O segmento de empresas de base tecnológica voltadas ao setor de saúde, as chamadas health tech startups, ganhou impulso em nível global a partir de 2014, quando gigantes da tecnologia passaram a voltar seus olhos para o setor. Até 2018, o volume de investimentos dobrou globalmente, de US$ 7,1 bilhões para US$ 14,6 bilhões, segundo dados do fundo de investimentos Startup+Health, reunidos pela plataforma brasileira de inovação aberta Distrito, no estudo Distrito HealthTech Report. No Brasil, ecossistema mais maduro da América Latina, o número de startups do segmento mais do que dobrou nos últimos cinco anos.
Globalmente, segundo dados da CB Insights, existem 36 unicórnios no segmento, 20 deles na América do Norte. Por lá, a lista é liderada pela Sumumed, avaliada em US$ 12 bilhões, e pela Roivant, avaliada em US$ 7 bilhões. No segundo pelotão, estão Intarcia (US$ 3,3 bilhões), Oscar (US$ 3,2 bilhões), Tempus (US$ 3,1 bilhões), Goodpix (2,8 bilhões), 23andMe (US$ 2,5 bilhões), Adaptive (US$ 2,4 bilhões). Os outros unicórnios estão na Europa (6), China (9) e Israel (1).
LEIA TAMBÉM: 2019: Uma odisséia de investimento em startups na América Latina
Por ora, a América Latina não tem nenhum unicórnio no segmento, segundo a Distrito. Mas o CrunchBase, plataforma que registra os investimentos em startups no mundo, identificou pelo menos 142 health techs na região com potencial de alto crescimento. Deste total, 61 estariam no Brasil, 37 no México, e 21 no Chile.
Gustavo Araujo, cofundador da Distrito, observa que, nos últimos cinco anos, explodiu o número de health techs no Brasil: de 160, em 2014, para 386 em 2019, um aumento de 141%.

“São criadas duas novas health techs por semana, numa corrida semelhante a dos aplicativos de transporte há quatro anos. O setor deve se consolidar em quatro a cinco anos. O principal segmento é o de telemedicina”, ressalta Araújo.

Por dentro das health techs brasileiras
Regionalmente, o Sudeste conta com 60,6% das empresas mapeadas pela Distrito, seguido por Sul (28,7%), Nordeste (7,8%) e Centro-Oeste (2,9%).
Amure Pinho, presidente da Associação Brasileira de Startups (Abstartups), destaca o ecossistema de São Paulo, posicionada com um dos top 10 no mundo pelo Global Startup Ecosystem Report 2019, relatório elaborado pela Genome, que identificou os segmentos de health techs e fintechs como os mais promissores. De acordo com o estudo, a cidade chegou a esse estágio porque gerou US$ 5,1 bilhões em valor no ecossistema com US$ 120 milhões em financiamento em estágio inicial nos últimos dois anos e meio.

Diferentemente de setores como finanças e varejo, nas health techs há um equilíbrio entre as que startups B2B (47,6%), dedicadas a outras empresas, e as B2C (39,5%), que atendem o consumidor final.
Em termos de tipo de negócio, as startups focadas na melhoria de gestão e processos em clínicas, hospitais e laboratórios estão na liderança do segmento no Brasil, com 24,2% (92 empresas) das health techs mapeadas pela Distrito. Em seguida vêm as startups de acesso à informação (16,3%, ou 63 empresas), marketplace (15,5%, ou 60 empresas), farmacêutica e diagnóstico (10,9%, ou 43 startups), relacionamento com pacientes (8,8%, ou 34 empresas), telemedicina (8%, ou 31 empresas), dispositivos médicos (7,8%, ou 30 empresas), inteligência artificial e big data (5,4%, ou 21 empresas), e wearables e IoT (3,45 ou 13 empresas).

