Em outubro de 2020, o Google rebatizou sua oferta de serviços na nuvem para empresas. Saiu de cena a G Suite, entrou o Google Workspace, trazendo consigo novos recursos de colaboração. Nesta segunda-feira (14), o Google anunciou que o Workspace estava disponível “para todos”. Parece simples, um passo a mais, mas na prática o anúncio deixou muita gente coçando a cabeça.
As dúvidas decorrem do mero fato de que o Google Workspace já é um subproduto dos serviços gratuitos do Google “para todos”. De maneira um pouco grosseira, pode-se definir o Google Workspace como versões do Gmail, Google Agenda, Google Docs e afins reempacotadas e vendidas a outras empresas, amarradas por ferramentas de gerenciamento e acessíveis por domínio próprio, da empresa/cliente, em vez do tradicional e gratuito @gmail.com.
Ao fazer a volta completa e devolver o Google Workspace ao segmento B2C, o que muda, exatamente?
“Workspace”, para o Google, é sinônimo de integração. E a chave dessa nova plataforma é (mais) um aplicativo de mensagens, o Google Chat, que substitui o velho Hangouts. Essa explicação foi o que consegui extrair do blablablá excessivamente marqueteiro do anúncio oficial do Google desta segunda, escrito por Kelly Waldher, vice-presidente de marketing do serviço, e Aparna Pappu, vice-presidente de engenharia.
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Em um lapso de boa comunicação, os dois VPs informam em dado momento no texto que “você pode habilitar a experiência integrada no Google Workspace ativando o Google Chat”, o que por sua vez habilita, também, as salas (“Rooms”), ou conversas em grupo, que por qualquer motivo agora se chamam espaços (“Spaces”). (Espero que você ainda esteja me acompanhando!)
Não que esse tipo de colaboração fosse impossível antes entre pessoas com endereços @gmail.com/Contas Google gratuitas, mas agora, aparentemente, todas as ferramentas podem ficar na mesma aba do Chrome:

Como alguém disse no Twitter, “às vezes o principal trabalho de um designer é dizer ‘não’”. Por que alguém quereria essa bagunça? É uma boa pergunta.
Do ponto de vista estratégico, parece que o Google está tentando replicar a oferta da Microsoft, que tem versões gratuita e pagas destinada a indivíduos, todas bem sucedidas, do seu conjunto de softwares corporativos. São os sabores Personal e Família do Microsoft 365 (antigo Office 365).
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Essa hipótese ganha reforço ao lermos, mais abaixo no comunicado do Google, que embora o Workspace seja gratuito para todos, haverá em breve, a princípio em seis países (EUA, Canadá, México, Brasil, Austrália e Japão), um plano pago focado em “indivíduos donos de pequenos negócios” e profissionais autônomos. Que é diferente da versão paga do Google Workspace, que já existe.
(Dei o meu melhor para estruturar o que há de novo no Google Workspace, mas não me ofenderei se você, leitor(a), tiver se perdido pelo caminho.)
Uma posição desconfortável
Apesar de ser uma empresa gigantesca, a Alphabet, holding do Google, é a desafiante no mercado de software corporativo e nuvem. E, também apesar disso, a Alphabet/o Google compra briga com todo mundo, das novatas focadas em um recurso (Slack em comunicação) às gigantes faz-tudo (Microsoft, com Office e Teams).
Segundo os números mais recentes, do primeiro trimestre de 2021, o negócio de nuvem da Alphabet, que compreende o Google Cloud Platform (concorrente da AWS e Microsoft Azure) e o Google Worskspace, faturou US$ 4,047 bilhões, o que corresponde a apenas 7,3% da receita total da empresa no período, de US$ 55,314 bilhões. Pior ainda, a nuvem deu prejuízo de US$ 974 milhões.
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São números melhores que os de um ano atrás, mas que sinalizam um negócio ainda pequeno dentro da empresa e subsidiado pela máquina de imprimir dinheiro (leia-se publicidade digital) da Alphabet.
O último dado público do número de usuários pagantes do Google Workspace, divulgado pela Alphabet em abril de 2020, foi de 6 milhões. É bastante gente, mas uma fração do que outras empresas, como a Microsoft, têm. Só o Microsoft Teams, sua resposta ao crescimento do Slack e similares e um dos últimos serviços do tipo a serem lançados, já tinha 75 milhões de usuários naquele mesmo mês de abril de 2020.
Os constantes rearranjos e mudanças na oferta corporativa do Google podem até torná-lo mais competitivo, mas confundem demais, como a apresentação desastrosa do Google Workspace “para todos” evidencia. Para a Alphabet, porém, é um risco que vale a pena correr.
O que está em jogo é dinheiro. Embora serviços como Gmail, Google Drive e Google Docs façam bem à imagem do Google e ajudem a vender espaço na nuvem e a manter usuários em seus domínios, o grosso da geração de receita no segmento B2C ainda vem dos anúncios. A melhor oportunidade da Alphabet para fazer render aqueles serviços está nas empresas, aproveitando a expertise acumulada com os milhões (bilhão?) de pessoas que usam esses mesmos serviços sem pagar, com o acréscimo de camadas de gerenciamento e governança exigidas em ambiente corporativo.
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Nesse sentido, o Google Workspace é uma eterna grande aposta. No momento, ele está passando por uma transformação sob a batuta do executivo Javier Soltero, ex-Microsoft, e qualquer um que já fez alguma reforma — em casa ou no trabalho — sabe que transtornos e desencontros são inevitáveis quando mudamos muita coisa de lugar e derrubamos algumas paredes.
Ainda é cedo para dizer se esta será a mutação definitiva da até agora sempre confusa oferta do Google para empresas, ou se só mais uma tentativa fracassada. Qualquer que seja o resultado, não será um processo livre de turbulências. Torço para que, no mínimo, parem de trocar os nomes das coisas. Se alguém me perguntasse hoje qual é o aplicativo de mensagens do Google, não poderia dar uma resposta direta.