Quando o iFood criou uma área de inovação em 2019, várias projetos emergiram. Uns seguiram em frente e outros foram engavetados. Um deles, que colocava um drone dentro da cadeia logística de entregas, despontou como um dos mais promissores, mas faltava um parceiro com um equipamento que cumprisse a missão. Apesar das conversas com empresas estrangeiras e participação de feiras do setor em vários cantos no mundo, foi em Franca, no interior do estado de São Paulo, que a foodtech encontrou a Speedbird Aero, companhia 100% brasileira com tecnologia capaz de transformar ficção científica em realidade.
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As negociações evoluíram rapidamente e logo as duas empresas se viram diante do desafio de empregar uma aeronave não tripulada para a entrega de alimentos. Entre os vários obstáculos estava a adaptação do equipamento para garantir segurança na operação e passar pelo crivo da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Nesse ponto entrou também a AL Drones, especialista em projeto e certificação de drones e responsável pelas alterações estruturais e de sistemas. Em conjunto, as três companhias trabalharam por 11 meses até obter, no início de agosto deste ano, o Certificado de Autorização de Voo Experimental (CAVE).
Com a autorização, o iFood poderá, em caráter experimental, realizar entregas com drones. Mas se engana quem acha que a aeronave vai chegar à janela ou à porta do cliente. Ela vai servir para agilizar uma parte da operação, complementando os modais atuais, como motos, bicicletas e patinetes. A cidade de Campinas e o Shopping Iguatemi Campinas foram os eleitos para o período de testes.
Apesar de complexa, a operação é simples de entender, e são separadas em duas etapas. A primeira é uma rota de 400 metros que ligará a praça de alimentação do centro comercial ao iFood Hub, uma estrutura para saída dos pedidos. Esse trajeto que leva cerca de 12 minutos para ser percorrido a pé, será feito em apenas dois. A partir desse ponto, os entregadores levarão o pedido ao cliente. É também a partir do iFood Hub que o pedido, em uma embalagem especial, acoplado a um drone poderá voar até um droneporto de um complexo de condomínios a 2,5 quilômetros de distância. Quando pousar, o entregador de outro modal seguirá até a porta do cliente — o trajeto entre o shopping e o droneporto levará, em média, quatro minutos, pelo menos seis a menos do que quando feito por terra.
O gerente de soluções de inovação em logística do iFood, Fernando Martins, estima que o início efetivo das entregas por drones ocorra em outubro. Com a aeronave, ele não tem dúvidas que a experiência do cliente vai ser melhor, com a rapidez na entrega e o alimento mais quente e fresco. Sem contar que, dessa forma, os restaurantes poderão atender clientes que estão mais longe.
“Temos esse aval e o iFood é a única empresa de food delivery em toda a América Latina que pode operar e vamos aproveitar essa oportunidade para validar o máximo possível de questões nesses período”, comenta Martins. Ele diz que o cliente poderá acompanhar pelo aplicativo toda a movimentação do drone, em tempo real.
É importante ser super transparente e mostrar ao cliente que o pedido está naquela perna em um drone, ele precisa entender que está indo em linha reta e o aplicativo vai mostrar que está sendo realizado no modal drone.
Fernando Martins, GERENTE DE SOLUÇÕES DE INOVAÇÃO EM LOGÍSTICA DO IFOOD.
Segurança da operação
A principal preocupação desde o início das conversas entre iFood, Speedbird Aero e AL Drones foi a garantia de que toda a operação não oferecesse riscos às pessoas envolvidas na entrega e também a quem esteja no chão e alheio ao voo. Por esse motivo, várias modificações foram realizadas no DLV-1, modelo do veículo. Além de sistemas com duplicidade, a aeronave ainda leva um paraquedas. “Decidimos trazer a filosofia da aviação de certificação, segurança e confiabilidade para dentro dos drones e isso casou com a necessidade da Speedbird Aero na época”, conta o sócio e cofundador da AL Drones, André Arruda.
Uma característica desses voos experimentais é que eles são automatizados, ou seja, não há um piloto comandando cada movimento da aeronave. A rota é programada antecipadamente e ao piloto cabe monitorar o voo e intervir caso seja necessário. Outro aspecto é que o piloto não tem contato visual com o drone e esse é o grande avanço da autorização concedida pela Anac: os chamados voos BVLOS (além do alcance visual). Em outros países onde há delivery por drones, como nos Estados Unidos, as autorizações são somente EVLOS (voo com uso de observadores).
Por essas peculiaridades que a certificação foi celebrada pelo setor no Brasil. A regulamentação de drones no Brasil é de 2017 e muito já evoluiu desde então, obrigando a Anac a rever e ajustar as regras — o processo está em período de tomada de subsídios e em breve um novo texto deve ser finalizado. Há, no entanto, casos que fogem à regulamentação. E esse, especificamente, é o drone delivery. “A regulamentação em si acaba sendo reativa por natureza. Esse amadurecimento de tipo de serviço é importante para a regulamentação avançar. O CAVE é importante para estabelecer uma condição de segurança na operação e isso tem uma relevância internacional”, destaca o especialista em regulação da Anac, Ailton José de Oliveira Júnior.
O futuro mais próximo
O iFood considera os voos experimentais como o pontapé inicial para algo que pode se tornar corriqueiro dentro da cadeia logística de entregas. É com base nesse período de testes que a empresa vai avaliar a eficiência e os impactos na operação para encontrar melhor maneira de incorporar os drones em escala. “Se der tudo certo, vamos aplicar isso em mais rotas, estender para outras cidades com potencial e seguir a mesma lógica. Nós atendemos mais de mil cidades no iFood e claramente 200 delas poderiam receber a tecnologia”, projeta Martins.
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Essa expansão, entretanto, depende não apenas dos resultados obtidos com a fase experimental, mas também do avanço da regulamentação sobre drones no Brasil e da própria tecnologia. O passo final é fazer com que as aeronaves conversem entre si no espaço aéreo, dentro do conceito UTM (UAS Traffic Management, ou gerenciamento de tráfego para aeronaves não tripuladas), e garantam segurança na operação e para as pessoas em terra. “O produto que vai sobrevoar uma cidade precisa ser tão seguro quanto um avião. Enquanto não atingir os níveis equiparáveis à aviação, haverá restrições e apenas ações pontuais. Ao atingir isso, o outro grande pilar é a integração do espaço aéreo, que garante uma separação mínima para não haver colisão. Mas isso leva tempo”, analisa Arruda, da AL Drones.
O certo é que o drone delivery não vai se limitar à entrega de alimentos. Outros setores podem se aproveitar da rapidez e eficiência das aeronaves não tripuladas. É, aliás, o que vai garantir o crescimento desse mercado. “O caminho está aberto e em um futuro breve vamos ter escala, inclusive para entregas de outros segmentos, como a medicina, com transporte de medicamentos, órgãos e sangue”, projeta o CEO da MundoGEO e idealizador da feira DroneShow, principal canal de conexão do mercado de drones no país, Emerson Granemann.