ – esses indivíduos apresentaram níveis mais altos de depressão, agressão, timidez, uso problemático de smartphone e ansiedade relacionada às demandas da vida adulta.  

Um painel conduzido pela Pesquisa Game Brasil voltado a pais e filhos, que analisa o comportamento dos jogadores mais jovens através das respostas dos pais, indica que há várias advertências e precauções relacionadas ao games, mas há também benefícios relacionados à socialização e ao desenvolvimento da lógica e do raciocínio. 

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“O equilíbrio se mostrou um fator importante, a partir de nossas entrevistas com os pais dos jogadores. Mas a parte interessante é que a percepção dos pais já é mais participativa. Este ano tivemos um total de 85% dos pais afirmando que seus filhos jogam jogos digitais e 84,1% disseram que jogam com seus filhos”, disse Silva. “Neste ponto, vemos que os jogos digitais fazem parte do ambiente familiar quando falamos de entretenimento e, com isso, os pais começam a ter uma melhor compreensão sobre os benefícios e os cuidados com seus filhos”.

Só o tempo dirá, mas por enquanto, os jogos on-line continuam a crescer rapidamente fora da China, e a América Latina continua a ser um mercado quente para os gigantes asiáticos de jogos e streaming.

(Traduzido por Carolina Pompeo)