As 10 maiores health tech startups brasileiras, destacadas pela Distrito por critérios como faturamento, número de funcionários, visibilidade (seguidores nas redes sociais) e funding, são: Dr Consulta, Pixeon, Vitta, iClinic, Memed, GTplan, iMedicina, Semantix, Magnamed e Hi. A plataforma de inovação aberta também destacou outras health techs em estágio de tração avançado, como Proradis, CMtecnologia, hobox, Laura, TNHhealth, Beep, Medicínia, Zenklub, PsicologiaViva, Anestech, Salux, Ventrix, ToLife, Tem e Neopropectc.
Como elas funcionam e que dores elas resolvem no Brasil e na América Latina
O LABS conversou com algumas das health techs mapeadas para entender melhor como elas estão operando e que tipo de dores estão resolvendo no Brasil, na América Latina e até Europa.
A Memed, uma das top 10 da Distrito, é uma solução de prescrição médica e também de agregação de prontuários médicos e outras informações de pacientes via API, que pode ser usada, gratuitamente, por profissionais de todo o país.
Ao final da consulta, os pacientes recebem em seus celulares uma versão digital da receita médica, contendo um QR Code e diversos serviços que ajudam na adesão ao tratamento. Criada em janeiro de 2012 por Rafael Moraes, Ricardo Moraes, René Moraes e Marcel Ribeiro, a Memed recebeu investimentos do investidor-anjo Daniel Wjuniski e dos fundos de venture capital da Redpoint eventures, Qualcomm e Monashees.
LEIA TAMBÉM: Investimento em startups será multiplicado por nove na América Latina este ano
“Através da Receita Médica Digital da Memed, nós conectamos médicos, pacientes e farmácias para uma experiência mais fácil, rápida e segura”, explica o CEO e confundador da startup, Ricardo Moraes. “Temos mais de 80 mil médicos e mais de 50 parceiros integrados (hospitais, planos de saúde e prontuários eletrônicos). A Memed é remunerada através de produtos criados na Receita Digital, após a venda dos medicamentos para os pacientes pelas farmácias’, explica ele.
A PsicologiaViva, health tech destacada pela Distrito entre aquelas com estágio de tração avançado, nasceu em julho de 2015, fundada por Bráulio Bonoto, Fabiano Carrijo, Justino Paulo, Luciene Bandeira e Edinei Santos.
A startup permite consultas online com psicólogos por meio de uma tecnologia de videoconferência criptografada, com certificado de segurança e sistema de biometria facial. Atende a grandes empresas e operadoras de saúde e já possui atuação internacional com escritório no Chile.
No total, tem mais de 1,8 milhões de vidas cobertas e uma média de 6 mil consultas realizadas por mês. Recebeu investimento do Hospital Israelita Albert Einstein e faturou R$ 1,6 milhão em 2018 – diferentemente de outros segmentos, as health techs costumam receber investimentos de grandes organizações de saúde, que veem nas statups uma maneira de inovar mais e mais rápido. “Um unicórnio na América Latina é apenas consequência da solução de um grande problema”
“Planejamos investir mais de R$ 1,5 milhão em tecnologia, marketing e comercial. A meta é expandir a atuação junto a operadoras de saúde e grandes empresas e aumentar em mais de 200% o número de vidas cobertas e consultas realizadas”, disse Edinei Santos, cofundador, ao LABS.
Outra startups investida pelo Albert Einstein, por meio do centro de inovações do hospital Eretz.Bio, é a MedRoom, fundada em janeiro de 2016 por Vinicius Gusmão, CEO, e Sandro Nhaia, CTO.
A solução da MedRoom reproduz a estrutura anatômica do corpo humano em realidade virtual e permite o estudo de cada parte usando conceitos de gamificação. A startup também constrói e entrega simulações como casos clínicos e outros tipos de treinamentos de imersão para alunos e profissionais. O foco é a educação clínica.
A solução é usada pela escolas de Medicina do Albert Einstein e outras seis instituições de ensino brasileiras, além de duas faculdades mexicanas e uma no Paraguai. O modelo de negócios é baseado no licenciamento anual da plataforma e dos conteúdos da plataforma, além de eventuais patrocínios para a produção de simulações sob encomenda. Em 2019, a empresa faturou R$ 2,5 milhões.

A expectativa para 2020 é investir algo na casa de R$ 3 milhões a R$ 4 milhões. Nossa meta é expandir e chegar a, pelo menos, 30 faculdades de medicina brasileiras até 2021
Vinicius Gusmão, CEO at medroom.
Conforme já mencionado, um quarto das startups mapeadas pela Distrito foca em gestão e eficiência de processos. Uma delas é a Ninsaúde, criada por Helton Marinho (CEO), Manuela Correa (CFO), David Gusmão (investidor-anjo), em dezembro de 2012. A empresa oferece aplicativo web com recursos de inteligência artificial para gerenciar agendamentos, prontuários, controle financeiro, faturamento de convênios, CRM e outros módulos em uma única solução.
Atualmente, tem 1,5 mil clientes e opera no modelo de SaaS (Software as a Service). Além de atuar no Brasil está presente em Portugal, México e Espanha. Recebeu investimento-anjo e aporte da Elife, consultoria global especializada em inteligência de mercado e gestão de relacionamento digital. “Vamos pensar em próximas rodadas para daqui a 18 meses. Com a entrada da Elife, vamos montar pontos de distribuição em todas as capitais do Brasil”, diz Helton Marinho, CEO da Ninsaúde.
Entre aquelas com B2B, mas também com produtos feitos para o usuário final, está Bio Apps. Fundada em 2015 por Carlos Braga e Leonardo Vianna, a health tech começou a operar em março do ano passado. Oferece um aplicativo mobile para o usuário inserir vários dados de saúde, com informações que vão do estado de humor à alimentação e aos medicamentos que toma. As informações são recebidas em tempo real por uma equipe de saúde, formada por médicos e enfermeiros, que atuam interagindo com o usuário, resolvendo o problema de forma remota, através da Teleorientação de Saúde, ou direcionando a pessoa para os serviços de saúde.A remuneração da startup acontece pelo pagamento de pacotes mensais, por vida monitorada.
“Subsidiamos uma parte do valor fixo mensal, que recuperamos com uma participação do resultado obtido. O app mobile serve como um elo de comunicação entre o usuário e a equipe de saúde, com gente cuidando de gente, 24 horas por dia nos sete dias da semana. Já temos 14 mil usuários monitorados”, diz Carlos Braga, cofundador da Bioapps.